Comentário

Defender a paz

Maurício Miguel

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Não há pro­pa­ganda que apague o facto de que a «zona de ex­clusão aérea», a «pro­tecção das po­pu­la­ções civis», a «li­ber­dade» e a «de­mo­cracia» fazem parte de uma farsa a que o Con­selho de Se­gu­rança da ONU deu co­ber­tura, com vista ao de­sen­vol­vi­mento das ac­ções de guerra pro­mo­vidas e co­or­de­nadas pela NATO, trans­for­mando a Líbia num campo de ex­pe­ri­ên­cias do seu novo con­ceito es­tra­té­gico apro­vado na ci­meira de Lisboa. O ob­jec­tivo da NATO é o do­mínio ge­o­es­tra­té­gico do país e da re­gião, dos re­cursos na­tu­rais da Líbia, e au­mentar os lu­cros do com­plexo in­dus­trial-mi­litar. As re­giões do Norte de África e do Médio Ori­ente vivem com­plexos pro­cessos de luta anti-im­pe­ri­a­lista. No Egipto, Tu­nísia, Bah­rein, Jor­dânia, Iémen, Mar­rocos, Pa­les­tina, Ar­gélia, os povos de­mons­tram ma­tu­ri­dade po­lí­tica, le­van­tando-se contra dé­cadas de ex­plo­ração, de di­ta­dura e de sub­missão aos in­te­resses do im­pe­ri­a­lismo, exi­gindo mu­danças de­mo­crá­ticas e trans­for­ma­ções eco­nó­micas e so­ciais. O im­pe­ri­a­lismo mantém-se na ofen­siva. Pro­tege os ali­ados e ataca os ini­migos, re­toma a ini­ci­a­tiva, cons­pira e pro­move aber­ta­mente a in­ge­rência e o mi­li­ta­rismo. A Síria é ini­miga, ví­tima da sua ati­tude anti-im­pe­ri­a­lista, con­de­nando a po­lí­tica de Is­rael, dos EUA e da UE na re­gião, e onde não é pos­sível es­conder a in­ge­rência ex­terna, fi­nan­ciam e armam o que chamam «pro­testos pa­cí­ficos». O re­gime do Bah­rein é aliado, por isso pro­curam es­conder a re­pressão do le­van­ta­mento po­pular com a en­trada de forças mi­li­tares sau­ditas e dos Emi­rados Árabes Unidos, em nome do Con­selho de Co­o­pe­ração do Golfo, para im­pedir as le­gí­timas as­pi­ra­ções de­mo­crá­ticas e as suas rei­vin­di­ca­ções eco­nó­micas e so­ciais, numa acção de agressão do povo que viola o di­reito in­ter­na­ci­onal e visa pro­teger os in­te­resses dos EUA, que têm ins­ta­lada neste país a sua V Es­quadra (maior base dos EUA no Golfo Pér­sico). No Iémen de­fendem um re­gime que re­prime vi­o­len­ta­mente o seu povo e a sua luta por trans­for­ma­ções de­mo­crá­ticas e por me­lhores con­di­ções de vida, para pro­teger mais um aliado na cha­mada luta contra o ter­ro­rismo.

 

A hi­po­crisia do cos­tume

 

É ne­ces­sário su­bli­nhar a hi­po­crisia e o ci­nismo dos EUA, da NATO e da UE, que até há bem pouco tempo man­ti­nham es­treitas re­la­ções com a Líbia e com Mu­ammar Kha­dafi para a ex­tracção de pe­tróleo pelas suas mul­ti­na­ci­o­nais, na cha­mada luta contra o ter­ro­rismo e na uti­li­zação desse país como zona tampão para re­primir e per­se­guir os imi­grantes que tentam chegar à Eu­ropa. Hi­po­crisia e ci­nismo gri­tantes e tanto mais evi­dentes quanto apoiam aber­ta­mente a opo­sição líbia e o «mo­vi­mento pró-de­mo­cracia», in­cluindo fi­nan­cei­ra­mente ou através do for­ne­ci­mento de armas, do envio de tropas, do envio dos fa­mosos drones (aviões não tri­pu­lados res­pon­sá­veis pela morte de muitos mi­lhares de pes­soas no Afe­ga­nistão e Pa­quistão) ou do imi­nente envio de uma «missão hu­ma­ni­tária» da UE para o te­atro de guerra. Hi­po­crisia e ci­nismo quando são co­nhe­cidas e re­co­nhe­cidas as li­ga­ções de al­gumas das suas or­ga­ni­za­ções aos ta­libãs, à Al Qaeda e a grupos ar­mados e trei­nados com o pa­tro­cínio da CIA no Afe­ga­nistão nos anos 90 para lutar contra os so­vié­ticos. Salta à evi­dência o que há muito ví­nhamos di­zendo, isto é, que a cha­mada luta contra o ter­ro­rismo e a Al Qaeda é parte de uma ma­ni­pu­lação do im­pe­ri­a­lismo para do­minar países e povos, in­ten­si­fi­cando a ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores, re­pri­mindo as suas as­pi­ra­ções, ata­cando di­reitos, li­ber­dades e ga­ran­tias.

A re­a­li­dade no ter­reno de­monstra que a in­ter­venção di­recta da NATO e a in­ge­rência nos as­suntos in­ternos deste país so­be­rano em nada con­tri­buíram para a re­so­lução do con­flito in­terno, antes o apro­fun­daram, com ele­vados custos para as po­pu­la­ções, para a infra-es­tru­tura do país e para o seu fu­turo en­quanto Es­tado so­be­rano e in­de­pen­dente.

É obri­gação do go­verno por­tu­guês (PS), en­quanto membro (não per­ma­nente) do Con­selho de Se­gu­rança da ONU, de ac­tuar na de­fesa dos prin­cí­pios con­sa­grados na nossa Cons­ti­tuição, de­fen­dendo a paz, a não in­ge­rência nos as­suntos in­ternos de ou­tros es­tados e a abo­lição do im­pe­ri­a­lismo. Não o faz. É sua obri­gação pro­mover e de­fender uma so­lução pa­cí­fica e po­lí­tica do con­flito na Líbia, sem qual­quer in­ge­rência ex­terna, como a me­lhor forma de de­fender os in­te­resses e le­gí­timas as­pi­ra­ções do povo líbio e de todos aqueles que na re­gião pros­se­guem a luta em de­fesa dos seus di­reitos eco­nó­micos e so­ciais, da de­mo­cracia e da so­be­rania e da paz. Não o faz. Nem tal nos sur­pre­ende. Mas não bai­xa­remos os braços e con­ti­nu­a­remos a lutar para que isto mude.



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