Defender a Constituição de Abril
Apesar das sucessivas revisões da Constituição da República Portuguesa visando o seu empobrecimento, o texto fundamental consagra ainda grandes conquistas democráticas decorrentes da Revolução de Abril, das quais a soberania e independência nacionais são desígnios importantes. O seu articulado refere que a soberania é «una e indivisível» e «reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição» (Artigo 3.º). Define que «tarefas fundamentais do Estado» são, entre outras, «garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas e culturais que a promovam», «defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais» (Artigo 9.º).
É ao arrepio destes e de outros «princípios fundamentais» e de forma subserviente que os sucessivos governos do PSD, PS e CDS/PP actuam na União Europeia (e no plano nacional). Nenhum governo poderá afirmar que os passos dados na integração europeia o foram assegurando a «participação democrática dos cidadãos» e o cabal esclarecimento das suas implicações presentes e futuras. Pelo contrário, PS e PSD, com o apoio do CDS, passaram 25 anos a acenar com slogans ou com benefícios ao povo que nunca foram concretizados ou concretizáveis. Nunca disseram a verdade ao povo português e dessa forma foram alienando aquilo que apenas a ele pertence – a soberania nacional –, ou seja a decisão consciente sobre o seu presente e futuro, de acordo com os seus interesses e aspirações. Através de sucessivos atropelos à Constituição e à vontade do nosso povo, o País foi-se tornando mais subalterno e dependente face à UE e ao directório das grandes potências que a domina. E foram ainda mais longe, inscrevendo na Constituição normas que pretendem subordinar às normas europeias a legislação portuguesa e a própria Constituição.
Estão na forja novos ataques. Inscreve-se nesta perspectiva o «interesse» com que o Governo PSD-CDS/PP «acompanha» as «directrizes» de Merkel (Alemanha) e Sarkozy (França) de inscrição do limite à dívida na Constituição da República Portuguesa. Tal como os anteriores governos, também o actual assina de cruz tudo o que venha da UE, independentemente dessas propostas resultarem de um debate entre os 27 estados-membros ou serem apenas dois países, a França e a Alemanha, a determinar o que todos os outros deverão fazer.
O «interesse» já avançado pelo Governo insere-se no ajuste de contas com a Constituição, que PSD e PS, com o apoio do CDS/PP, se preparam para tentar, com o objectivo de retroceder nas grandes conquistas democráticas, no regime de amplas liberdades democráticas e na via de progresso social que ela abriu. Querem levar ainda mais longe a exploração dos trabalhadores e do povo, retirando o ainda significativo número de normas progressistas que continuam consagrados na Constituição. Embora muitas normas da Constituição fiquem por cumprir, não podemos aceitar que uma revisão da Constituição abra caminho ao retrocesso social, abdique da soberania e independência nacionais, promovendo normas que visam transferir para a UE poderes que só ao povo português pertencem. Não poderemos aceitar a inclusão de uma norma que não resulta de uma aspiração ou do interesse objectivo do nosso povo, do reforço da democracia nas suas várias vertentes ou de tendências de evolução económica e social do nosso País que o justifiquem. Faremos frente à tentativa de constitucionalizar as políticas que vêm sendo seguidas pelos sucessivos governos ao longo de mais de 30 anos, aprofundando-as e eternizando o pacto de agressão assinado entre a troika nacional e a troika estrangeira, com consequências dramáticas para o nosso povo e para o País.
O tempo que aí vem só pode ser de luta em defesa da Constituição, do seu conteúdo progressista e da soberania do nosso povo que ela consagra. Luta por uma política firme de defesa do interesse nacional, com um espírito de solidariedade internacionalista na sua forma. A soberania reside no povo e é da sua acção e luta que se abrirá o caminho para uma política patriótica e de esquerda que rejeite a exploração como regra e o lucro do capital como desígnio. E agora vamos à Festa do Avante!, que, também ela, é de luta em defesa da Constituição, da soberania e independência nacionais.