O veto

Jorge Cadima

O im­pe­ri­a­lismo em pro­funda crise está a atear fogo ao pla­neta

O veto da Rússia e China no Con­selho de Se­gu­rança da ONU é uma rara no­tícia po­si­tiva a emanar da­quele órgão. Po­si­tiva por ser um en­trave a mais uma agressão im­pe­ri­a­lista. Quase se­gu­ra­mente não im­pe­dirá que o im­pe­ri­a­lismo avance, tal como a au­sência da co­ber­tura pela ONU não im­pediu que os de­mo­cratas de Clinton e so­ciais-de­mo­cratas da UE ata­cassem a Ju­gos­lávia, ou os re­pu­bli­canos de Bush e a troika Blair-Aznar-Bar­roso in­va­dissem o Iraque. Mas é po­si­tivo que não possam in­vocar a chan­cela da ONU, ao con­trário do que acon­teceu no caso da Líbia.

 

A re­acção do im­pe­ri­a­lismo ao veto foi de­li­rante. A re­pre­sen­tante dos EUA na ONU, Susan Rice, de­clarou que «aqueles que blo­que­aram o último esforço para re­solver pa­ci­fi­ca­mente esta questão terão as suas mãos man­chadas pelo sangue que se verterá no fu­turo» (CNN, 5.2.12). Além de con­firmar que se ver­terá mais sangue com uma «so­lução» não pa­cí­fica – na qual os EUA as­su­mirão o seu ha­bi­tual papel de pri­mei­rís­simo plano – a sra.Rice não co­nhece o sen­tido do ri­dí­culo. Re­pre­senta um país que tem, não apenas as mãos, mas todo o seu corpo sub­mer­gido em cau­da­losos rios do sangue de muitos mi­lhões de mortos e ví­timas dos seus crimes de guerra. O cada vez mais pa­té­tico Se­cre­tário-geral da ONU, Ban Ki Moon, afirmou que o veto «en­fra­quece o papel da ONU e da co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal» (Te­le­video RAI, 4.2.12). Faz de conta que não sabe que o preâm­bulo da Carta da or­ga­ni­zação a que pre­side co­meça di­zendo: «Nós, os povos das Nações Unidas es­tamos de­ter­mi­nados a sal­va­guardar as gerações fu­turas do fla­gelo da guerra...». Du­rante o seu man­dato, Is­rael lançou o cri­mi­noso ataque mi­litar contra a faixa de Gaza, sem que BKM tenha achado seu dever in­tervir ac­ti­va­mente pela paz. Na sua re­cente pas­sagem por Gaza, BKM foi aco­lhido por «de­zenas de pa­les­tinos num pro­testo hostil […]. Muitos eram fa­mi­li­ares de presos pa­les­tinos nos cár­ceres de Is­rael, zan­gados com a re­cusa de Ban Ki Moon em se en­con­trar com eles para dis­cutir as con­di­ções dos presos. Al­guns ati­raram-lhe sa­patos e mos­travam car­tazes onde se lia “chega de fa­vo­re­ci­mento de Is­rael”» (BBC, 2.2.12).

 

Ouve-se pias afir­ma­ções de que a re­so­lução agora ve­tada não previa uma in­ter­venção mi­litar e já não con­tinha pas­sa­gens ape­lando a uma mu­dança de re­gime. Também a re­so­lução 1973 sobre a Líbia não dizia nada disso. «Apenas» de­cre­tava um em­bargo de armas, a in­ter­dição aérea, fa­lava em pro­teger civis e em so­lu­ções pa­cí­ficas. Mas Sirte e ou­tras ci­dades foram ar­ra­sadas pelas bombas da NATO. Houve de­zenas de mi­lhares de mortos. O New York Times (21.1.12) agora con­fessa que o lin­cha­mento de Ka­dafi teve a par­ti­ci­pação dos drones (aviões não tri­pu­lados) dos EUA, que es­ti­veram em acção «até ao último dos ata­ques, que atingiu a ca­ra­vana do Co­ronel Ka­dafi no dia 20 de Ou­tubro e levou à sua morte». A im­prensa oci­dental con­fessa agora (só agora) que os «re­beldes» que a NATO co­locou no poder tor­turam sis­te­ma­ti­ca­mente. Até a or­ga­ni­zação Mé­dicos sem Fron­teiras se re­tirou da «livre» ci­dade líbia de Mis­rata por achar que «a nossa missão é dar cui­dados médicos a fe­ridos de guerra ou presos do­entes, e não tratar re­pe­ti­da­mente os mesmos do­entes por entre sessões de tor­tura» (In­de­pen­dent, 27.1.12).

 

Quem es­teja im­pres­si­o­nado pela de­sin­for­mação sobre a Síria deve re­cordar as men­tiras – mo­nu­men­tais – com que nos ven­deram todas as an­te­ri­ores guerras im­pe­ri­a­listas. Lem­brar que o em­bai­xador de Por­tugal em Tri­poli des­mentiu, aos mi­cro­fones da An­tena 1 no dia 23.2.11 as «no­tí­cias» de mas­sa­cres a partir de aviões – ci­tados como factos na Re­so­lução 1973 da ONU, que o go­verno Só­crates votou fa­vo­ra­vel­mente – tal como o Go­verno Passos-Portas fez agora – numa clara afronta à nossa Cons­ti­tuição. Deve dar ou­vidos às de­nún­cias dum ex-agente da CIA, Philip Gi­raldi (na re­vista Ame­rican Con­ser­va­tive, ci­tada em glo­bal­re­se­arch.ca): «Aviões da NATO sem iden­ti­ficações estão a chegar às bases mi­li­tares turcas perto de Is­ken­derum, na fron­teira síria, trans­por­tando armas dos ar­se­nais do fa­le­cido Mu­amar Ka­dafi, bem como vo­luntários do CNT líbio []. Is­ken­derum é também a sede do Exército Livre Sírio, braço ar­mado do Con­selho Na­ci­onal Sírio. Ins­tru­tores das forças es­pe­ciais fran­cesas e britânicas estão no ter­reno, as­sis­tindo os re­beldes sírios, en­quanto a CIA e Forças Es­pe­ciais dos EUA for­necem equi­pa­mento de co­mu­nicações e in­formações para ajudar a causa re­belde, per­mi­tindo aos seus com­ba­tentes evitar con­centrações de sol­dados sírios». A agressão ex­terna já co­meçou.

O im­pe­ri­a­lismo em pro­funda crise está a atear fogo ao pla­neta. O veto na ONU foi po­si­tivo. Mas cabe aos povos a pa­lavra de­ci­siva em de­fesa do seu fu­turo co­lec­tivo.



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