O covil dos ladrões

Jorge Messias

«As Fun­da­ções e os go­vernos podem tomar a ini­ci­a­tiva de criar fundos para o ne­gócio so­cial (so­cial bu­si­ness), como forma de lutar contra a po­breza... A banca por­tu­guesa apostou neste pro­duto... Fazer bem às pes­soas, sem es­perar obter lu­cros. Aquilo que ac­tu­al­mente fica na área da Ca­ri­dade pode passar a cons­ti­tuir um ne­gócio so­cial que não custa di­nheiro a nin­guém» (DN, Eco­nomia, 23.7.2007, Muha­nimad Yunus, Nobel da Paz).


«A Nova Ordem Mun­dial é sus­ten­tada pela po­breza hu­mana e pela des­truição do am­bi­ente. Desde os anos 90, tem vindo a es­tender o seu do­mínio a todas as prin­ci­pais re­giões do mundo. O ob­jec­tivo prin­cipal é o au­mento da oferta, a mi­ni­mi­zação do custo da mão-de-obra, a di­mi­nuição da pro­cura e o cres­ci­mento do lucro. Os sa­lá­rios reais no Ter­ceiro Mundo e na Eu­ropa de Leste chegam a ser se­tenta vezes in­fe­ri­ores aos dos EUA, da Eu­ropa Oci­dental ou do Japão» (Mi­chael Chos­su­dovsky, No­vembro de 2003).


«A in­flação no sector ali­mentar au­mentou 83% nos úl­timos três anos... O preço do arroz, milho e trigo, base da ali­men­tação da mai­oria da po­pu­lação, subiu mais de 180% no mesmo pe­ríodo... De acordo com a ONU (FAO) 37 países en­con­tram-se ame­a­çados pela ins­ta­bi­li­dade so­cial de­vido à es­cassez de ali­mentos. O Banco Mun­dial afirma que a crise dos ali­mentos afecta já 100 mi­lhões de seres hu­manos...

Assim, en­quanto mi­lhares de pes­soas morrem à fome, de­vido à falta de ali­mentos bá­sicos, os grandes grupos agro-ali­men­tares têm lu­cros es­can­da­losos...» («Fome mun­dial, far­tura de ca­pital», Re­vista Rubra, No. 2).

Quase tudo o que se vai co­nhe­cendo da «con­versa de ves­tiário» dos po­lí­ticos por­tu­gueses faz re­cear o pior para os pró­ximos tempos de vida do nosso povo. Os ricos vão pro­curar acres­centar o mon­tante das suas for­tunas e ab­sorver aquilo que ainda sobra para as classes so­ci­al­mente in­fe­ri­ores. À custa, como sempre, das li­ber­dades e di­reitos dos mais po­bres e usando, como mé­todo sis­te­má­tico, o saque. O que de­ter­mi­nará, no plano so­cial, mais de­sem­prego, e o acesso cada vez mais di­fícil ao di­nheiro, quer para os tra­ba­lha­dores e suas fa­mí­lias, quer para os pe­quenos e mé­dios em­pre­sá­rios. Os mo­no­pó­lios que surgem nos mer­cados as­piram, lo­gi­ca­mente, a uma nova ordem mun­dial ta­lhada à me­dida dos seus in­te­resses: mi­ni­mi­zação quan­ti­ta­tiva dos prin­ci­pais mer­cados e dos sa­lá­rios, bem como re­dução do nú­mero e con­cen­tração das grandes for­tunas; fi­nal­mente, ma­xi­mi­zação dos lu­cros, com a con­cen­tração dos ca­pi­tais em poucos mas gi­gan­tescos mo­no­pó­lios. Nesta linha de lei­tura, será útil lem­brar o que foi de­cla­rado pela OIT – Or­ga­ni­zação In­ter­na­ci­onal do Tra­balho, em Maio de 2011 e no Brasil, uma nação que po­demos olhar como num es­pelho e na qual in­cubam os pro­jectos as­sas­sinos do agro­ne­gócio. Tra­tava-se, a dada al­tura, de ca­rac­te­rizar o que era o tra­ba­lhador es­cravo, nos tempos an­tigos e nos tempos mo­dernos. «No sé­culo XIX» – re­fere-se no tra­balho "Nova Es­cra­vidão na Eco­nomia Global" – «fa­lava-se na abo­lição do es­cravo como uma li­ber­tação da terra, do ca­pital, de formas de tra­balho que já não ser­viam os in­te­resses da acu­mu­lação do ca­pital. Hoje, a eco­nomia não re­vela di­fi­cul­dades em con­viver com a es­cra­vidão. No sé­culo XXI, a ideia de ex­pansão do tra­balho é aná­loga à do tempo da es­cra­vidão e volta a ex­primir-se através da pre­ca­ri­zação ab­so­luta do tra­balho e como fruto do ne­o­li­be­ra­lismo. E o novo es­cravo, tal como o an­tigo, é des­car­tável».

Ou seja: a pro­pri­e­dade de um homem por outro homem (do tra­ba­lhador pelo amo) con­ti­nuará a ser ilegal no sé­culo XXI. Mas os custos da con­tra­tação de al­guém tornar-se-ão cada vez mais baixos e os lu­cros ob­tidos com a mão-de-obra cada vez mais altos. O de­sem­prego ma­ciço e a ex­tinção das des­pesas com a Se­gu­rança So­cial re­pre­sen­tarão formas de «li­ber­tação» de massas fi­nan­ceiras es­ma­ga­doras. A sombra da ameaça de re­torno aos tempos do fas­cismo e a imagem apo­ca­líp­tica de uma even­tual Guerra Mun­dial, serão su­fi­ci­en­te­mente fortes para des­mo­bi­lizar re­sis­tên­cias.

Os ban­queiros tra­duzem, de­pois, estes prin­cí­pios na lin­guagem ci­frada que an­te­ri­or­mente re­fe­rimos. São eles que, no mundo das fi­nanças, fixam os lu­cros que pre­tendem al­cançar como se tra­tasse da evo­lução na­tural dos mer­cados, os mer­cados do fu­turo. Os cál­culos saem sis­te­ma­ti­ca­mente er­rados, mas não faz mal...

Se os ex­plo­rados não sou­berem re­agir a tempo, a ex­plo­ração con­tinua!

Con­tinua e con­ti­nuará até à úl­tima gota de sangue do der­ra­deiro tra­ba­lhador.

 



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