(In)utilidade

Anabela Fino

Cos­tuma dizer-se, e não cer­ta­mente por acaso, que pre­sunção e água benta cada um toma a que quer. Su­cede no en­tanto que isto dos di­tados po­pu­lares tem que se lhes diga, seja porque há muito por aí quem não dê ponto sem nó ou porque sim­ples­mente mais de­pressa se apanha um men­ti­roso do que um coxo. Veja-se o caso de Fer­nando Nobre, o «in­de­pen­dente» que salta de par­tido em par­tido (não todos, não todos...) como pulga em cão com sarna (sem des­primor), que de­pois da ma­lo­grada can­di­da­tura a Belém de­cidiu treinar um pouco mais a in­de­pen­dência no seio do PSD, apre­sen­tando-se não só como ca­beça de lista por Lisboa mas também e desde logo como can­di­dato a pre­si­dente da As­sem­bleia da Re­pú­blica. Dito de outro modo, uma vez que não fora para Belém iria ao menos para S. Bento sentar-se no ca­deirão da pre­si­dência, no lugar da se­gunda fi­gura do Es­tado, à es­pera – quem sabe? – que o des­tino lhe per­mi­tisse vir um dia a subs­ti­tuir Ca­vaco sem mais in­có­modos de sub­missão ao ve­re­dicto po­pular.

Toda a gente per­cebeu que a Nobre já não bas­tava pre­sidir à em­presa fa­mi­liar que dá pelo nome de AMI; o homem queria ser pre­si­dente em grande e Passos Co­elho fez-lhe a von­tade, acre­di­tando – é o que se pre­sume, à falta de me­lhor ex­pli­cação – que assim con­ta­bi­li­zaria os votos que Nobre re­co­lhera nas pre­si­den­ciais.

O ar­ran­jinho deu para o torto, como se sabe, e a As­sem­bleia da Re­pú­blica acabou por ser palco do in­só­lito e de­gra­dante es­pec­tá­culo de um de­pu­tado da Nação, an­te­ci­pa­da­mente avi­sado de não reunir o con­senso dos seus pares, se sub­meter por duas vezes a es­cru­tínio e de ambas ser re­jei­tado. Foi de­pois disso que Nobre, des­di­zendo o que antes afir­mara numa en­tre­vista – que que só fi­caria no Par­la­mento como pre­si­dente –, ga­rantiu que se man­teria como de­pu­tado en­quanto en­ten­desse que a sua par­ti­ci­pação fosse «útil ao País».

Ora bem, postas as coisas nestes termos – de uti­li­dade – e fa­zendo o com­puto à pre­sença do novel de­pu­tado na As­sem­bleia – duas ses­sões ple­ná­rias: a que chumbou o seu nome para a pre­si­dência e a que elegeu As­sunção Es­teves para o cargo – a con­clusão é óbvia. Quanto à uti­li­dade de Nobre es­tamos con­ver­sados.


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