«Candidatadas»

Henrique Custódio

«Vou ouvir, como é pró­prio, os ór­gãos in­ternos do PSD e amanhã apre­sen­ta­remos um novo can­di­dato» .

Foi com estas pa­la­vras que Pedro Passos Co­elho, pri­meiro-mi­nistro in­di­gi­tado, jus­ti­ficou an­te­ontem na As­sem­bleia da Re­pú­blica a der­rota algo ri­dí­cula, e sem dú­vida hu­mi­lhante, so­frida por si pró­prio e o seu par­tido, ao ver re­cu­sada, por duas vezes con­se­cu­tivas, a can­di­da­tura à pre­si­dência da AR em que pes­so­al­mente se em­pe­nhara.

Se também hou­vesse con­si­de­rado «pró­prio» ouvir o seu par­tido quando de­cidiu con­vidar Fer­nando Nobre para en­ca­beçar a lista do PSD por Lisboa a troco da pro­messa de o fazer eleger pre­si­dente da As­sem­bleia da Re­pú­blica, pro­va­vel­mente ter-se-ia pou­pado a este dis­sabor.

Isto porque é es­pec­tável haver gente no PSD com dis­cer­ni­mento su­fi­ci­ente para ad­vertir Passos Co­elho acerca de al­gumas re­a­li­dades, como a de que o lugar de pre­si­dente da As­sem­bleia da Re­pú­blica não é coisa que se deva ou possa (como se viu) pro­meter, por re­sultar de uma eleição na AR por voto se­creto e com mai­oria ab­so­luta.

Para que a ma­nobra re­sul­tasse, Passos Co­elho de­veria, pelo menos, as­se­gurar-se do apoio an­te­ci­pado ao seu ne­gócio com Fer­nando Nobre por parte dos pu­ta­tivos ali­ados do CDS-PP – coisa que não fez, como Paulo Portas abun­dan­te­mente alar­deou, mar­cando pontos, de ca­minho, na sua po­sição re­la­tiva nos ar­ranjos go­ver­na­tivos.

Neste ca­ri­cato epi­sódio Paulo Portas terá sido, mesmo, o único mas pir­ró­nico ven­cedor: ao in­vi­a­bi­lizar a eleição de Fer­nando Nobre con­so­lidou o seu poder na co­li­gação com o PSD mas, con­co­mi­tan­te­mente, também en­fra­queceu pu­bli­ca­mente Passos Co­elho, e isso não au­gura um fu­turo ri­dente à «co­li­gação» - para bem do povo e do País, aliás.

Seja como for, esta «can­di­da­tada» é um epi­sódio menor que so­bre­vi­verá, quando muito, em nota de ro­dapé.

O que, no caso, im­porta reter é o que levou Passos Co­elho a pre­ci­pitar-se neste bi­sonha pro­messa a Fer­nando Nobre, na ilusão de que este sal­ti­tante can­di­dato (com uma «in­de­pen­dência» que já o en­fi­leirou no PS, no BE e no PSD) lhe traria uma en­xur­rada de votos, em vez de uma in­ter­mi­nável dor de ca­beça.

Esta su­cessão de ina­bi­li­dades por parte do pre­si­dente do PSD («con­vite» a Nobre para um cargo elec­tivo, uni­la­te­ra­li­dade da de­cisão, in­sis­tência «à ou­trance» nesta aposta er­rada) o que re­vela - e cris­ta­li­na­mente - é uma am­bição tão im­pa­ci­ente em «chegar ao pote» do poder (pa­la­vras do pró­prio), que levou Passos a deitar mão a tudo o que ca­lhava para ar­re­ba­nhar mais uns votos. Até ao des­qua­li­fi­cado Fer­nando Nobre, que ainda há poucos meses mal­ba­ra­tara, numa de­ma­gó­gica e re­ac­ci­o­nária cam­panha pre­si­den­cial, um pres­tígio la­bo­ri­o­sa­mente cer­zido nas de­am­bu­la­ções da AMI.

Assim, apesar deste de­saire cons­tran­gedor, Pedro Passos Co­elho ob­teve o que queria: ins­talar-se no poder para, sob o pre­texto e o im­pério da obe­di­ência à troika, poder fi­nal­mente des­man­telar o que resta do Por­tugal de­mo­crá­tico e so­li­dário criado pela Re­vo­lução de Abril.

To­davia, há-de per­ceber que não se rouba, im­pu­ne­mente, fu­turo a um povo.



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