A farsa

Henrique Custódio

Os dirigentes socialistas encenaram nas últimas semanas um espectáculo de «oposição» ao OE do Governo – objectivo notoriamente difícil, dada a não menos notória cumplicidade do «socialismo democrático» em todo o enredo, iniciada pelo pacto de submissão ao FMI assinado pelos três da vida airada: PS, PSD e CDS.

O prato forte da peça oposicionista assentou no magno objectivo de «recuperar» um dos subsídios perdidos (o de férias e o de Natal) pelos funcionários públicos no activo e na reforma. Para esta frugal reivindicação, o PS anunciou ter feito uma data de contas, de que, aliás, não apresentou uma simples prova dos nove, quanto mais um alinhamento de parcelas. Mas adiante. Para trás desta ideia/PS ficaram, entretanto, pormenores como o de ambos os subsídios serem direitos adquiridos e pagos pelos trabalhadores em questão, enquanto as mais-valias accionistas dos privados continuavam incólumes, mas o que se podia esperar destes socialistas democráticos?

Por seu turno, o PSD articulava de bom grado as suas deixas com as do PS, neste entremez reivindicativo. E por aqui os temos visto, numa giga-joga de «conversações secretas» sopradas ao longo das semanas à comunicação social e que ora existem, ora «não têm qualquer fundamento», conforme a hora, o local e os protagonistas do momento, mas que foram procurando montar um «crescendo dramático» nesta putativa discussão do Orçamento do Estado entre PS e PSD.

Tudo isto para quê? Para dar a pública ideia de que ambos os «partidos da governação» se debatiam e degladiavam na «discussão do Orçamento», escondendo a todo o custo que, em boa verdade, o PS não reivindicava nada de sério e o PSD negociava a brincar. O que não admira: os dois partidos há três décadas que, em conjunto, se vêm entendendo e alternando no desmantelamento dos direitos – e até já das liberdades e garantias – conquistados com a Revolução de Abril pelo povo português.

Chegou, entretanto, a discussão e a votação final do bicho – referimo-nos ao Orçamento do Estado para o ano que vem, uma configurada Besta dos infernos que os partam – e tanto a «oposição» do PS como a «abertura negocial» do Governo/Passos se revelaram em todo o esplendor.

O Governo/Passos apresentou, magnífico e magnânimo, uma pequena redução no corte dos dois subsídios (férias e Natal) para os funcionários públicos que aufiram entre 600 e 1100 euros, anunciando esta miséria como uma configurada «sensibilidade para com os mais desfavorecidos», além de uma «abertura negocial» de se lhe tirar o chapéu.

Perante isto, o PS foi-se diluindo em protestos avulsos e uma misturada de abstenções e votos contra e a favor, concluindo numa abstenção final com uns salpicos de votos contra, com o secretário-geral do PS, António José Seguro, a garantir, pressuroso, perante as câmaras de televisão, que «o PS não votou contra, o PS absteve-se».

E o espectáculo da oposição/PS encerrou-se assim: com o PSD a carregar atrocidades sobre os trabalhadores e o PS a opor-se... abstendo-se.

Uma farsa.

Que a luta dos trabalhadores vai desmontar.



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