Chauvinismo euro-germânico

Rui Paz

A União Europeia transformou-se numa zona de estado de sítio permanente

Referindo-se à facilidade com que o Governo alemão impõe cada vez mais os seus interesses aos restantes países da União Europeia, o secretário-geral do partido da chanceler Angela Merkel, Volker Kauder, afirmou num congresso em Leipzig: «Agora na Europa fala-se alemão». Uma vaga de chauvinismo euro-germânico está a ser instigada na Alemanha pela classe política dirigente. Países endividados e arruinados pelos especuladores são estigmatizados pelos círculos governamentais da democracia-cristã como «pecadores do défice». Nem já aos amigos mais fiéis se toleram opiniões que não sejam previamente autorizadas por Berlim, como aconteceu recentemente quando a chanceler desqualificou como uma ideia «impensada e descabida» uma proposta do presidente da Comissão Europeia, e a cadeia-tv, ZDF, informou, no maior noticiário do dia, que Durão Barroso «não tinha os parafusos todos no sítio».

A verdade é que a União Europeia transformou-se numa zona de estado de sítio permanente

Mas toda esta situação já era previsível. Bastava ter-se seguido com atenção os documentos geoestratégicos e as declarações das mais destacadas figuras políticas alemãs dos últimos 20 anos.

 

As ambições da Alemanha ao domínio da Europa não são de agora. Logo após a chamada «unificação» (1990) o ministro dos Negócios Estrangeiros Klaus Kinkel declarou que «agora temos de conseguir aquilo que já falhámos por duas vezes» (em duas grandes guerras). Desde o início dos anos noventa que Berlim viu no projecto da União Europeia um instrumento indispensável para o relançamento de mais uma tentativa de imposição do seu domínio a todo o continente.

O conselheiro do então chanceler democrata-cristão Helmut Kohl, Hans Peter Schawarz, ao abordar o tema «a potência central europeia» (Berlim, 1994) diz que «só existe um Estado que, devido à situação geográfica, à capacidade económica e à influencia cultural, está em condições de assumir-se como potência central europeia – é a Alemanha». E o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Joseph Fischer (Verdes) numa conferência realizada em Berlim (2000) onde expôs as suas ideias sobre a finalidade da UE reclama para a Alemanha «devido ao seu tamanho, à sua força económica e à sua situação geográfica» o direito de exercer «uma suave hegemonia» sobre a Europa, isto é, «sem recurso ao seu potencial militar estratégico».

 

Esta ideia de que a Alemanha tem de dominar a Europa devido à situação geográfica, à força económica, ao peso populacional, etc. é uma constante do discurso político dos dirigentes alemães que as elites federalistas e submissas nos países dependentes têm escondido constantemente.

Os princípios inscritos nos tratados da UE, desde Maastricht passando por Nice até ao Tratado de Lisboa, vão todos nessa direcção. Também hoje, como já se pode depreender, o gritar por «mais Europa», pelo aprofundamento do federalismo ou a revisão dos tratados, significa mais poder do directório das grandes potências, mais hegemonia alemã, mais poder antidemocrático do grande capital, mais espezinhar dos direitos sociais, laborais e culturais, e o asfixiar da vontade soberana dos povos.



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