20 anos

Jorge Cadima

A pro­funda crise do ca­pi­ta­lismo agrava os pe­rigos

A pri­meira Guerra do Golfo foi há 20 anos. Nessa guerra, o im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano mos­trou ao mundo o seu novo ar­senal de tec­no­logia da morte, com mís­seis cru­zeiro e To­mahawk, armas com urânio em­po­bre­cido que atra­vessam a blin­dagem de tan­ques, in­ter­cep­tores Pa­triot que, pre­ten­sa­mente, der­ru­bavam os mís­seis de Saddam Hus­sein. A guerra foi trans­for­mada num «as­seado» es­pec­tá­culo me­diá­tico pelas grandes ca­deias de (des)in­for­mação do im­pe­ri­a­lismo, es­con­dendo os seus ter­rí­veis custos hu­manos, es­con­dendo que Saddam fora um aliado dos EUA, es­con­dendo quase tudo sobre a ver­da­deira na­tu­reza da­quela guerra.

Vinte anos de­pois, não é di­fícil per­ceber que a Guerra do Golfo foi um marco na his­tória re­cente. In­se­pa­rável das contra-re­vo­lu­ções que ha­viam li­qui­dado o so­ci­a­lismo no Leste da Eu­ropa e es­tavam prestes a des­truir a União So­vié­tica, a Guerra do Golfo – como muito jus­ta­mente as­si­nalou na al­tura o PCP – teve por missão mos­trar ao mundo que uma nova cor­re­lação de forças se afir­mava no pla­neta. Uma cor­re­lação de forças onde o im­pe­ri­a­lismo di­tava as leis, es­tava pronto a usar a força mi­litar, não re­co­nhecia fron­teiras, nem so­be­ra­nias. O im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano – já então em de­clínio no plano eco­nó­mico – pro­cu­rava impor a sua he­ge­monia pla­ne­tária pela via mi­litar, para con­trolar re­cursos ener­gé­ticos, sus­tentar os seus mo­no­pó­lios e res­pec­tivos lu­cros, mesmo que contra a von­tade de ou­tros con­cor­rentes im­pe­ri­a­listas.

A vi­tória mi­litar dos EUA na Guerra do Golfo, acom­pa­nhada do golpe de Ielt­sine que des­truiu a URSS pas­sado poucos meses, fez pa­recer in­ven­cível o im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano. De­cretou-se o fim da His­tória, o triunfo eterno do ca­pi­ta­lismo. Muitos, in­cluindo a pró­pria classe di­ri­gente dos EUA, se con­ven­ceram que assim era. As duas dé­cadas se­guintes tor­naram claro o sig­ni­fi­cado da dupla vi­tória do im­pe­ri­a­lismo em 1991. À guerra do Golfo se­guiu-se a Ju­gos­lávia, o Afe­ga­nistão, Iraque, Lí­bano, Gaza. Se­guiu-se a pi­lhagem do pla­neta pelo grande ca­pital dos cen­tros im­pe­ri­a­listas, as­se­a­da­mente de­sig­nada «glo­ba­li­zação». Se­guiu-se a des­truição ace­le­rada de di­reitos e con­quistas so­ciais e po­lí­ticas, o re­forço do au­to­ri­ta­rismo e dos me­ca­nismos de re­pressão. O ca­pi­ta­lismo mos­trou as suas garras, con­tidas du­rante dé­cadas pelas vi­tó­rias das lutas po­pu­lares no Sé­culo XX. As ilu­sões da pro­pa­ganda im­pe­ri­a­lista tor­naram-se um pe­sa­delo bem real para a grande mai­oria da Hu­ma­ni­dade.

Mas estas duas dé­cadas também mos­traram ou­tras coisas. Mos­traram que a re­sis­tência e luta dos povos – desde logo, dos que são ví­timas das agres­sões im­pe­ri­a­listas – não têm fim, por mais «de­cre­tado» que seja pelas classes do­mi­nantes. Mos­traram que, li­berto de amarras e fun­ci­o­nando de acordo com as suas pró­prias re­gras, o ca­pi­ta­lismo dos nossos dias é, não apenas um voraz de­vo­rador da ri­queza pro­du­zida em todo o pla­neta, mas um in­cor­ri­gível ge­rador de enormes crises para as quais não en­contra outra so­lução que não seja agravar ainda mais a ex­plo­ração, a do­mi­nação e a vi­o­lência, ali­men­tando dessa forma as causas pro­fundas da crise. Mos­traram que, por muita força que o im­pe­ri­a­lismo tenha, o mundo não pára: povos e países afirmam a sua so­be­rania, pro­curam al­ter­na­tivas, crescem e de­sen­volvem-se, al­teram em pro­fun­di­dade a cor­re­lação de forças mun­dial.

A apa­rente in­ven­ci­bi­li­dade do im­pe­ri­a­lismo deu lugar a uma crise pro­funda. A cada dia que passa se tornam mais evi­dentes o des­norte, as di­vi­sões, a in­ca­pa­ci­dade das classes do­mi­nantes em en­con­trarem res­posta para a sua crise. Mas isso não sig­ni­fica que o pior tenha pas­sado. Pelo con­trário. A pro­funda crise do ca­pi­ta­lismo agrava os pe­rigos de que o de­ses­pero dê lugar – como no pas­sado – à vi­o­lência ex­trema e aven­tu­reira. A ofen­siva contra os povos chegou aos cen­tros do im­pe­ri­a­lismo. E mul­ti­plicam-se pe­ri­gosos si­nais de que o im­pe­ri­a­lismo pre­para novas aven­turas mi­li­tares, no Médio Ori­ente, em África, no Ex­tremo Ori­ente.

O ca­minho é a luta. A luta dos tra­ba­lha­dores e povos de todo o mundo, contra o seu ini­migo comum: o im­pe­ri­a­lismo. E no co­ração dessa luta terão de estar aqueles que não se dei­xaram levar pelos cantos de se­reia, nem ven­deram contos de fadas nestes 20 anos ter­rí­veis. É esse o papel dos co­mu­nistas.



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