Dois desaparecimentos simbólicos

Filipe Diniz

Na es­tru­tura da pró­xima co­missão exe­cu­tiva do pro­grama da troika - o cha­mado go­verno PSD/​CDS-PP – de­sa­pa­re­ceram vá­rias áreas mi­nis­te­riais. Duas têm um evi­dente sig­ni­fi­cado sim­bó­lico: o Tra­balho e a Cul­tura.

O Tra­balho some-se - re­du­zido à de­sig­nação de em­prego na Eco­nomia (a parte menor), e de de­sem­prego na Se­gu­rança So­cial (a parte maior) – cor­res­pon­dendo, nesse sen­tido, à pers­pec­tiva des­trui­dora e re­ces­siva do «me­mo­rando».

A Cul­tura re­gressa ao es­ta­tuto de se­cre­taria de Es­tado. Sobre essa ma­téria é bom cla­ri­ficar quatro pontos.

O pri­meiro é que esse re­tro­cesso con­firma a co­nhe­cida aversão da di­reita pela cul­tura.

O se­gundo é que bem podem vir agora os res­pon­sá­veis do PS las­timar este re­tro­cesso. Foram os de­sas­trosos go­vernos Só­crates que lhe abriram ca­minho, com os or­ça­mentos de mi­séria que apro­varam e com a re­es­tru­tu­ração in­terna que em­pre­en­deram, cujo re­sul­tado foi um Mi­nis­tério da Cul­tura pro­va­vel­mente com me­nores meios e ca­pa­ci­dade de in­ter­venção do que a pró­pria se­cre­taria de Es­tado que o an­te­cedeu.

O ter­ceiro é que este re­tro­cesso anuncia uma nova ace­le­ração na des­res­pon­sa­bi­li­zação do Es­tado em re­lação à Cul­tura.

O quarto é que em toda a UE a Cul­tura tem sido de­vas­tada pelas me­didas de «aus­te­ri­dade» co­man­dadas pelo ca­pital fi­nan­ceiro.

O res­pon­sável in­di­gi­tado pela se­cre­taria de Es­tado res­pondeu a um inqué­rito do jornal Sol (3.06.2011). O tí­tulo es­co­lhido pelo jornal é sin­to­má­tico: «Li­bertar a Cul­tura do Es­tado». O de­poi­mento só não é igual­mente claro porque, em di­fe­rentes ma­té­rias, ma­ni­festa bas­tante ig­no­rância acerca do que está em causa. Mas o es­sen­cial fica dito e deve ter res­posta desde já.

Se che­gamos a 2011 com uma si­tu­ação em que não existe área da Cul­tura que não atra­vesse uma gra­vís­sima crise isso deve-se, não a «Es­tado a mais», mas a anos de des­res­pon­sa­bi­li­zação do Es­tado e de mer­can­ti­li­zação da Cul­tura.

Sem a res­pon­sa­bi­li­zação do Es­tado a Cul­tura fica en­tregue ao mer­cado. E o mer­cado ex­clui o di­reito à igual­dade de todos no acesso à fruição e à cri­ação cul­tural que a de­mo­cracia re­clama e a Cons­ti­tuição con­sagra.

No de­sa­pa­re­ci­mento do Tra­balho e da Cul­tura o go­verno PSD/​CDS-PP dá um claro sinal da ra­di­ca­li­zação an­ti­de­mo­crá­tica que aí vem.



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