O papel do Partido Comunista Austríaco
na resistência contra o regime nazi

Áustria sem «atestado Persil»

Desde os ga­bi­netes ofi­ciais a Áus­tria gosta de pro­clamar-se como a «pri­meira ví­tima do na­ci­onal-so­ci­a­lismo». Para o ofi­ci­a­lizar o Es­tado Aus­tríaco for­ma­lizou esta «te­oria da ví­tima» na De­cla­ração de Mos­covo a 30 de ou­tubro de 1943. Isto serviu para limpar a imagem do es­tado cor­po­ra­tivo austro-fas­cista de­pois do fim da Se­gunda Guerra Mun­dial e ocultar o fato de que quase 700 000 aus­tríacos, in­cluindo altos cargos po­lí­ticos do pe­ríodo após a Pri­meira Guerra, foram mem­bros do Par­tido Na­ci­onal So­ci­a­lista Alemão dos Tra­ba­lha­dores (em alemão: Na­ti­o­nal­so­zi­a­lis­tische Deutsche Ar­bei­ter­partei com a sigla NSDAP).

No en­tanto a de­cla­ração de Mos­covo não pode ser usada como um «Per­sils­chein», um «ates­tado Persil» para as elites aus­tríacas. Esta ex­pressão foi criada no pe­ríodo pós-nazi e sig­ni­fica ates­tado de im­pu­ni­dade, prova de um pas­sado po­lí­tico «limpo», da não-co­la­bo­ração com o re­gime de Hi­tler. A Áus­tria não me­rece este ates­tado. Assim o com­prova a se­guinte frase do do­cu­mento da dita de­cla­ração: «A Áus­tria par­ti­cipou na guerra lado a lado com a Ale­manha de Hi­tler e por­tanto não pode negar a sua res­pon­sa­bi­li­dade no de­curso da mesma». Mesmo antes da ane­xação o Es­tado Aus­tríaco foi go­ver­nado por uma pa­ne­linha fas­cista que pre­feriu co­locar o país nas mãos de Hi­tler do que armar os tra­ba­lha­dores para fazer frente ao di­tador alemão. A elite aus­tríaca teve mais medo de um ope­ra­riado re­vo­lu­ci­o­nário do que do des­po­tismo de Hi­tler.

Atu­al­mente a mai­oria dos aus­tríacos des­co­nhece que a re­sis­tência contra o re­gime nazi na Áus­tria foi im­pul­si­o­nado pelo Par­tido Co­mu­nista da Áus­tria (KPÖ - Ko­mu­nis­tische Partei Öster­reich). Os do­cu­mentos re­la­tivos àquela época falam por si. Wolf­gang Neu­ge­bauer, chefe do Centro de Do­cu­men­tação da Re­sis­tência Aus­tríaca (DOeW), afirma que dos 5348 que é o nú­mero total de com­ba­tentes da re­sis­tência con­de­nados, 60% eram mem­bros do par­tido. Tendo em con­si­de­ração a re­sis­tência po­lí­tica este nú­mero au­menta para uma quota de 75%. Os bo­le­tins e pan­fletos de pro­pa­ganda anti-nazi im­pressos ile­gal­mente du­rante a Se­gunda Guerra Mun­dial co­le­tados no DOeW são 90 por cento de origem co­mu­nista.

Na noite do 11 para o 12 março de 1938, en­quanto as tropas do Reich alemão cru­zavam a fron­teira com a Áus­tria, o KPÖ foi o único par­tido po­lí­tico na Áus­tria que apelou ao povo para re­sistir. Desde o órgão do Par­tido Co­mu­nista Checo em Praga foi feita uma de­cla­ração do Co­mité Cen­tral do par­tido aus­tríaco já exi­lado. Um pan­fleto foi en­viado clan­des­ti­na­mente para a Áus­tria e di­fun­dido a mi­lhares de pes­soas. Nem a Igreja nem os so­cial-de­mo­cratas ti­nham cha­mado ofi­ci­al­mente para a re­sis­tência. Dias mais tarde, a 18 de Março, o epis­co­pado aus­tríaco mandou ler uma de­cla­ração a partir do púl­pito, na qual no­ti­fi­cava ofi­ci­al­mente o re­co­nhe­ci­mento do re­gime na­zista, acres­cen­tando com no­tória sa­tis­fação que «ao li­berar a ação do Mo­vi­mento Na­ci­onal So­ci­a­lista era pos­sível evitar que o todo-des­tru­tivo bol­che­vismo ateu ga­nhasse se­gui­dores». Porta-vozes da so­cial-de­mo­cracia re­co­nhe­ceram a «co­nexão» como um dado ad­qui­rido, por al­guns até mesmo a ser ce­le­brada.

A re­sis­tência co­mu­nista dis­tingue-se dos ou­tros grupos, por um lado pela abran­gência e por outro pela de­di­cação. Aqueles que a in­te­graram en­ca­raram a re­sis­tência contra o fas­cismo como uma luta po­lí­tica e mi­litar global e séria, ar­ris­cando para tal a pró­pria vida. De­vido à na­tu­reza po­lí­tica da re­sis­tência, era uma pri­o­ri­dade es­tra­té­gica para o Co­mité Cen­tral do KPÖ no exílio criar uma li­de­rança do par­tido aci­o­nável dentro das fron­teiras aus­tríacas. Cla­ra­mente com o ob­je­tivo de co­or­denar a re­sis­tência contra o re­gime nazi e sa­botar o es­forço bé­lico, isto é, a pro­dução das grandes em­presas. No en­tanto, as es­tru­turas es­ta­be­le­cidas pelo par­tido dentro da Áus­tria eram vul­ne­rá­veis. A Ges­tapo con­se­guia in­fil­trar es­piões na es­tru­tura de re­sis­tência e desta forma de­sa­pa­re­ciam de­zenas, cen­tenas de pes­soas. Numa lista negra da Ges­tapo constam os nomes de quase 1000 lí­deres da re­sis­tência co­mu­nista. Uns de­sa­pa­re­ceram sem deixar rasto e ou­tros saíram do país.

A re­sis­tência ao terror da Ges­tapo tinha ine­vi­ta­vel­mente de as­sumir ou­tras formas. Na cir­cular do pri­meiro Ple­nário do Co­mité Cen­tral após a ocu­pação da Áus­tria, que ocorreu em Julho de 1939 em Paris, lia-se: «Tu és o par­tido! Quanto mais di­fí­ceis são as con­di­ções de luta, mais im­por­tante é o papel de cada co­mu­nista, que não tem ne­ces­sa­ri­a­mente de es­perar por or­dens su­pe­ri­ores. Faz valer a po­lí­tica do par­tido na tua es­fera pri­vada!». Os cen­tros da re­sis­tência po­lí­tica foram as grandes em­presas em Viena, no quar­teirão Wi­ener Neus­tadt, nas re­giões da Alta Es­tíria e da Alta Áus­tria. Nas ati­vi­dades de re­sis­tência or­ga­ni­zadas pelos co­mu­nistas par­ti­ci­param também so­ci­a­listas, sin­di­ca­listas e apar­ti­dá­rios. Foram va­ri­adas as formas de re­sis­tência: desde atos so­li­dá­rios com os ca­ma­radas presos ou con­de­nados à morte até à sa­bo­tagem da pro­dução de ar­ma­mentos, pas­sando pela im­pressão de pan­fletos, dis­tri­buídos por todo o país.

O con­teúdo his­tó­rico deste texto faz parte de um livro sobre a his­tória do KPÖ 1918-2008, que foi pu­bli­cado em 2009: Walter Baier, Das kurze Jahrhun­dert – Kom­mu­nismus in Öster­reich 1918-2008 (em port: O sé­culo curto – o co­mu­nismo na Áus­tria 1918-2008), Stein­bauer, Viena 2009.

Walter Baier foi pre­si­dente do KPÖ desde 1994 até 2006.

O texto foi re­di­gido por Ro­land Steixner, di­ri­gente do KPÖ da re­gião do Tirol.

Tra­dução de Sónia Melo.

 Info-box – al­gumas datas e nú­meros do KPÖ – Par­tido Co­mu­nista Aus­tríaco

  •  fun­dado em 1918 em con­sequência da re­vo­lução de ou­tubro
  • em 1947 in­te­grou pela pri­meira um go­verno
  •  em 1971 viu pela pri­meira vez o par­la­mento por dentro
  • no pe­ríodo pós-Se­gunda Guerra Mun­dial o par­tido tinha 150 000 mem­bros, hoje conta com 2500
  • Nas úl­timas elei­ções na­ci­o­nais de 2008 teve 0,8 % dos votos. Em Graz, a se­gunda maior ci­dade aus­tríaca, o KPÖ atinge re­gu­lar­mente os 20%

Sobre Al­fred Klahr

Al­fred Klahr (1904-1944) foi um po­li­tó­logo, jor­na­lista e co­mu­nista aus­tríaco, que apro­fundou uma questão fun­da­mental nessa época: a Áus­tria é parte da nação alemã ou possui uma iden­ti­dade na­ci­onal pró­pria?

Al­fred Klahr chegou à con­clusão de que a Áus­tria forma uma nação por si só, com fun­da­mentos cul­tu­rais bem dis­tintos da vi­zinha alemã. Na al­tura esta era uma afir­mação pe­ri­gosa. O fas­cismo em­pe­nhava-se em de­finir a Áus­tria como parte in­te­grante da nação alemã. Tal tese e afir­mação custou a vida a Al­fred Klahr. O membro do KPÖ foi as­sas­si­nado em 1944 em Var­sóvia por uma pa­trulha das SS.




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