Política do Governo para a água

Gota escondida com o copo de fora!

Nuno Vitorino

De­pu­tados do PSD e CDS apre­sen­taram, a 31 de Maio, o pro­jecto de re­so­lução n.º 325 em que, dis­si­mu­lados num con­junto de pseudo-boas in­ten­ções, se pro­cura ca­mu­flar os três eixos cen­trais da sua po­lí­tica para o sector da água: au­mento brutal das ta­rifas, re­ti­rada das com­pe­tên­cias aos mu­ni­cí­pios e pri­va­ti­zação dos ser­viços.

PSD e CDS pre­param brutal au­mento da fac­tura da água

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O Go­verno, através da mi­nistra da tu­tela, e o Grupo AdP, pela voz da sua ad­mi­nis­tração, têm pro­cu­rado fazer passar o sound bite da har­mo­ni­zação ta­ri­fária, que se re­a­firma como ob­jec­tivo no pre­sente pro­jecto de re­so­lução. Dei­xando agora de lado a per­ti­nente questão que é a de saber se é de facto um ob­jec­tivo in­te­res­sante para os por­tu­gueses pagar ta­rifas de água iguais em todo o País, e a in­con­tor­nável questão do mo­delo pro­posto, que pom­po­sa­mente se de­signa de «so­li­da­ri­e­dade ta­ri­fária» mas que não é outra coisa do que mais um au­mento da carga fiscal, cri­ando mais um im­posto in­di­recto, desta vez sobre o con­sumo de água – em que qual­quer tra­ba­lhador das áreas me­tro­po­li­tanas de Lisboa e Porto se cons­ti­tuirá em fi­nan­ci­ador dos con­sumos de água de qual­quer grande em­pre­sário que possua um solar na Beira ou uma casa de praia no Li­toral Alen­te­jano, por via da «so­bre­taxa» de «so­li­da­ri­e­dade» a li­quidar pelos utentes dos sis­temas mai­ores –, fo­quemo-nos no es­sen­cial: qual o im­pacto para os utentes dos ser­viços do pro­cesso que se propõe? A res­posta é muito evi­dente: um brutal au­mento da fac­tura da água. E, pasme-se, maior para aqueles que su­pos­ta­mente se pre­tende pro­teger, os dos sis­temas mais pe­quenos.

Se­gundo o es­tudo pe­rió­dico sobre ta­rifas de água1 da As­so­ci­ação Por­tu­guesa de Dis­tri­buição e Dre­nagem de Água (APDA) re­la­tivo ao ano de 2010, o preço/​m3 do ser­viço de água (AA) e sa­ne­a­mento (AR) cus­tava em Por­tugal (mé­dias pon­de­radas para AA+AR) 1,37 euros/​m3, para con­sumos de 10m3/​mês (120m3/​ano; 164,41,00 euros), e 1,46 euros/​m3, para con­sumos de 17m3/​mês (200m3/​ano; 291,00 euros).

Acei­tando o ob­jec­tivo de­cla­rado pela AdP de «har­mo­nizar» entre os 2,5 e os 3,0 euros/​m3, e acre­di­tando que se re­ferem ao con­junto dos dois ser­viços (AA+AR), es­tamos pe­rante um au­mento médio de entre 82% e 118% para a 1.ª ti­po­logia de con­sumo e de entre 71% e 105% para a se­gunda.

Nos qua­dros que pu­bli­camos em se­pa­rado ve­ri­fica-se que os mai­ores au­mentos acon­te­cerão nas re­giões de Alen­tejo, Al­garve, Açores e Ma­deira, ou seja em parte sig­ni­fi­ca­tiva do ter­ri­tório con­si­de­rado mais de­pri­mido, ou seja na­queles ter­ri­tório que su­pos­ta­mente se pre­tendia, através da har­mo­ni­zação, pro­teger do au­mento da fac­tura do ser­viço, va­ri­ando nestas re­giões o im­pacto desta me­dida de «so­li­da­ri­e­dade ta­ri­fária» entre 100% e 278% de au­mento.

Acresce con­si­derar, em cima deste já de si vi­o­lento in­cre­mento das ta­rifas de água e sa­ne­a­mento, o que re­sul­tará, por con­sequência, sobre a ta­rifa de re­sí­duos só­lidos – nos mu­ni­cí­pios onde esta se en­contra in­de­xada à água por per­cen­tagem do valor pago, o que ocorre em parte sig­ni­fi­ca­tiva do ter­ri­tório –, e o cres­ci­mento do valor a pagar pelo IVA, par­celas que no seu con­junto não dei­xarão de re­pre­sentar mais al­gumas de­zenas de euros anuais.

Por outro lado, a in­tenção de­cla­rada de ins­ti­tuir um preço «har­mo­ni­zado» re­pre­senta um des­res­peito pela au­to­nomia dos mu­ni­cí­pios, en­ti­dades que, de­tendo a com­pe­tência de su­prir as ne­ces­si­dades das po­pu­la­ções em água e sa­ne­a­mento, são também res­pon­sá­veis pela de­fi­nição das ta­rifas. Sendo grave esse des­res­peito quando afir­mado pelo Go­verno, torna-se in­só­lito quando dado como ad­qui­rido pela ad­mi­nis­tração de uma em­presa pú­blica que, com um ab­so­luto des­res­peito pela Lei, pelas ins­ti­tui­ções de­mo­crá­ticas e pelos ór­gãos eleitos pela po­pu­lação faz tábua rasa das com­pe­tên­cias le­gais.

 

Pri­va­tizar é o ob­jec­tivo

 

O ca­minho de afron­ta­mento aos mu­ni­cí­pios é con­fir­mado, no pre­sente pro­jecto de re­so­lução e pelas múl­ti­plas in­ter­ven­ções da mi­nistra As­sunção Cristas, na in­tenção de impor a de­sig­nada in­te­gração ver­tical e ho­ri­zontal dos di­fe­rentes ope­ra­dores, na es­ma­ga­dora mai­oria ainda mu­ni­ci­pais, em quatro ou cinco grandes sis­temas. Im­po­sição essa que se pro­cura ocultar numa falsa e vaga de­cla­ração de in­ten­ções de pro­mover a «fle­xi­bi­li­dade e plu­ra­li­dade das formas de gestão», sem res­paldo na praxis go­ver­na­tiva, que não só con­tinua e apro­funda a chan­tagem sobre os mu­ni­cí­pios através da im­po­sição de ine­xequí­veis planos de pa­ga­mentos à AdP – res­pei­tantes a dí­vidas que em grande me­dida re­sultam de um mo­delo de in­ves­ti­mentos im­posto aos mu­ni­cí­pios, sobre-ava­liado e des­fa­sado das reais pos­si­bi­li­dades das fi­nanças lo­cais – bem como pela co­lo­cação de en­traves le­gais (p.e. o im­pe­di­mento de cri­ação de novas em­presas mu­ni­ci­pais) e pela total au­sência de me­didas de apoio ao Poder Local que pre­tenda re­es­tru­turar, num pa­tamar in­ter­mu­ni­cipal, os ser­viços de aten­di­mento à po­pu­lação. O ob­je­tivo é sem dú­vida a re­ti­rada das com­pe­tên­cias e dos sis­temas das mãos dos mu­ni­cí­pios para, ao mesmo tempo que acedem di­rec­ta­mente à re­ceita ge­rada, pro­mo­verem a or­ga­ni­zação dos sis­temas à forma mais ade­quada aos in­te­resses pri­vados, com vista à sua fu­tura pri­va­ti­zação, sob o eu­fe­mismo de con­ces­sões.

Pe­rante as evi­dên­cias, resta per­guntar por que se dá o Go­verno a ta­manho tra­balho de ocul­tação das suas in­ten­ções. A res­posta, aqui como em muitas ou­tras frentes da ação go­ver­na­tiva, é óbvia: porque está cons­ci­ente da opo­sição dos por­tu­gueses aos seus ver­da­deiros in­tentos de es­po­li­ação do pa­tri­mónio pro­du­tivo e de pres­tação de ser­viços de re­le­vante in­te­resse so­cial, re­ti­rando-os de todos para os co­locar ao ser­viço dos in­te­resses eco­nó­micos de al­guns.

Im­porta pois de­nun­ciar o erro e a hi­po­crisia desta po­lí­tica, opondo-nos à su­bida ge­ne­ra­li­zada das ta­rifas de água, à re­ti­rada das com­pe­tên­cias mu­ni­ci­pais e à pri­va­ti­zação dos ser­viços.


1 «Água e Sa­ne­a­mento em Por­tugal – O Mer­cado e os Preços 2010», Co­missão Es­pe­ci­a­li­zada de Le­gis­lação e Eco­nomia, APDA. Lisboa, De­zembro de 2010.

 



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