Camarote para a Concordata!
«A espada que não se enterra no coração dos senhores,
dos culpados/enterra-se no coração dos pobres,
dos inocentes» (Paul Eluard, poeta francês comunista, século XX, «Poemas para todos»).
«Para transformar o mundo é preciso mais do que orações. São necessários actos. Mais do que actos privados actos universais, políticos. O proletariado aprendeu isso à sua custa e ensina-o hoje a toda a humanidade. O amor moderno que se tem aos outros é político ou, então, não será amor. Poder-se-á hoje amar os homens sem pôr em causa o Capital, quando tanto sofrimento ele lhes causa? Poder-se-á amar a humanidade, ou as pessoas, sem lutar contra a guerra quando esta pode pôr em causa a existência da humanidade, como espécie? E, uma vez que a propriedade e a guerra são negócios de Estado, poder-se-á amar os homens do século XX sem vigiar o Estado? Não é a política o único meio de dar ao amor um conteúdo prático e universal?» (Karl Marx, «Sobre a religião»).
«Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever, em razão de ascendência, sexo, raça, língua, territórios de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social» (Constituição da República Portuguesa,
artº. 13º., nº. 2).
De entre os chavões usados pela hierarquia católica contam-se «palavras de ordem» destinadas a descrever a sociedade civil como apolítica e moralmente sensível aos problemas desencadeados pela exploração do homem e aos direitos deste. Não é assim entendido em boa parte do país católico. Mas é por demais evidente que quanto maior for a pobreza, maior é a exploração. Quanto mais crescer o desemprego mais se avolumarão as grandes fortunas. Com o capitalismo neoliberal e imperialista nos comandos do País caminhar-se-á irreversivelmente para uma sociedade concentracionária, monocolor e policial. A «Nova Era» é a «Velha Ordem» fascista. E não é verdade que a influência de uma religião conduza a mais apurada consciência cívica.
O comportamento do alto clero é prova viva desta mortal situação. Apoia explicitamente a «equidade» dos sacrifícios impostos ao povo e os critérios do pacto de agressão e prospera, à sombra disso, com novos subsídios estatais, com a devolução à Igreja de bens e equipamentos, com a vergonhosa protecção do Estado à banca (que a Igreja directa ou indirectamente domina), com o encaixe de grossas fatias das chamadas verbas comunitárias, com crescentes isenções fiscais, com os lucros das suas lotarias e offshores, com os «poços sem fundo» das suas fundações, etc. Isto, no plano dos ganhos materiais.
Mas com a crise provocada pelas vertigens do capitalismo, a Igreja também soma e segue no plano político. Muitos dos atropelos legislativos praticados pela maioria do centro-direita serviram como vias rápidas para a escalada do poder do aparelho católico. Refira-se, a título de simples exemplos, a legislação que permite às instituições não lucrativas (IPSS) a associação com holdings lucrativas; as medidas que reformam ou extinguem freguesias ou serviços essenciais do Poder Local, deixando as populações novamente nas mãos das velhas paróquias e das organizações caritativas da Igreja; o encerramento compulsivo de serviços estatais essenciais, o que promove o aumento da procura de estabelecimentos privados quase sempre ligados à Igreja; leis perversas, tais como as do Programa de Emergência Social e da Rede Nacional de Solidariedade, que minam os alicerces da democracia e são talhadas à medida da capacidade dos meios que a Igreja já possui. Assim, a Igreja católica, tradicionalmente instalada nas cúpulas de todos os centros de decisão, penetra anonimamente nas bases e níveis intermédios do colectivo democrático.
O cardeal e os bispos instalam-se comodamente nos camarotes da Concordata, como se fossem meros espectadores, e deixam andar. A Concordata é um lugar seguro. É indiferente que o Estado português se proclame laico, segundo a Constituição e negue na prática o que afirma em teoria. Também diz que a soberania reside no povo e… na realidade, é o que se vê!
A fortuna total da Igreja é segredo bem guardado, como seria de esperar. Porém, apoiados na comunicação social, talvez possamos arriscar um passo que seja nessa selva ferozmente defendida dos olhares dos leigos. A fonte serão os jornais e a Internet.