Comentário

Um caso exemplar

João Ferreira

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Concluiu-se no passado fim-de-semana mais um Conselho Europeu. Na esteira dos que o precederam, foram ali decididas novas e mais graves limitações à soberania dos povos. Limitações que tornam cada vez mais visível o confronto crescente desta UE com os mais elementares princípios e valores democráticos.

Mais uma vez, o governo português, prestando-se ao triste e pouco edificante papel do condenado que desfila com a bandeira do carrasco, acatou, com o habitual dobrar de cerviz, a expropriação do direito do nosso povo decidir livremente sobre o seu futuro. Não deixarão de ser julgados por isso, quando voltar o seu a seu dono. Quando o poder que agora nos querem arrancar voltar, nas palavras de Ary, «à barriga da mãe».

Se já antes, a pretexto da criação do chamado Mecanismo Europeu de Estabilidade, o Conselho Europeu havia decidido consagrar no Tratado da UE as orientações e a «rigorosa condicionalidade política» do FMI, agora querem ir ainda mais longe. Querem incluir e consagrar essas mesmas orientações e condicionalidade – que estão na base do pacto de agressão da troika – nas próprias constituições nacionais (ou «equivalente», mas com «efeito idêntico», como veio lembrar, solícito, o PS). Querem, assim, eternizar as políticas desgraçadas que nos vêm impondo e as suas funestas consequências.

 

As pescas: caso exemplar

 

No mesmo fim-de-semana, o PCP e o Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica realizaram, em Sesimbra, um debate sobre «O futuro das pescas em Portugal e a reforma da Política Comum de Pescas».

O que liga estes dois acontecimentos? Pois bem, liga-os o facto de ser este um sector, pela sua situação actual e pela sua evolução ao longo das últimas duas décadas, que é elucidativo do impacto que teve a sobreposição das imposições da CEE/UE ao necessário delinear de políticas públicas sectoriais que defendam o interesse nacional; que tenham em conta as especificidades nacionais, as potencialidades e as limitações da nossa economia e do nosso território; que olhem às necessidades e anseios do nosso povo e à forma mais adequada de lhes dar resposta.

Em Portugal, o país da UE com a maior Zona Económica Exclusiva, o sector das pescas tem uma importância estratégica evidente: para o abastecimento público de pescado às populações (somos um dos países do mundo com maior consumo de peixe per capita), para o equilíbrio da balança alimentar, para o desenvolvimento e bem-estar socioeconómico das comunidades costeiras, para a criação de emprego e de actividades económicas a montante e a jusante da pesca, para a manutenção da cultura e da tradição locais.

Não obstante o enorme potencial do sector, as consequências da integração das pescas nacionais na Política Comum de Pescas da CEE/UE estão à vista: só na década de 90 – como sabemos, com as responsabilidades governativas divididas entre o PSD de Cavaco e o PS de Guterres – Portugal reduziu a sua frota pesqueira em 36por cento. As capturas caíram 40 por cento. O caminho foi o mesmo na última década. Em lugar de financiar a necessária modernização da frota (hoje profundamente envelhecida), visando uma melhoria das condições de segurança e de sustentabilidade económica e ambiental da actividade, a fatia de leão do Fundo Europeu das Pescas serviu para financiar o abate indiscriminado de embarcações. Consequência: o país importa hoje cerca de dois terços do peixe que consome.

O declínio do sector e a crise que enfrenta são indissociáveis de uma gestão cada vez mais centralizada, distante da realidade dos recursos e das comunidades. Uma gestão que marginaliza o sector na definição das políticas; que impõe medidas desfasadas da realidade, de difícil ou mesmo impossível, quando não contraproducente, implementação.

O Tratado de Lisboa veio consagrar e aprofundar esta gestão centralizada, ao estabelecer como uma «competência exclusiva» da UE a «conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da Política Comum de Pescas». Isto é tanto mais gravoso quanto foi acompanhado de uma alteração do peso dos diferentes estados-membros, quer no Conselho quer no Parlamento Europeu, reforçando consideravelmente o poder dos estados mais populosos. Portugal – como atrás se referiu, o país da UE com a maior ZEE – tem numa e noutra instituição não mais do que cerca de dois e três por cento dos votos e dos lugares de representação, respectivamente.

É neste quadro, profundamente desfavorável, que travaremos a necessária batalha pelo futuro do sector. Uma batalha exigente e que a todos convoca, numa altura em que se perfilam novas ameaças com a reforma em curso da Política Comum de Pescas.



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