O cavalo de Tróia reaccionário
A comunicação social dominante continua a dar conta de forma acrítica de encontros, reuniões e declarações dos senhores da UE que retratam a agudização das contradições, pressões, ameaças e ingerências no seu seio. Será a Espanha o próximo país a ser «resgatado»? E a Itália? O que acontecerá com a Grécia? E com Portugal? E o euro, sobrevive? E a própria UE? Estas são perguntas que vêm, em maior ou menor grau, ganhando actualidade e cujos desenvolvimentos terão forte impacto nas nossas vidas. O que até há pouco tempo eram «vacas sagradas», não o são mais. Ao mesmo tempo aumentam as incertezas e os perigos. A crise na/da UE está no centro da crise do capitalismo, a sua existência deixou de ser algo inquestionável e a confrontação entre os interesses de diferentes sectores do grande capital representados pelas grandes potências pode ditar mesmo o seu fim. A Alemanha, principal potência económica e política da UE, impõe o ritmo. Por ela passam todas as decisões. Decisões que têm como único objectivo, repito, defender os interesses dos sectores do capital que ela representa e que levaram mesmo o primeiro-ministro do Luxemburgo e presidente do eurogrupo, Jean-Claude Juncker (um tradicional aliado da Alemanha), a afirmar que este país não podia tratar o euro como a sua «filial». No mesmo sentido, vieram a público declarações do primeiro-ministro italiano, Mario Monti, a «ameaçar» a Alemanha com as consequências imprevisíveis de um «resgate» à Itália.
A intervenção que parece poder acalmar as hostes do grande capital (momentaneamente) nesta crise é recusada pela Alemanha. A mutualização da dívida pública (os famosos «eurobonds») é vista neste país como uma ameaça para o seu poder económico e uma perda de soberania e de domínio político sobre a UE. Nem a própria Alemanha é imune à crise e vai perdendo fulgor económico. A recessão nos chamados países da periferia da UE começa a afectar as exportações alemãs, as nuvens negras de uma recessão aproximam-se a grande velocidade do «coração» da UE. E, como tem sido assinalado por «especialistas», a Alemanha não tem o mesmo poder de fogo económico dos EUA para enfrentar a crise.
Na «crise da dívida», a Alemanha aperta o cerco a Espanha e Itália, condicionando a compra de títulos da dívida destes países pelo Banco Central Europeu (BCE), para fazer baixar a respectiva taxa de juro, a um resgate com «condicionalidade macroeconómica». Ao mesmo tempo, Espanha e Itália são demasiados grandes para serem resgatados pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira (futuro MEEF). E os próprios estatutos do BCE poderiam ter que ser alterados (o BCE é ainda uma «vaca sagrada» para a Alemanha) para continuar a comprar títulos da dívida destes países. Espanha e Itália manobram e tentam encostar a Alemanha às cordas para não terem que recorrer ao FEEF. Não por terem tido um repente progressista. Tentam evitar uma solução que significaria – tal como para Portugal, Grécia e Irlanda – ficarem sob a tutela da troika (BCE, CE e FMI) e terem de aumentar as respectivas dívidas para financiar(1) o seu próprio endividamento. E num contexto de tantas incertezas, uma cedência de mais soberania sem outras garantias parece ser uma operação de risco.
A Grécia continua a ser uma «ameaça», o fantasma da bancarrota continua funcionar como chantagem sobre o povo helénico. O novo balão de «oxigénio» veio da «autorização» do BCE ao Banco Central da Grécia para emprestar ao governo, enquanto a troika não decide se «empresta» mais dinheiro à Grécia ou se aperta a corda da austeridade de forma a que o governo grego se sinta «obrigado» a pedir a saída do euro. Será Portugal o próximo?
A evolução da crise na UE acentua o domínio hegemónico da Alemanha. Qualquer «solução» terá inevitavelmente de satisfazer os seus interesses, o que não parece ser tarefa isenta de dificuldades e de muitas contradições. O calculismo domina toda a sua acção. A Alemanha domina a UE como os generais dominam a guerra. E nesta guerra contra os povos, a UE é um verdadeiro cavalo de Tróia reaccionário, que procura vingar os interesses de classe do grande capital.
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(1) Espanha e Itália teriam que participar no reforço dos fundos do futuro MEEF (que os resgataria) de acordo com o seu peso económico, o que significaria aumentar ainda mais a sua dívida pública e o défice.