Para destruir o Estado

Governo esmaga vencimentos da Função Pública

Eugénio Rosa

Um dos objectivos centrais das medidas ultraliberais da troika estrangeira e do Governo PSD/CDS é a redução do Estado, transformá-lo no «Estado mínimo» neoliberal, o que visa, por um lado, diminuir a sua capacidade para intervir, deixando assim o campo livre aos grupos económicos para obterem sobrelucros sem qualquer controlo e, por outro lado, privatizar a maior parte das funções sociais do Estado (Saúde, Educação, Segurança Social, etc.) para assim criar áreas lucrativas de negócios para os grandes grupos privados.

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Um dos instrumentos utilizados pelo Governo para conseguir isso é também a redução brutal das remunerações dos trabalhadores da Função Pública. E isto com o objectivo, por um lado, de levar os melhores quadros, nomeadamente os mais qualificados, a abandoná-la ou a pedirem a aposentação prematura e, por outro lado, de desincentivar a entrada de novos quadros qualificados na Função Pública, porque se tornou pouco atractiva.

O novo programa ultraliberal do PSD, que acabou de ser apresentado, confirma esse objectivo.

 

Para ocultar os seus propósitos o Governo e os seus defensores nos media e em organismos oficiais (por exemplo, Banco de Portugal) têm procurado manipular a opinião pública tentando fazer passar a mensagem de que as remunerações da Função Pública são muito superiores às do sector privado, e que os trabalhadores da Administração Pública são um «grupo de privilegiados». Passos Coelho, para justificar o confisco do subsídio de férias e do Natal aos trabalhadores da Função Pública até 2013 teve o descaramento de afirmar, como consta do Diário de Noticias de 15-10-2011: «A verdade é que em média os salários na Função Pública são 10 a 15 por cento superior à média nacional». Salientou, contudo, que o mesmo já não se passa nos «lugares cimeiros da administração pública». (http://www.jn.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=2059727)

É desonesto tanto intelectual como politicamente utilizar médias de salários como fez Passos Coelho porque os níveis de escolaridade e, consequentemente, de qualificação dos trabalhadores da Função Pública e do sector privado são muitos diferentes em Portugal como mostra o Gráfico 1.

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Em 2011, na Administração Central, 55,7% dos trabalhadores tinham o Ensino Superior, enquanto a nível do País essa percentagem era apenas 18,6%; e inversamente, na Administração Pública Central apenas 22,1% tinha o Ensino Básico, enquanto a nível de todo o País essa percentagem atingia 61,5%. Basta ter presente isto para se saber que as comparações como as feitas por Passos Coelho não são correctas e que as conclusões tiradas são falsas. No entanto, como se vê, o Governo não olha a meios para justificar os seus fins, que é atacar os trabalhadores da Função Pública para assim reduzir o Estado, a fim de criar áreas de negócios lucrativas para os grupos económicos privados.

Contrariamente à mensagem que os sucessivos governos, e nomeadamente o actual, pretendem fazer passar junto da opinião pública, as remunerações na Administração Pública são inferiores às do sector privado, se a análise for feita para idênticas categorias profissionais. Para provar isso, vamos utilizar um estudo mandado fazer em 2006, pelo primeiro governo de Sócrates, à empresa de consultoria internacional Capgemini, uma das maiores empresas desta área, com 115 000 trabalhadores e presente em 40 países (do site desta multinacional – www.capgemini.com – retiramos a seguinte informação sobre esta empresa que é bastante esclarecedora: «Introduction to Capgemini: global leader in consulting, technology, outsourcing, and local professional services - Capgemini is headquartered in Paris, France and operates in 40 countries. We are, above all, a people company – around 115,000 people in North America, Europe, South America and the Asia-Pacific»).

Este estudo foi «metido na gaveta» porque as conclusões a que chegou não eram as que o governo pretendia, como afirmou o ex-ministro Teixeira dos Santos quando o confrontámos, na Assembleia da República, sobre as razões que levaram o governo a ocultar este estudo à opinião pública. Ele também contradiz as afirmações recentes de Passos Coelho. As remunerações que se apresentam no Quadro 1 foram calculadas por nós respeitando os resultados obtidos pela Capgimini.

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(…) Mesmo que calculássemos as remunerações na Administração Pública tendo como base um horário semanal de 40 horas, e não de 35 horas como é actualmente, as remunerações na Administração Pública para a generalidade das categorias profissionais continuavam a ser bastante inferiores às dos sector privado: director geral: 51,3% da do sector privado; engenheiro: entre 65% e 81,2%; consultor jurídico: 78,6%; médico: 94,8%; enfermeiro 77,9%; administrativo: 59,4%; operário entre 61,3% 98,1% da do sector privado; auxiliar de limpeza; 77,8%; telefonista: 97,6%. E entre 2005 e 2012, com o congelamento e corte de remunerações na Função Pública, e com o confisco do subsídio de férias e de Natal em 2012, o fosso remuneratório entre o sector público e o sector privado ainda se agravou mais em prejuízo da Administração Pública.

 

Fosso entre sector público e privado
aumentou entre 2005 e 2012

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Observe-se os dados do Quadro 2, calculados com base nos de 2005 (qd.1), e entrando com a variação de remunerações verificada entre 2005 e 2012 no sector público e no sector privado.

Em primeiro lugar, vamos explicar como actualizámos as remunerações de 2005 para 2012.

Segundo o Banco de Portugal, as remunerações médias no sector privado aumentaram, entre 2005 e 2010, em 16,8%. Considerando um aumento de 1% em 2011 e 2012 obtém-se para o íodo 2005-2012 uma subida das remunerações no sector privado de cerca de 19%. E foi este o valor que utilizámos para actualizar as remunerações do sector privado para 2012.

Em relação ao sector público considerámos as variações anuais constantes das respectivas portarias (2006 e 2007, um aumento de 1,5% em cada ano; em 2008 de 2,1%; em 2009, ano de eleições, de 2,9%, em 2010, congelamento total, em 2011, um corte médio nas remunerações superiores a 1500€ de 5%; e em 2012, o confisco de um subsídio nas remunerações entre 600€ e 1100 € (o que dá uma redução de 7% em média), e do subsídio de férias e de Natal nas remunerações superiores a 1100€ (redução no rendimento anual que ronda os 14%). Os resultados obtidos constam do Quadro 2, e embora possam ser considerados como indicativos (daqui faço um desafio ao Governo para que peça à Capgeminipara actualizar o estudo que fez em 2006, utilizando a mesma metodologia, pois alguns dados obtidos para 2012 são dramáticos e exigem confirmação) seria aconselhável que os sindicatos fizessem estudos comparativos das remunerações entre o sector privado e público para desmontar as mentiras do Governo.

Repetindo, os resultados obtidos para 2012, por um lado, revelam um fosso remuneratório grande entre o sector público e o sector privado e, por outro lado, desmentem as afirmações do Governo, e nomeadamente de Passos Coelho, de que as remunerações na Administração Pública são superiores às do sector privado.

(…) No período 2005 e 2012, as remunerações nominais, portanto sem o efeito da inflação, sofreram uma forte redução, que é tanto maior quanto mais elevada é a qualificação e a responsabilidade (categoria profissional) do trabalhador. E entre 2005 e 2012, de acordo com o INE e com as previsões do Governo sobre a taxa de inflação em 2012 (3,2%), os preços aumentam em 16%, o que determina que, relativamente aos trabalhadores mais qualificados e com maior responsabilidade, a redução do poder de compra das suas remunerações, neste período, atinja 25,4%. Se juntarmos a isto, primeiro, a destruição das carreiras dos trabalhadores da Função Pública e, depois, o seu congelamento; a destruição do vinculo público que acabou com as condições que garantiam independência da Administração Pública e o tratamento igual todos os cidadãos; as alterações contínuas no Estatuto da Aposentação, que criaram uma forte e continuada insegurança nos trabalhadores; o arbítrio das chefias agora legalizado pela Lei 12-A/2008; etc.; é fácil de concluir que o objectivo do Governo é tornar a Administração Pública pouco atractiva para os trabalhadores mais qualificados, levar os que existem na Função Pública a aposentar-se prematuramente ou a abandoná-la. Por outras palavras, o objectivo claro do Governo PSD/CDS, com o apoio da troikaestrangeira, é destruir o Estado, reduzi-lo ao Estado mínimo neoliberal, a fim de privatizar um parte do Estado, nomeadamente as suas funções sociais, e transformá-las em áreas de negócios lucrativas para os grupos económicos privados.

A confirmar que esta tentativa de destruição do Estado, através do ataque aos direitos dos trabalhadores, ainda não terminou, está a convocatória feita pelo secretário de Estado da Administração Pública, logo depois do acordo «UGT/patrões/governo», enviada aos sindicatos da Frente Comum para uma reunião no dia 17.2.2012, com a seguinte ordem de trabalhos: (1) Sistema de Avaliação de Desempenho; (2) Revisão de Carreira; (3) Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas; (4) Mobilidade geográfica.

É evidente que o Governo pretende agora alterar estas matérias visando agravar ainda mais as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores da Função Pública. Como afirmou o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, um governo que destrói os direitos adquiridos e essenciais dos trabalhadores, rompe o contrato social em que assenta a existência da sociedade, e põe em causa também os direitos adquiridos dos

exploradores e dos grupos económicos, nomeadamente o sacrossanto direito de propriedade. É uma questão que deve merecer uma reflexão séria.



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