Camarote para a Concordata!

Jorge Messias

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«A es­pada que não se en­terra no co­ração dos se­nhores,

dos cul­pados/en­terra-se no co­ração dos po­bres,

dos ino­centes» (Paul Eluard, poeta francês co­mu­nista, sé­culo XX, «Po­emas para todos»).

 

«Para trans­formar o mundo é pre­ciso mais do que ora­ções. São ne­ces­sá­rios actos. Mais do que actos pri­vados actos uni­ver­sais, po­lí­ticos. O pro­le­ta­riado aprendeu isso à sua custa e en­sina-o hoje a toda a hu­ma­ni­dade. O amor mo­derno que se tem aos ou­tros é po­lí­tico ou, então, não será amor. Poder-se-á hoje amar os ho­mens sem pôr em causa o Ca­pital, quando tanto so­fri­mento ele lhes causa? Poder-se-á amar a hu­ma­ni­dade, ou as pes­soas, sem lutar contra a guerra quando esta pode pôr em causa a exis­tência da hu­ma­ni­dade, como es­pécie? E, uma vez que a pro­pri­e­dade e a guerra são ne­gó­cios de Es­tado, poder-se-á amar os ho­mens do sé­culo XX sem vi­giar o Es­tado? Não é a po­lí­tica o único meio de dar ao amor um con­teúdo prá­tico e uni­versal?» (Karl Marx, «Sobre a re­li­gião»).

 

«Nin­guém pode ser pri­vi­le­giado, be­ne­fi­ciado, pre­ju­di­cado, pri­vado de qual­quer di­reito ou isento de qual­quer dever, em razão de as­cen­dência, sexo, raça, língua, ter­ri­tó­rios de origem, re­li­gião, con­vic­ções po­lí­ticas ou ide­o­ló­gicas, ins­trução, si­tu­ação eco­nó­mica ou con­dição so­cial» (Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa,

artº. 13º., nº. 2).

 

De entre os cha­vões usados pela hi­e­rar­quia ca­tó­lica contam-se «pa­la­vras de ordem» des­ti­nadas a des­crever a so­ci­e­dade civil como apo­lí­tica e mo­ral­mente sen­sível aos pro­blemas de­sen­ca­de­ados pela ex­plo­ração do homem e aos di­reitos deste. Não é assim en­ten­dido em boa parte do país ca­tó­lico. Mas é por de­mais evi­dente que quanto maior for a po­breza, maior é a ex­plo­ração. Quanto mais crescer o de­sem­prego mais se avo­lu­marão as grandes for­tunas. Com o ca­pi­ta­lismo ne­o­li­beral e im­pe­ri­a­lista nos co­mandos do País ca­mi­nhar-se-á ir­re­ver­si­vel­mente para uma so­ci­e­dade con­cen­tra­ci­o­nária, mo­no­color e po­li­cial. A «Nova Era» é a «Velha Ordem» fas­cista. E não é ver­dade que a in­fluência de uma re­li­gião con­duza a mais apu­rada cons­ci­ência cí­vica.

 O com­por­ta­mento do alto clero é prova viva desta mortal si­tu­ação. Apoia ex­pli­ci­ta­mente a «equi­dade» dos sa­cri­fí­cios im­postos ao povo e os cri­té­rios do pacto de agressão e pros­pera, à sombra disso, com novos sub­sí­dios es­ta­tais, com a de­vo­lução à Igreja de bens e equi­pa­mentos, com a ver­go­nhosa pro­tecção do Es­tado à banca (que a Igreja di­recta ou in­di­rec­ta­mente do­mina), com o en­caixe de grossas fa­tias das cha­madas verbas co­mu­ni­tá­rias, com cres­centes isen­ções fis­cais, com os lu­cros das suas lo­ta­rias e offshores, com os «poços sem fundo» das suas fun­da­ções, etc. Isto, no plano dos ga­nhos ma­te­riais.

 Mas com a crise pro­vo­cada pelas ver­ti­gens do ca­pi­ta­lismo, a Igreja também soma e segue no plano po­lí­tico. Muitos dos atro­pelos le­gis­la­tivos pra­ti­cados pela mai­oria do centro-di­reita ser­viram como vias rá­pidas para a es­ca­lada do poder do apa­relho ca­tó­lico. Re­fira-se, a tí­tulo de sim­ples exem­plos, a le­gis­lação que per­mite às ins­ti­tui­ções não lu­cra­tivas (IPSS) a as­so­ci­ação com hol­dings lu­cra­tivas; as me­didas que re­formam ou ex­tin­guem fre­gue­sias ou ser­viços es­sen­ciais do Poder Local, dei­xando as po­pu­la­ções no­va­mente nas mãos das ve­lhas pa­ró­quias e das or­ga­ni­za­ções ca­ri­ta­tivas da Igreja; o en­cer­ra­mento com­pul­sivo de ser­viços es­ta­tais es­sen­ciais, o que pro­move o au­mento da pro­cura de es­ta­be­le­ci­mentos pri­vados quase sempre li­gados à Igreja; leis per­versas, tais como as do Pro­grama de Emer­gência So­cial e da Rede Na­ci­onal de So­li­da­ri­e­dade, que minam os ali­cerces da de­mo­cracia e são ta­lhadas à me­dida da ca­pa­ci­dade dos meios que a Igreja já possui. Assim, a Igreja ca­tó­lica, tra­di­ci­o­nal­mente ins­ta­lada nas cú­pulas de todos os cen­tros de de­cisão, pe­netra ano­ni­ma­mente nas bases e ní­veis in­ter­mé­dios do co­lec­tivo de­mo­crá­tico.

 O car­deal e os bispos ins­talam-se co­mo­da­mente nos ca­ma­rotes da Con­cor­data, como se fossem meros es­pec­ta­dores, e deixam andar. A Con­cor­data é um lugar se­guro. É in­di­fe­rente que o Es­tado por­tu­guês se pro­clame laico, se­gundo a Cons­ti­tuição e negue na prá­tica o que afirma em te­oria. Também diz que a so­be­rania re­side no povo e… na re­a­li­dade, é o que se vê!

A for­tuna total da Igreja é se­gredo bem guar­dado, como seria de es­perar. Porém, apoi­ados na co­mu­ni­cação so­cial, talvez pos­samos ar­riscar um passo que seja nessa selva fe­roz­mente de­fen­dida dos olhares dos leigos. A fonte serão os jor­nais e a In­ternet.



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