Uma imensa e legítima inquietação

Rui Fernandes

Uma imensa e legítima inquietação percorre os militares e a Instituição. Desde logo porque os militares são pessoas com vidas, com famílias, e sentem como as outras as dificuldades que lhes entram porta dentro com o desemprego, o corte nas pensões e reformas, os aumentos do custo de vida, o custo de manter um filho a estudar. Como se tudo isto fosse pouco, confrontam-se depois com a sua própria situação enquanto militares. E aqui verificam que continua não só a degradar-se o seu estatuto sócio-profissional, como são postos em causa pilares básicos que enformam a condição militar – a saúde, a progressão na carreira, etc. Mas também as cada vez piores condições para um exercício digno das missões atribuídas. E como se tudo isto não chegasse, ainda têm de assistir a considerações, ideias, juízos, opiniões, por parte do poder político, mas não só, que, não raras vezes, denotam pouco respeito por eles. É muita «carga» para quem tem especiais restrições aos seus direitos.

É neste contexto compreensível a enorme inquietação e mal-estar que invade as fileiras. Para mais quando, sucessivamente, as associações profissionais de militares têm apresentado propostas, alertado para problemas, aconselhando caminhos. Um imenso património em larga escala desperdiçado pelos sucessivos governos.

Durante anos, basta reler notícias e discursos, foram efectivadas alterações na orgânica, estrutura e direitos dizendo que os militares não podiam ficar à margem dos sacrifícios pedidos aos portugueses. Mas, ao mesmo tempo, PS, PSD e CDS foram tomando opções caríssimas e não prioritárias no plano do reequipamento. O desastre está à vista. Hoje há submarinos, mas não há patrulhas, nem dinheiro para sustentar submarinos a navegar. As Pandur estão no poço. Dizem que não há dinheiro para a saúde militar, para prover atempadamente promoções, etc. Entretanto, só este ano, no Afeganistão gasta-se cerca de 20 milhões de euros, para além dos mais de 30 milhões para manter todo um outro quadro de missões externas, e do já anunciado contributo de mais um milhão de euros para o Afeganistão em 2014,

Muitos dos que enxameiam discursos com o mar, são os mesmos que carimbam o seu acordo na privatização dos Estaleiros de Viana do Castelo, estiveram de acordo com a alteração de estatuto do Arsenal do Alfeite, acordaram com as opções de reequipamento militar, têm promovido por acção ou omissão uma política de abate da frota de pesca. Há muito que dizemos que a melhor salvaguarda da soberania no mar era termos navios – de pesca, mercantes, de transporte – que os percorressem. E, a sua existência, seria sinónimo de vitalidade económica, naturalmente à nossa escala.

Em nome da verdade, alguns altos responsáveis militares que se queixam hoje da falta de meios para algum tipo de missões fundamentais, nada disseram quando as prioridades na aquisição foram invertidas, pensando ser possível ter sol na eira e chuva no nabal. Não tiveram eles próprios em conta a realidade do País e não só não tiveram como deram para o argumentário justificativo da sua aquisição. Como afirmámos na altura e reafirmamos, o reequipamento deve ter como premissa as necessidades e as possibilidades nacionais. Hoje temos o que menos precisamos e não temos o que mais necessitamos.

Conhecendo o mal-estar existente nas fileiras surgem, a espaços, da boca de alguns, os motes provocatórios, a promoção da poeira dos golpes, as operações visando lançar o temor da instabilidade. Uns sob a capa de uma radicalidade que a situação do País e das forças armadas anima, noutros porque têm desde o 25 de Abril larga escola nesta matéria.

Nalguns casos procuram misturar nessas notícias as associações profissionais de militares, cuja acção e intervenção se tem sempre assumido no quadro da Constituição da República que, como repetidamente têm afirmado, juraram cumprir. Talvez por isso não seja assim tão inusitado recuperar uma velha máxima: os cães ladram e a caravana passa.

O mesmo não pode ser dito dos sucessivos governos, seja pela forma desrespeitada como tratam os assuntos militares e as leis que os enquadram, seja pelo desrespeito objectivo pela Constituição.

 



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