Implosões I

O espectáculo animou todas as televisões e iluminou as primeiras páginas: uma das cinco torres do Bairro do Aleixo, no Porto, foi mandada abaixo «por implosão». Houve reportagerns e «directos», as câmaras televisivas seguiram docilmente os preparativos para o foguetório, os especialistas em explosivos, militares, pois claro, explicaram compenetradamente alguns procedimentos e efeitos esperados, o historial lusitano em espectáculos que tais foi devidamente assinalado.

Às tantas (era inevitável) lá apareceram alguns moradores a debitarem para os microfones, estrangulados de angústia, a sua revolta e o seu desespero por esta expulsão compulsiva das casas e do bairro onde habitam há mais de três décadas. Por trás deles e mesmo em frente das cinco torres, que estão alinhadas numa colina, refulgia lá em baixo o Rio Douro, numa visão tão magnífica como privilegiada.

Estava ali a «urgência» em começar o derrube das torres: tão extraordinária localização é um alfobre de ouro em especulação imobiliária.

Estava também explicada a pressa em aproveitar a actual onda reaccionária na governação do País para se derrubar a primeira torre do Bairro do Aleixo. Antes que se fizesse tarde, pois claro. Foi como aconteceu com os milhares de sobreiros protegidos, que foram cortados à pressa no concelho de Benavente por uma legislação assinada na noite da demissão do governo Santana Lopes, pelo então titular do Ambiente, o CDS Telmo Correia.

 

Implosões II

 

O Bairro do Aleixo começou a ser construído logo em 1974, tendo sido o Portugal de Abril que em pouco tempo levantou as cinco torres para formar um bairro social destinado a centenas de famílias. Era a primeira resposta na luta contra a altamente deficitária situação habitacional vivida na cidade do Porto, atingindo sempre, e como de costume, as camadas socioeconomicamente mais frágeis da população. Vivia-se os primeiros anos do Portugal de Abril e, apesar da férrea luta contra-revolucionária desde logo encetada pela troika que conduziria o País à actual desgraça – PS, PSD e CDS, evidentemente –, o Bairro do Aleixo teve fôlego para se erguer em cinco torres numa colina privilegiada sobre o Douro.

O Portugal de Abril tinha ali uma expressão concreta da sua generosa abertura ao progresso e à solidariedade social.

 

Implosões III

 

É evidente que em breve os grandes especuladores imobiliários se puseram a olhar gulosamente para aqueles terrenos, mas o desalojamento dos seus moradores não era tarefa fácil. Daí o desprezo sistemático e crescente das autoridades para com o bairro, acentuando-lhe a degradação que alguns fenómenos marginais de tráficos vários foi encorpando.

E assim se forjou a «necessidade» de eliminar o Bairro do Aleixo após 30 anos sobre a sua construção, procurando tomar de assalto aquela colina privilegiada para nela implantar condomínios de luxo.

Onde, obviamente, não faltarão os cuidados camarários e os desvelos governamentais, ao contrário do que aconteceu aos anteriores moradores. Nessa altura, o «Bairro do Aleixo» já virou coisa fina e não pode deixar-se degradar, evidentemente...



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