É a dignidade, estúpidos!

Jorge Cordeiro

Há quem não ande, rasteje, mesmo que se julgue de pé. Há quem dizendo o que lhe mandam, não raras vezes mais que a mero mando à sombra da paga que lhes agiliza a prosa, julga convencer quem os ouve que ali reside réstia de pensamento ou vontade próprias. Há quem não conhecendo horizonte para lá do chão que pisa, julgue impossível, e para além do que a compreensão permite aos que vivem curvados e com os olhos postos em baixo, que milhões de outros saibam o que só a dignidade de viver de cabeça levantada lhes pode ensinar. Há ainda aqueles que se sabendo à venda julgam que tudo, desde os valores à consciência ou da dignidade à convicção, se pode comprar.

Será por estas e por outras não menos indignas razões, que se explicarão muitas das análises e definitivas sentenças de alguns dos habituais comentadores de serviço sobre a greve geral. Será por estas e outras razões que o capital, e os círculos de poder que o servem, têm assegurado que será ouvido pela boca daqueles o que não querem que se ouça pela voz directa destes. Entre a indigência política disfarçada por umas tiradas de «economês» ao primarismo mais caceteiro, de tudo um pouco se viu nessa cruzada sem glória e sem sucesso para iludir aquela que foi para lá de uma memorável jornada de luta, uma inequívoca afirmação de dignidade dos trabalhadores portugueses. Um tal de Camilo, não o comediante seguramente mais conhecido e respeitável, mas um outro que por aí comenta, sem dúvida não menos hilariante, afirmou sobre a jornada de 24 que não passava de uma «greve estúpida». Pelo que já se lhe ouviu antes e pelo que mais se lhe ouvirá ainda, entre aquelas orelhas coabita aquele pensamento de resignação que Salazar, seu inspirador e modelo, traduziu naquela expressão «está tudo bem e não podia ser doutra forma». Pelo que talvez, para o caso em concreto, nem se justifique tentar fazer perceber do que se trata quando se fala desta e doutras lutas: da dignidade, estúpidos!

 



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