Comentário

O negócio do «social»

Inês Zuber

«Portugal pretende ser pioneiro para a construção de um paradigma de resposta social, numa parceria entre o Estado e as entidades que promovam o combate à exclusão social». Esta declaração foi proferida pelo ministro da Segurança Social e do Emprego Pedro Mota Soares, no passado mês de Junho, ministro que, aliás, regularmente nos brinda com as suas «preocupações» com os mais desfavorecidos. Mas o que significam verdadeiramente estas declarações? Este Governo, em consonância com a troika estrangeira (e não «impelido» por esta como muitas vezes o CDS-PP nos quer fazer crer, tentando criar a ilusão de que pretende libertar-se dos tentáculos da troika, desresponsabilizando-se das suas opções e decisões políticas), reduziu os valores das diversas prestações sociais (subsídio de doença, morte, maternidade e paternidade, rendimento social de inserção), do subsídio de desemprego, das indemnizações por despedimento, para já não falar dos cortes em salários e pensões e dos cortes que agora pretende implementar nas reformas. Todos sabemos que estas medidas aumentaram dramaticamente a pobreza e a exclusão social em Portugal. E agora o Sr. ministro Mota Soares quer ser pioneiro no combate à exclusão social, causada pelas políticas do seu Governo. O ministro fala de parcerias pioneiras com a economia social e o terceiro sector, onde se incluem centenas ou milhares de organizações sociais que deram e dão um apoio verdadeiramente meritório aos portugueses em situação de exclusão social. Não colocamos em causa, evidentemente, o trabalho dessas organizações. Mas estaremos hoje a assistir à promoção e emergência de sectores que fazem negócio com a exclusão social?

São várias as estratégias, planos, programas da UE que enfatizam a necessidade de apoio e criação de «empresas sociais» e de apoio ao «empreendedorismo social», termos que podem ser ambiguamente definidos, ambiguidade essa que tanto o Governo como a UE alimentam.

Na Comunicação da Comissão Europeia «Investimento Social a favor do Crescimento e da Coesão, designadamente através do Fundo Social Europeu, no período 2014-2020»(1) é claramente afirmado que «os recursos para as políticas sociais não se limitam aos assegurados pelos sector público», acrescentando mais adiante que «as empresas sociais podem complementar os esforços do sector público e ser pioneiras no desenvolvimento de novos mercados, mas precisam de mais apoios do que os que actualmente recebem». Este conceito de «empresa social» aparece convenientemente sempre lado a lado com as cooperativas, mutualidades ou fundações, de forma a induzir a ideia de que prosseguem os mesmos objectivos ou que têm formas de funcionamento semelhantes. Noutra Comunicação da Comissão(2), as «empresas sociais» são caracterizadas como uma empresa cujo objectivo principal é ter uma incidência social, mais do que gerar lucros para os seus proprietários ou parceiros. Opera no mercado fornecendo bens e prestando serviços de maneira empresarial e inovadora, e utiliza os seus excedentes principalmente para fins sociais.» Ou seja – retirando os contorcionismos retóricos que estas formulações encerram – são empresas que geram lucros, estão integrados num mercado de serviços sociais, e fazem negócio com a venda desses serviços, que deveriam ser públicos, e que estão propositadamente a ser destruídos para beneficiar o tal «empreendedorismo social». A Comissão Europeia dá-nos exemplos das áreas em que estas empresas intervêm – «acesso à habitação, acesso aos cuidados de saúde, ajuda às pessoas idosas ou deficientes, inclusão de grupos vulneráveis, guarda de crianças…». A estas áreas poder-se-ão juntar outras (por ex: a educação) que são cada vez mais apetitosas para o grande capital transnacional. Não precisamos de o afirmar, pois a vontade de expandir este negócio lucrativo é confirmada pela Comissão Europeia: «…as empresas sociais devem poder beneficiar, tanto como as outras, das vantagens do mercado interno. Isto aplica-se, naturalmente, às empresas de maiores dimensões, que podem ter vocação para se desenvolverem ao nível continental ou apenas transfronteiriço». Segundo a UE e o Governo, estas «empresas sociais» têm que ser financiadas. Com financiamento público, claro. Através das parcerias do ministro Mota Soares e de vários programas que a UE criou para o efeito.(3) Promover o negócio lucrativo do «social», transferindo os recursos de todos nós para os privados, seguindo escrupulosamente as directrizes da UE – é nisto que se resumem as iniciativas pioneiras do nosso Governo.

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(1) http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2013:

0083:FIN:PT:PDF

(2) Iniciativa de Empreendedorismo Social.

(3) «Programa para a Mudança e Inovação Social» e várias rubricas do Fundo Social Europeu, entre outros.




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