Um «Programa de Emergência Social»

Jorge Messias

«A Igreja, embora tenha de recorrer a meios temporais, renuncia a privilégios e até está pronta a renunciar a direitos adquiridos, em nome da pureza do seu testemunho; mas não renuncia ao dever de afirmar com liberdade a sua doutrina sobre a sociedade e o Estado, na medida em que o exija a salvaguarda dos direitos fundamentais da vida humana ...» (D. Manuel Franco Falcão, bispo de Beja).

«O programa do Governo põe o dedo na ferida: Portugal vive hoje uma crise social. A essa crise o executivo liderado por Passos Coelho quer responder com um “Programa de Emergência Social” estruturado através de uma Rede Nacional de Solidariedade (RENASCO). O objectivo é fazer convergir nas respostas às carências sociais o Estado, as Autarquias Locais e as instituições da sociedade civil, nomeadamente, as Misericórdias, as Mutualidades e as IPSS» (Rita Simões, Facebook).

«No primeiro ano, prevê-se um investimento de 400 milhões de euros. A carga será repartida pelo OE, por subsídios comunitários, por fundações civis, pelos contribuintes, pelas Autarquias e pelas farmácias» (fonte: Internet).

Este governo da direita ainda é mais jesuítico que o anterior. Razão disto são as dificuldades concretas com que se depara e os compromissos que assume. É incapaz de resolver um só dos gravíssimos problemas sociais do nosso povo. Resta-lhe ganhar tempo e... fé em Deus. Assim, apenas respeita uma linha de acção: roubar aos pobres para dar aos ricos.

Há propostas de lei que parecem só conter disparates e contradições. Propõe-se o que, em cada caso, se sabe ser impossível concretizar. Mas se vasculharmos bem cada proposta acabaremos por encontrar, ocultas pelos cantos, duas ou três ideias capazes de «abalar o mundo». É este o caso do «Programa de Emergência Social» que Passos Coelho & Associados querem fazer avançar. Disto falaremos. Antes, porém, recorde-se uma expressão feliz recentemente publicada nos jornais. A troika não é puxada a três, como se acredita. O seu «chefe de fila», agora em evidência, é a Igreja Católica. Uma Igreja que está nas bolsas, nos mercados e nas super-estruturas financeiras que concedem os empréstimos, os créditos e decidem os grandes negócios. Que é figura grada não só no «Clube Bilderberg» ou no FMI, mas também na Maçonaria e nas sociedades secretas, com as suas ramificações políticas tentaculares.

Constata-se que os quatro cantos deste «programa» bem precisam de vassoura.

O texto foi escrito pela Igreja, tal como já o reconheceu o padre Lino Maia, homem forte da Pastoral Social; as propostas procuram instituir, em áreas fundamentais da Segurança Social e da Saúde, as perspectivas e as soluções contidas na doutrina social da Igreja; se assim acontecer, correrá sério risco a sobrevivência de um Poder Local que constitui o principal ponto de referência de uma democracia efectiva de base territorial; e a formação de uma poderosa brigada de intervenção social do tipo da RENASCO implicaria, num pequeno país em ruínas, um verdadeiro terramoto que destruiria as estruturas sociais existentes.

Neste sentido, o «Programa de Emergência Social» é verdadeiramente inviável como, aliás, sabem os seus mentores. Mas o que mais interessa aos seus autores é a aceitação pública de um novo quadro de valores que desfigure, para sempre, o Portugal de Abril. O Estado, por «falta de vocação», renuncia definitivamente a qualquer papel social, a noção de caridade cristã substitui-se ao conceito de Segurança Social contido na actual Constituição da República; uma Rede esmoler, associada às paróquias e às congregações católicas e dirigida pela Igreja, passará a constituir para os pobres e para os desempregados a sua única esperança de sobrevivência. Enquanto isso, mantê-los-á calados, sem necessidade do recurso às cargas policiais nas ruas, sempre ingratas para o Poder. Os ricos ficarão mais livres e à margem das crises deste mundo. Ainda que tudo avance «de pernas para o ar», como é tradição lusitana.

Na ascensão ou re-ascenção dos fascismos, a confusão é um aliado poderoso. Ainda os problemas estão longe de terem uma definição clara e já se dá um nome às brigadas de intervenção caritativa e se aponta o dedo aos seus chefes eventuais, como é o caso de Pedro Santana Lopes...

Mas não nos precipitemos. Procuremos ver melhor no lusco-fusco desta nova pré-alvorada fascista.



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