O candidato diferente

Correia da Fonseca

No âmbito da pré-campanha para a eleição presidencial, os telespectadores puderam assistir a uma série de debates bilaterais entre os candidatos. A generalidade da comunicação social tem-nos dito que os debates havidos foram desinteressantes, insinuou mesmo que terão sido inúteis, e se o disse ou insinuou é porque o foram mesmo, pois bem se sabe que tudo quanto dela nos vem são verdades como escrituras sagradas. Ainda assim, porém, há uma outra possibilidade: a de que pela sua própria natureza os debates não tenham favorecido o candidato Cavaco, sabidamente nada vocacionado para esta coisa de debates, para a troca de ideias, para a contradição. Ora, como se sabe, os grandes media há muito que reelegeram o actual PR, e por implícita aclamação, eles lá sabem porquê, pelo que lhes é difícil aceitar que o candidato por eles apoiado e sempre muito bem servido tenha sido obrigado a deslocar-se a três estúdios para aí ouvir objecções desagradáveis quando não acusações embaraçosas. De onde, pelo menos em parte, a “má imprensa” que os debates têm tido. Aconteceu mesmo ter sido sublinhado que as audiências conseguidas pelos debates foram muito menores que as obtidas pelas novelas da TVI, daí se partindo para a insinuação de que reflectir sobre a escolha do Presidente da República para o próximo quinquénio é menos importante que discutir se Gabriela fez bem ou não ao aceitar deitar-se com Rodrigo na cama de um hotel. E não parece que a ninguém tenha ocorrido responsabilizar as estações portuguesas de TV, designadamente as privadas, pela putrefacção das preferências televisivas das teleplateias que conduziu a esta significativa escala de preferências.

 

Quando o caso não é para sorrir

 

É verdade, contudo, que três dos candidatos que se opõem à recandidatura de Cavaco Silva são suficientemente desinteressantes para que não suscitem grandes entusiasmos. Manuel Alegre é manifestamente mais dotado para a declamação de poesia, sobretudo se dela for o autor, que para o debate político que ultrapasse as generalidades muito gerais, passe o pleonasmo evidentemente voluntário. Fernando Nobre tem feito o necessário para desapontar alguns dos seus apoiantes, e é muita pena que assim esteja a ser, pois é certo que o seu currículo, de que aliás se tem gabado mais do que o bom gosto aconselharia, merecia outro destino. Defensor de Moura exibe como quase única recomendação o facto, por ele próprio revelado, de ser ter candidatado por não gostar de Cavaco, da sua prática como primeiro-ministro e como Presidente da República, o que é justo e simpático mas manifestamente insuficiente para que se vote nele. O que é significativo em qualquer destes três candidatos é que qualquer deles se conforma em maior ou menor grau com o modelo sócioeconómico adoptado nos últimos trinta anos, que com ele se propõe conviver se não alegremente pelo menos com resignação, que essa conformação corresponde a estarmos condenados a que seja prosseguido o caminho que nos trouxe até aqui, isto é, ao desespero de milhões de portugueses, à indignação de quase todos, à entrega da soberania nacional a uns sujeitos mais ou menos anónimos refastelados no estrangeiro. Resta um outro candidato: chama-se Francisco Lopes e dele bem se pode dizer que é radicalmente diferente. E melhor, pois é o único que propõe ao País a rejeição do que os outros parecem ter como inevitável, isto é, da submissão que resultará na multiplicação da miséria, na polarização da riqueza em mãos cada vez menos numerosas, na liquidação do que ainda resta da presença do Estado em serviços essenciais, no agravamento da exploração dos trabalhadores. De Francisco Lopes dizem alguns comentadores, convocados para a mal disfarçada tarefa de o diminuírem perante a chamada opinião pública, que é demasiado duro, que fala com severidade, que nunca se ri. Aparentemente, eles não percebem o que para Francisco Lopes é óbvio: que o futuro dos portugueses e do País não é caso para sorrisos, que as verdades muito sérias devem ser ditas sem rodeios nem eventuais doçuras, que falar de opções políticas fundamentais e de circunstâncias muito graves exige um tom que tem de diferir do adoptável quando se toma chá em sociedade. Na verdade, Francisco Lopes é diferente não só por preconizar caminhos novos e transformadores mas também porque o faz num tom coerente com a diferença que transporta consigo. E essa é a diferença que o torna credor do nosso voto em 23 de Janeiro.



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