Comentário

Dos alvores da «união»

João Ferreira

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«...Este de­clínio da velha Eu­ropa cons­titui apenas um epi­sódio da his­tória da der­ro­cada do mundo bur­guês, ultra-sa­ciado com o roubo im­pe­ri­a­lista e a opressão da grande mai­oria da po­pu­lação ter­restre.»

V.I. Lé­nine(1)

No res­caldo da Pri­meira Guerra Mun­dial, pri­meiro con­flito ge­ne­ra­li­zado entre po­tên­cias im­pe­ri­a­listas da His­tória, as causas do «de­clínio da Eu­ropa» eram mo­tivo de aceso de­bate e de pro­lixa pro­dução teó­rica, por parte de his­to­ri­a­dores e fi­ló­sofos do velho con­ti­nente.

Si­tu­ando as causas dos con­flitos po­lí­ticos e mi­li­tares – e, bem assim, do re­fe­rido «de­clínio» – no campo dos de­sen­vol­vi­mentos do sis­tema ca­pi­ta­lista, na sua fase im­pe­ri­a­lista, e do agu­dizar (até à «ex­plosão») das suas in­trín­secas con­tra­di­ções, Lé­nine re­feria-se então «à velha Eu­ropa bur­guesa e im­pe­ri­a­lista», que «apo­dreceu e re­bentou como um fu­rún­culo fé­tido» du­rante a guerra.

Por sua vez, vá­rios teó­ricos bur­gueses atri­buíam o «de­clínio da Eu­ropa» a um vago e in­de­fi­nido con­ceito de «crise eu­ro­peia». Para além das ten­sões e des­truição cau­sadas pela guerra, a «crise eu­ro­peia» era in­va­ri­a­vel­mente as­so­ciada à re­vo­lução russa, ao sur­gi­mento de um go­verno so­ci­a­lista neste país e à «ameaça bol­che­vique» que, como um es­pectro, pai­rava sobre o con­ti­nente. Po­lí­ticos e in­dus­triais atri­buíam a crise eco­nó­mica e o de­sem­prego à exis­tência de bar­reiras al­fan­de­gá­rias entre os es­tados eu­ro­peus, assim como à sig­ni­fi­ca­tiva perda dos re­cursos e do imenso mer­cado russos.(2)

Surgem nesta al­tura as pri­meiras ideias de «uni­fi­cação» eco­nó­mica da Eu­ropa. Nos seus al­vores, a ideia da «Eu­ropa unida» é for­mu­lada como uma ali­ança po­lí­tica entre os países ca­pi­ta­listas eu­ro­peus, que con­tri­buiria para es­con­jurar a ameaça co­mu­nista. A ideia de in­te­gração eco­nó­mica eu­ro­peia, com des­man­te­la­mento de bar­reiras al­fan­de­gá­rias, surge assim, desde início, as­so­ciada ao de­sejo de der­rube do so­ci­a­lismo na União So­vié­tica e à se­quente ex­pansão e con­so­li­dação das re­la­ções de pro­dução ca­pi­ta­listas na Eu­ropa. Assim se cor­taria o mal pela raiz, evi­tando-se que ou­tros se­guissem igual ca­minho. Este de­sejo chegou mesmo a mo­tivar pro­postas de cri­ação de um exér­cito eu­ropeu, com tal fi­na­li­dade,(3)cons­ti­tuído por forças de vá­rios países – in­cluindo a França, a Ale­manha e a Grã-Bre­tanha. Pa­ra­do­xal­mente, a «união» sempre foi apre­sen­tada como so­lução para evitar novos con­flitos e pro­mover a paz po­lí­tica e so­cial du­ra­douras na Eu­ropa.

Do «mo­vi­mento Pan-Eu­ropeu» (en­tu­si­as­ti­ca­mente apoiado pelos EUA) ao pro­jecto de «União Fe­deral Eu­ro­peia», no pe­ríodo que an­te­cedeu a Se­gunda Guerra Mun­dial su­cedem-se os avanços e os re­cuos na «uni­fi­cação eu­ro­peia», à me­dida que se vão di­ri­mindo con­tra­di­ções entre as di­fe­rentes po­tên­cias im­pe­ri­a­listas eu­ro­peias. Con­ver­gindo na base de laços de classe, di­ver­giam nos in­te­resses dos res­pec­tivos mo­no­pó­lios na­ci­o­nais, nas am­bi­ções he­ge­mó­nicas de cada uma, não evi­tando dis­putas e con­frontos que foram atra­sando e in­vi­a­bi­li­zando su­ces­sivos pro­jectos.

Lé­nine re­fere-se a estas duas ten­dên­cias con­tra­di­tó­rias: «Uma que torna ine­vi­tável uma ali­ança de todos os im­pe­ri­a­listas; e outra que co­loca os im­pe­ri­a­listas em opo­sição entre si – duas ten­dên­cias, ne­nhuma das quais tem qual­quer base firme».(4) A Se­gunda Guerra Mun­dial foi uma nova ex­pressão trá­gica e co­lossal desta opo­sição.

...E dos dias de hoje

Muitas dé­cadas trans­cor­ridas, a «crise eu­ro­peia» abre no­ti­ciá­rios e enche pá­ginas de jor­nais. A Eu­ropa e o mundo mu­daram pro­fun­da­mente. A União So­vié­tica de­sa­pa­receu. Di­versos países que in­te­graram o campo so­ci­a­lista fazem hoje parte da União Eu­ro­peia. Com de­sig­na­ções e com­po­si­ções di­versas, esta surgiu no pós-guerra como res­posta de classe à in­ces­sante di­nâ­mica de de­sen­vol­vi­mento das forças pro­du­tivas, às cres­centes con­cen­tração e cen­tra­li­zação de ca­pi­tais – di­nâ­mica di­fícil de conter no in­te­rior das fron­teiras na­ci­o­nais – e ao con­se­quente im­pulso para a in­te­gração das eco­no­mias.

En­tre­tanto, não mudou a es­sência do sis­tema ca­pi­ta­lista, as suas con­tra­di­ções, os an­ta­go­nismos de classe que o ca­rac­te­rizam e que o con­denam a prazo. A crise pro­funda do pro­cesso de in­te­gração eu­ro­peia é ex­pressão viva da crise do pró­prio sis­tema.

Como nos idos anos 20, co­men­ta­dores de ser­viço e po­lí­ticos de turno ocupam-se das causas do «de­clínio da Eu­ropa», apontam causas e so­lu­ções para a crise. In­va­ri­a­vel­mente, o re­forço da in­te­gração ca­pi­ta­lista surge como ca­minho a se­guir.

Como nos anos 20, um «fu­rún­culo fé­tido» apo­drece e corre o risco de re­bentar. Ex­tirpá-lo o quanto antes é a ta­refa ina­diável com que os povos da Eu­ropa se con­frontam.

________

(1) «Para o Dé­cimo Ani­ver­sário do Pravda», Obras es­co­lhidas, Edi­ções Avante!-Edi­ções Pro­gresso, Lisboa-Mos­covo, 1979, t. 3, p. 606.

(2) Vse­volod Kni­a­jinski, A In­te­gração Eu­ro­peia Oci­dental, Edi­ções Avante!, 1987, p. 22.

(3) Ibid. p. 23.

(4) V.I. Lé­nine, «Re­la­tório sobre Po­lí­tica Ex­terna», in Kni­a­jinski, 1987, p. 28.



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