Desindustrialização e ofensiva ideológica

As empresas em Portugal são cada vez mais pequenas

Anselmo Dias

A úl­tima greve geral foi, como todos re­co­nhecem, uma grande ma­ni­fes­tação de força e vi­ta­li­dade do mo­vi­mento sin­dical por­tu­guês. Esse acon­te­ci­mento me­receu a co­ber­tura de vá­rios meios de co­mu­ni­cação so­cial es­tran­geiros que, nas suas in­ter­ven­ções te­le­vi­sivas, ma­ni­fes­taram uma certa per­ple­xi­dade pe­rante o facto de o mo­vi­mento das pes­soas nos cen­tros das grandes ci­dades, de­sig­na­da­mente em Lisboa, su­gerir um dia normal de tra­balho.

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Ora acon­tece que a greve foi bas­tante ex­pres­siva e que as opi­niões dos jor­na­listas es­tran­geiros eram sus­ten­tá­veis. Com se ex­plica esta apa­rente con­tra­dição? Ex­plica-se pela na­tu­reza dos con­tratos de tra­balho, pela na­tu­reza do te­cido em­pre­sa­rial por­tu­guês, entre ou­tras vá­rias ra­zões.

Em ar­tigo an­te­rior no jornal Avante! dis­semos, ba­se­ados nos dados do INE, que havia em Por­tugal, em 2009, 1 085 222 em­presas, das quais apenas uma pe­quena parte pa­gava im­postos sobre os ren­di­mentos de ca­pital, o IRC. A par desta es­ta­tís­tica do INE há uma outra, da res­pon­sa­bi­li­dade do Mi­nis­tério do Tra­balho e da So­li­da­ri­e­dade So­cial (MTSS), ba­seada nos Qua­dros de Pes­soal, do­cu­mento que as em­presas são obri­gadas a en­viar todos os anos àquele mi­nis­tério re­ve­lando, entre muitos ele­mentos, o nú­mero de tra­ba­lha­dores ao seu ser­viço. Ora acon­tece que que, em 2008, o nú­mero de em­presas com tra­ba­lha­dores ao seu ser­viço in­ven­ta­ri­adas pelo MTSS cor­res­pondeu, apenas, a 343 663.

Pe­rante este dado cumpre fazer a se­guinte per­gunta: onde estão as res­tantes cerca de 741 mil em­presas?Cerca de 550 mil in­te­gram um enorme es­cân­dalo so­cial, ou seja, de­claram um vo­lume de ne­gó­cios in­fe­rior a 10 mil euros anuais, valor cor­res­pon­dente ao ren­di­mento de um tra­ba­lhador por conta de ou­trem com um sa­lário mensal de 714 euros (14 men­sa­li­dades).

Quem é que acre­dita nisto? Mi­lhares de ou­tras em­presas estão sem um único tra­ba­lhador no off-shore da Ma­deira, ou­tras não pas­sarão de sa­té­lites das grandes em­presas para, no car­rossel da sub-fac­tu­ração e sobre-fac­tu­ração, sus­ten­tarem a fuga aos im­postos, em­bora a grande mai­oria diga res­peito a em­presas fa­mi­li­ares sem qual­quer tra­ba­lhador por conta de ou­trem.

Moral da his­tória: do mi­lhão de em­presas for­mal­mente exis­tentes em Por­tugal, cerca de se­te­centas e tal mil não tem tra­ba­lha­dores por conta de ou­trem ao seu ser­viço, facto so­ci­o­ló­gico que deve ser to­mado em conta quer nos pe­ríodos elei­to­rais quer fora deles, tendo em atenção a força cen­trí­peta do ca­pi­ta­lismo na atracção desses em­pre­sá­rios a quem a ide­o­logia con­ser­va­dora in­cutiu a es­ta­fada te­oria do self-made man.

No uni­verso de todas as em­presas que la­boram em Por­tugal havia, no pri­meiro tri­mestre de 2010, 5 008 700 em­pre­gados, dos quais apenas 3 839 800 eram tra­ba­lha­dores por conta de ou­trem.

Quanto à na­tu­reza do con­trato de tra­balho, ex­cluindo a função pú­blica (cen­tral, re­gi­onal e local) apenas 1 983 401 tra­ba­lha­dores eram abran­gidos por um con­trato de tra­balho sem termo, de acordo com o MTSS.

Tudo isto para dizer o quê? Para dizer que quando ana­li­samos uma qual­quer greve, tendo em conta os cerca de cinco mi­lhões de em­pre­gados, é pre­ciso dizer que apenas 40 por cento desse uni­verso a la­borar no sector pri­vado da eco­nomia po­derá exercer tal di­reito com al­guma se­gu­rança, em vir­tude do res­pec­tivo vín­culo la­boral, ou seja, afas­tada da pre­ca­ri­e­dade, re­a­li­dade que passou ao lado dos jor­na­listas es­tran­geiros que fi­zeram a úl­tima co­ber­tura da nossa greve geral, ob­ser­vação ex­ten­siva a todos os ile­trados co­men­ta­dores da nossa te­le­visão que falam, falam, falam e não dizem nada, salvo os re­pe­tidos hos­sanas aos ideó­logos da ga­nância.

 

A na­tu­reza do te­cido em­pre­sa­rial

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As em­presas em Por­tugal, em função do nú­mero de tra­ba­lha­dores, são cada vez mais pe­quenas. Se ana­li­sarmos, por exemplo, o pe­ríodo que vai de 1998 a 2008 cons­ta­tamos o se­guinte: as em­presas com mais de 100 tra­ba­lha­dores que, em 1998, re­pre­sen­tavam 1,21 por cento do uni­verso total de em­presas, pas­saram para 0,95 por cento, em 2008. Em con­tra­par­tida, as em­presas com menos de 10 tra­ba­lha­dores que, em 1998, re­pre­sen­tavam 82,1 por cento do uni­verso total de em­presas pas­saram para 85,1 por cento em 2008. Daqui de­corre que o te­cido em­pre­sa­rial por­tu­guês é cada vez mais li­li­pu­tiano com graves con­sequên­cias para a or­ga­ni­zação dos tra­ba­lha­dores.

De facto, a vida tem pro­vado que é mais fácil mo­bi­lizar os tra­ba­lha­dores in­se­ridos numa grande con­cen­tração in­dus­trial ope­rária do que a mo­bi­li­zação que de­corre num pe­queno es­ta­be­le­ci­mento de ser­viços onde os poucos tra­ba­lha­dores têm de se con­frontar, não apenas com pre­sença fí­sica do pa­trão – e muitas vezes dos res­pec­tivos fa­mi­li­ares – mas, igual­mente, com a co­acção ide­o­ló­gica de quem, no in­te­rior da sua pe­quena em­presa, não quer a ins­ta­bi­li­dade so­cial as­so­ciada à luta rei­vin­di­ca­tiva.

A pig­meia eco­nomia por­tu­guesa tem, pois, este efeito na or­ga­ni­zação dos tra­ba­lha­dores, facto que os jor­na­listas es­tran­geiros que es­ti­veram em Por­tugal, aquando da úl­tima greve geral, não vis­lum­braram.

Um país onde há apenas uma em­presa com mais de mil tra­ba­lha­dores por cada 66 500 ha­bi­tantes é um país que de certa forma, em­bora não ab­so­luta, está con­di­ci­o­nado ide­o­lo­gi­ca­mente por uma ex­ces­siva ato­mi­zação em­pre­sa­rial.

 

A con­cen­tração de tra­ba­lha­dores

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De­cor­rente do atrás re­fe­rido, ou seja, a ten­dência para o cres­ci­mento das micro em­presas e o min­gua­mento das grandes em­presas, ve­ri­fica-se idên­tico fe­nó­meno na con­cen­tração de tra­ba­lha­dores. Com efeito, no de­curso de 1998 a 2008 ve­ri­fica-se o se­guinte: em 1998, as em­presas com menos de 10 tra­ba­lha­dores re­pre­sen­tavam 29 por cento do total da mão-de-obra no sector pri­vado da eco­nomia, per­cen­tagem que subiu para os 32 por cento, em 2008. Em con­tra­par­tida, as em­presas com mais de 250 tra­ba­lha­dores pas­saram, na­quele pe­ríodo, de 15 para 14 por cento.

Para se ter uma ideia do que es­tamos a falar basta dizer que o nú­mero de tra­ba­lha­dores nas em­presas com menos de cinco tra­ba­lha­dores su­pera quatro vezes o nú­mero de tra­ba­lha­dores nas em­presas com mais de mil tra­ba­lha­dores. Ao que che­gámos!

 

A de­sin­dus­tri­a­li­zação do País

 

As po­lí­ticas eco­nó­micas da troika in­terna estão as­so­ci­adas a uma pre­tensa mo­der­ni­dade, as­so­ciada quer à fi­nan­cei­ri­zação da eco­nomia quer à sua ter­ci­a­ri­zação. A pro­dução de bens tran­sac­ci­o­ná­veis para esses par­tidos é uma coisa ul­tra­pas­sada, o que ex­plica que, a tí­tulo de exemplo, entre 1998 e 2008, o maior cres­ci­mento de em­presas, em termos per­cen­tuais, se tenha ve­ri­fi­cado nas ac­ti­vi­dades imo­bi­liá­rias, alu­gueres e ser­viços pres­tados às em­presas, nos trans­portes, ar­ma­ze­nagem e co­mu­ni­ca­ções, na cons­trução civil e obras pú­blicas, sem es­quecer os ni­chos de ne­gó­cios na área da edu­cação, saúde, apoio so­cial e nas ac­ti­vi­dades de ser­viços pres­tados às pes­soas.

No mesmo pe­ríodo, há uma di­mi­nuição do nú­mero de em­presas nas in­dús­trias do têxtil, ves­tuário, cal­çado, pro­dutos de couro, ma­deira e cor­tiça. Quanto ao em­prego a si­tu­ação é bem mais com­pli­cada.

Com efeito, nesse pe­ríodo, a par da di­mi­nuição de tra­ba­lha­dores nas in­dús­trias atrás re­fe­ridas, há que acrescer as que­bras de mão-de-obra nas in­dús­trias de equi­pa­mentos eléc­tricos, nos pro­dutos mi­ne­rais não me­tá­licos, na pasta de papel, cartão e seus ar­tigos e na fa­bri­cação de pro­dutos quí­micos e fi­bras sin­té­ticas e ar­ti­fi­ciais. Há, também, a re­gistar di­mi­nui­ções nos sec­tores da pro­dução e dis­tri­buição de elec­tri­ci­dade e nas in­dús­trias ex­trac­tivas, em­bora, aqui, em menor es­cala.

Mercê de todas estas que­bras o re­sul­tado final é este: entre 1998 e 2008 a quebra do em­prego no con­junto de todas as in­dús­trias trans­for­ma­doras foi de 13,6 por cento (Vide Sé­ries Cro­no­ló­gicas, Qua­dros de Pes­soal, pá­ginas 15/​6, MTSS).

O País tem cada vez menos in­dús­trias e cada vez mais cha­fa­ricas.

A de­sin­dus­tri­a­li­zação do País não re­sultou apenas da con­si­de­ração de que o fu­turo es­tava na fi­nan­cei­ri­zação da eco­nomia as­so­ciada à es­pe­cu­lação e ao fo­mento ab­surdo do sector de ser­viços. A de­sin­dus­tri­a­li­zação do País tem uma com­po­nente ide­o­ló­gica.

Quando se en­cerra uma fá­brica com mil tra­ba­lha­dores pro­te­gidos por um forte con­trato co­lec­tivo de tra­balho e, em con­tra­par­tida, se abre um centro co­mer­cial com 200 lojas onde, em cada uma delas la­boram cinco tra­ba­lha­dores pre­cá­rios, tal mu­tação no te­cido em­pre­sa­rial não pode, no plano po­lí­tico, ser ne­gli­gen­ciado.

 

As mai­ores em­presas em Por­tugal

 

Em Por­tugal há, apenas, no sector pri­vado da eco­nomia, cerca de 930 grandes em­presas, con­si­de­rando grandes em­presas todas aquelas com mais de 250 tra­ba­lha­dores. Es­tamos a falar de um pe­queno nú­cleo, aba­fado pelas 343 663 em­presas com tra­ba­lha­dores por conta de ou­trem, a que acrescem cerca de 741 mil em­presas de na­tu­reza fa­mi­liar e de ou­tras ori­gens.

Não com­pre­ender esta as­si­me­tria, como fi­zeram os jor­na­listas es­tran­geiros que co­briram a úl­tima greve geral efec­tuada em Por­tugal, é não com­pre­ender a re­a­li­dade por­tu­guesa. Com efeito, em Por­tugal, uma greve com a adesão de cen­tenas de mi­lhar de micro e pe­quenas em­presas pode passar des­per­ce­bida.

Con­tudo, uma greve que en­volva as 930 grandes em­presas será, cer­ta­mente, um grande êxito. Não com­pre­ender a im­por­tância es­tra­té­gica de al­gumas destas grandes em­presas é re­velar uma in­com­pre­ensão maior àquela de­mons­trada pelos jor­na­listas que fi­zeram a co­ber­tura da úl­tima greve geral.

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Fontes:

Es­ta­tís­ticas do Em­prego, 1.º tri­mestre de 2010, INE;

Sé­ries Cro­no­ló­gicas, Qua­dros de Pes­soal, 1998-2008, MTSS;

Jornal Pú­blico de 5/​6/​2011.



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