Piegas, disse ele

Anabela Fino

A pes­por­rência dos go­ver­nantes por­tu­gueses pa­rece não ter li­mites. Então não é que de­pois de Ca­vaco Silva ter tido aquele de­sa­bafo ainda hoje a atroar pelo País de que os seus mó­dicos 10 mil euros men­sais, mais coisa menos coisa, não lhe chegam para as des­pesas, mesmo sendo ele e a sua cara me­tade um mo­delo de pou­pança, vem agora Passos Co­elho acusar os por­tu­gueses de serem «pi­egas», que é como quem diz pes­soas «ri­di­cu­la­mente sen­sí­veis ou as­sus­ta­diças», para não dizer mesmo «ri­dí­culas»?

Rezam as cró­nicas que o caso se deu esta se­gunda-feira, lá para as bandas de Odi­velas, du­rante a vi­sita a um es­ta­be­le­ci­mento de en­sino. Que não foi aula de sa­pi­ência é coisa que se per­cebe à dis­tância. Mesmo com óculos, o chefe do Go­verno nem por en­gano pode ser con­fun­dido com um in­te­lec­tual. Mas dei­xando de lado os mo­tivos que le­varam Passos Co­elho a Odi­velas ocorre per­guntar que raio de go­ver­nante é este que de­pois de de­fender que o País tem de em­po­brecer para se de­sen­volver, de ter acon­se­lhado os jo­vens de­sem­pre­gados a sair da sua «zona de con­forto» e os menos jo­vens a vol­tarem à es­trada da emi­gração com um su­ce­dâneo da velha mala de cartão dos tempos da outra se­nhora, vem agora chamar «pi­egas» aos seus com­pa­tri­otas, acu­sando-os de pas­sa­distas, de se la­men­tarem com as me­didas que ele, Passos Co­elho, está a tomar e, cú­mulo dos cú­mulos, de es­tarem agar­rados a «ve­lhos com­por­ta­mentos muito pre­gui­çosos», em vez de lançar «mãos à obra».

O pri­meiro-mi­nistro foi mesmo ao ponto de apontar, como sím­bolo da in­di­gência na­ci­onal, o ale­gado facto de, no ano pas­sado, o País ter es­tado a apro­veitar «fe­ri­ados e pontes» en­quanto «quem nos em­pres­tava di­nheiro tra­ba­lhava».

Manda a ver­dade que se diga que as ma­ni­fes­ta­ções de en­fado de Passos Co­elho com os por­tu­gueses estão a tornar-se re­cor­rentes. Ainda no úl­timo de­bate quin­zenal no Par­la­mento con­si­derou «falta de ima­gi­nação» a per­sis­tência com que os co­mu­nistas in­sistem em falar no de­sem­prego, na de­gra­dação das con­di­ções de vida, no au­mentos bru­tais na saúde, nos trans­portes, na edu­cação, na venda ao es­tran­geiro de sec­tores es­tra­té­gicos da eco­nomia, no en­cer­ra­mento de em­presas, etc., etc., etc. Uma seca, pelos vistos, para quem – sem nunca ter tido ne­ces­si­dade de ar­re­gaçar as mangas – acha que um País com um mi­lhão de de­sem­pre­gados e mais de dois mi­lhões de po­bres se com­praz na pi­e­guice.

Mas talvez Passos Co­elho não saiba o que é ser pi­egas.

Se ser pi­egas é ter idosos com do­enças on­co­ló­gicas a des­maiar (e a morrer) de fome nos hos­pi­tais ou cri­anças a des­fa­lecer nas aulas por falta de ali­mento, então somos um País de pi­egas.

Se ser pi­egas é ter de es­co­lher entre a far­mácia e a mer­ce­aria, então somos um País de pi­egas.

Se ser pi­egas é ter mais de seis mil es­tu­dantes a aban­donar o En­sino Su­pe­rior, ou seja uma média de 100 alunos por dia a deixar de es­tudar, então somos um País de pi­egas.

Se ser pi­egas é ter mi­lhares da fa­mí­lias a ser des­pe­jadas das suas casas, então somos um País de pi­egas.

Se ser pi­egas é ter mi­lhões de tra­ba­lha­dores com sa­lá­rios de mi­séria, então somos um País de pi­egas.

Se ser pi­egas é re­jeitar a ex­plo­ração, então somos um País de pi­egas.

Se ser pi­egas é querer tra­balho com di­reitos, então somos um País de pi­egas.   

Se ser pi­egas é não ab­dicar da luta pela jus­tiça so­cial, então somos um País de pi­egas.

Por muito que isso in­co­mode todos os Passos que por cá passam. Mas eles passam. Mas eles passam.



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