Pelo emprego com direitos
Combater os falsos recibos verdes convertendo-os em contratos efectivos – dando com isso um precioso contributo à luta pelo emprego com direitos – , eis, em síntese, a solução inovadora proposta pelo PCP em projecto de lei que esteve em debate sexta-feira passada no Parlamento.
Grande parte dos recibos verdes ocupam postos de trabalho permanentes
Com esta simples e eficaz medida prevista no diploma comunista, que baixou à comissão sem votação para discussão pública por 30 dias, um importante contributo pode ser dado no sentido de ajudar a resolver a vida de milhares e milhares de pessoas, sobretudo jovens, que são hoje brutalmente atingidos pela precariedade, essa praga social que as atira para a «intermitência dos estágios não remunerados, dos estágios profissionais, do emprego sem direitos e do desemprego».
Homens e mulheres «sem saber quando e se terão direito ao domingo na folga semanal, sem saber quanto e se vão receber sempre a dia certo, sem saber se terão perspectiva de valorização do seu trabalho e progressão na carreira», salientou a deputada comunista Rita Rato, fazendo notar que nesta condições estão mais de um milhão e 200 mil trabalhadores, o que coloca Portugal no terceiro lugar do ranking da precariedade na UE.
Trata-se, por outras palavras, exemplificou, de contratos a termo em desrespeito pela lei, do uso abusivo de recibos verdes, de trabalho encapotado em regime de prestação de serviços, de bolsas de investigação ou estágios profissionais e de trabalho temporário sem observância de regras.
Sendo que uma larga fatia destes falsos recibos verdes, denunciou, tem um supervisor, tem um horário de trabalho definido, tem uma remuneração fixa, mas não tem um contrato com direitos. Mais, ocupam um posto de trabalho permanente mas não têm um contrato efectivo.
Daí a proposta do PCP – tendo em vista a criação de mecanismos dissuasores destas práticas ilegais, a par da protecção da parte mais débil da relação laboral que é o trabalho – estipulando que por iniciativa do trabalhador ou das suas organizações representativas, sempre que identificada uma situação ilegal de recibos verdes, seja de imediato convertido em contrato efectivo, cabendo à entidade patronal – e não ao trabalhador como agora sucede – provar a legalidade do recurso aos recibos verdes.
Precariedade no público
Além da conversão dos falsos recibos verdes em contratos efectivos, a bancada comunista levou igualmente a debate uma outra proposta inovadora para resolver o problema dos milhares de trabalhadores da administração pública sujeitos a recibos verdes, avenças, contratos de tarefa, os chamados contratos de emprego e inserção e outros tipo de vínculo precário, não obstante desempenharem tarefas que são permanentes, como tratou de explicar o deputado comunista Jorge Machado.
Por isso a proposta comunista no sentido da realização de uma auditoria nacional para «detectar todas as situações de utilização ilegítima de prestadores de serviços» e «determinar quais e quantos são os contratos de emprego e inserção que satisfazem necessidades permanentes da administração pública».
De todos os quadrantes à direita do hemiciclo voltaram a ouvir-se os mesmos argumentos para que tudo fique na mesma, com o deputado do PS Strecht Ribeiro a verter lágrimas de crocodilo pelos falsos recibos verdes – são um «desmando só comparável aos salários em atraso», chegou a dizer –, para logo a seguir considerar que a lei vigente «chega e sobra» para os combater. Na mesma linha pronunciou-se o deputado do CDS/PP Artur Rego, para quem a solução do problema não está em mais legislação mas no cumprimento da «lei que existe». Argumento falacioso foi também o da deputada Maria das Mercês Borges, do PSD, recusando a «conversão automática» dos recibos verdes em contratos efectivos de trabalho porque isso, alegou, poderia aumentar o desemprego.
Falsear a realidade
A existência de uma pergunta no questionário dos Censos que camufla os falsos recibos verdes, levando as pessoas nessas situação a definir-se como trabalhadores por conta de outrem, foi denunciada pelo PCP no mesmo dia em que levou a plenário da AR a sua iniciativa legislativa para reduzir a precariedade.
«É esconder completamente e impedir que se saiba a realidade dos falsos recibos verdes», alertou a deputada Rita Rato, antevendo que quando saírem os resultados dos Censos será apontada a existência de um determinado número de trabalhadores por conta de outrem «quando o que sabe à partida é que neste miolo estarão milhares de falsos recibos verdes identificados como trabalhadores por conta de outrem».
Tendo presente um exemplar do questionário que serve de base aos Censos, a parlamentar do PCP chamou a atenção para a existência de uma opção – «qual o modo como exerce a profissão indicada» – onde consta a seguinte consideração: «Se trabalha a ‘recibos verdes’ mas tem um local de trabalho fixo dentro de uma empresa, subordinação hierárquica efectiva, e um horário de trabalho definido deve assinalar a opção ‘trabalhador por conta de outrem’».
Ora estas são as características de um trabalhador que devia ter um vínculo permanente, sublinhou Rita Rato, pelo que não há qualquer dúvida de que se está na presença de um falso recibo verde.
«A gravidade que hoje está plasmada nos Censos deve levar a que o PS inverta a sua posição e reconheça que os falsos recibos verdes, sendo um posto de trabalho permanente, devem corresponder um vínculo efectivo», sustentou a deputada do PCP.