1914-2014

Jorge Cadima

A crise do capitalismo tornou tudo mais urgente

Vai começar o centenário duma das grandes tragédias humanas: a I Guerra Mundial. Uma carnificina que destruiu muitos milhões de vidas. Não foi fruto de «novas ameaças», ciber-terrorismo, alterações climáticas ou fundamentalismo islâmico. Nem foi culpa de comunistas, sindicalistas ou outros papões patronais. As potências que se degladiaram eram europeias, ocidentais, cristãs, de «raças eleitas» e governadas por «elites» por «direito divino». Classes dominantes disputaram pela guerra a dominação sobre os recursos, mares, continentes e povos do planeta. Incluindo sobre os seus próprios povos, que foram as maiores vítimas desse conflito. Cem anos volvidos, o grande capital parece querer repetir a História.

O paralelo com 1914 é sustentado por um porta-voz mor do sistema, Martin Wolf (Financial Times, 3.12.13). Com o título «A China não deve copiar os erros do Kaiser», afirma que «a questão colocada pela ascensão da China comunista hoje» é a mesma que «foi colocada com a chegada da Alemanha imperial a primeira potência económica e militar europeia no final do Século XIX». Não esclarece que a «questão» de 1914 era que o seu império britânico queria continuar a ser o único sobre o qual «o Sol nunca se punha». Diz Wolf sobre os dias de hoje: «o risco dum conflito ruinoso existe de novo». E acrescenta: «Peritos militares consideram que num conflito aberto a China perderia […]. Os EUA ainda controlam os mares. Se se chegasse a um conflito aberto, os EUA cortariam o comércio mundial com a China. Também sequestrariam grande parte dos bens da China no exterior. As consequências económicas seriam [...] piores para a China do que para os EUA e os seus aliados». Das consequências humanas nem fala. A propaganda de guerra apresentará a China como ameaça perigosa. Mas há quase 14 anos já o General Loureiro dos Santos explicava no Diário de Notícias (13.3.00, com manchete «Guerra mundial é inevitável»): «não podemos esquecer que na base de tudo isto está a disputa dos recursos mundiais». Falava em potências emergentes, citando a China e Rússia, que «reúnam capacidade para se opor ou desafiar os Estados Unidos» acrescentando: «e os EUA precisarão de actuar. Isso não será para já, mas dentro 15, 20 anos, é praticamente inevitável». E tenebrosamente: «a arma atómica continuará a ser uma arma muito importante […] mas para as grandes potências deixará de ser um obstáculo». O prazo do general aproxima-se. E a crise do capitalismo tornou tudo mais urgente.

As potências da União Europeia, com guerras frescas na Líbia e Síria e ocupações em África, estão por estes dias empenhadas em impor troikas aos ucranianos e atiçar o conflito com a Rússia. E discutem na Cimeira Europeia de hoje como dar um salto qualitativo na sua máquina de guerra, a fim de «concretizar as ambições europeias no cenário mundial». O relatório (15 Outubro) da Alta Representante para a guerra, a Sra. Ashton, prevê tudo: a UE deve estar pronta para se «comprometer nos 5 ambientes (terra, ar, mar, espaço e ciberespaço)», da África ao Ártico, e em «todo o globo». Deve ser capaz de efectuar «intervenções directas», «projectar poder» e usar drones. São precisas mais despesas militares estatais, com os subsídios do costume ao sector privado: «isenções de IVA», «protegendo-os […] de cortes orçamentais», com «PPP», encontrando «soluções de financiamento inovadoras que assegurem retorno dos investimentos» e mobilizando a investigação universitária. Não há dinheiro para os povos, mas para os lucros e a guerra não pode faltar. O complexo militar-industrial europeu está em marcha e já tem sigla: EDTIB. Mas como o próprio relatório reconhece, falta endoutrinar os povos «mesmo que os nossos cidadãos não vejam uma ameaça externa imediata à segurança». Só que a ameaça para os povos europeus (e não só) é a ameaça interna das suas pútridas, mas perigosas, classes dominantes.




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