Espionagem massiva

De Orwell à realidade

Escritores de todo o mundo condenam a espionagem massiva promovida pelos EUA e exigem a adopção de um tratado internacional de protecção de dados digitais que trave a ficção orwelliana que Washington torna realidade e pretende manter.

«Uma sociedade que é espiada já não é uma democracia»

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Mais de 560 escritores de 81 países, entre os quais os galardoados com o Nobel da Literatura Orhan Pamuk, J.M. Coetzee, Elfriede Jelinek, Gunter Grass e Thomas Transtroemer, alertam «para uma nova repressão que não consiste em baterem-nos à porta e algemarem-nos, mas na invasão da nossa esfera privada». No manifesto, publicado dia 10 de Dezembro e também subscrito por autores como Umberto Eco, David Maluf, Don DeLillo, Richard Ford, David Grossman, Arundhati Roy ou José Eduardo Agualusa, consideram que «uma pessoa que é espiada já não é livre» e que «uma sociedade que é espiada já não é uma democracia».

«Todo o cidadão é um suspeito potencial», o que, acrescentam no texto publicado simultaneamente por 30 diários em outros tantos países e citado pelo Lusa, representa um retrocesso face à «vitória histórica» que foi «a presunção de inocência».

Os signatários apelam, por isso, às Nações Unidas para que «reconheçam a importância de proteger os direitos civis na esfera digital e adoptem uma lei internacional», e exigem aos governos que «adiram a essa convenção».

No dia anterior à divulgação do apelo, oito gigantes do ciberespaço exigiram ao presidente dos EUA que legisle sobre a vigilância massiva. O papel de empresas como o Facebook, Twitter, Google, Apple ou Microsoft na recolha de meta-dados pelos serviços secretos dos EUA não é totalmente claro. Dúbia é também a sua reivindicação de reforma do enquadramento normativo em que tal se processa, já que os que defendem os programas de espionagem em curso argumentam que operam ao abrigo do chamado Acto Patriótico, aprovado na sequência do 11 de Setembro, e da Lei de Vigilância Estrangeira. O responsável da NSA e do Cibercomando do Pentágono, general Keith Alexander, sustenta mesmo que sem os programas de «inteligência agressiva», não sabem nem podem trabalhar.

Mais claro é o relatório divulgado, no final da semana passada, pela comissão mandatada por Barack Obama para analisar as práticas da Agência Nacional de Segurança (NSA). Agências noticiosas informam que no documento de mais de 300 páginas os peritos admitem a recolha e armazenamento de informação a propósito da segurança nacional e do combate ao terrorismo, embora defendam a necessidade da sua conciliação com os direitos e liberdades e com a manutenção de uma relação sólida com os cidadãos e com países aliados.

É preciso que tudo mude...

Entre as 46 recomendações feitas pelo painel – integrado por figuras como antigo conselheiro de contraterrorismo de Bill Clinton e George W. Bush, Richard Clarke, e o ex-número dois da CIA, Michael Morell, que esteve nos corredores da Casa Branca do 11 de Setembro até à suposta execução de Osama Bin Laden –, sobressaem a adjudicação a privados do armazenamento dos dados, em nome da «independência», dizem, e a obrigação destes só serem acedidos pelas agências secretas mediante mandato do tribunal competente, entidade especial criada em 1978 (Foreign Intelligence Surveillance Court) e cujas decisões e respectiva fundamentação são... secretas.

«Estamos desiludidos com o facto de as recomendações sugerirem um caminho que mantém a espionagem sem alvos concretos», considerou a Electronic Frontier Foundation.

Entretanto, o juiz federal Richard Leon considerou que a recolha sistemática de informações de cidadãos norte-americanos por parte da NSA viola a Constituição dos EUA. De acordo com o New York Times, Leon pronunciou-se de forma muito crítica descrevendo a prática como «orwelliana» e uma «invasão indiscriminada e arbitrária».

A decisão, conhecida segunda-feira, 16, surge depois de ter dado entrada no Congresso dos EUA um projecto que restringe a espionagem contra cidadãos nacionais, lei da «liberdade» saudada pela União das Liberdade Civis. Antes, a ONU aprovou uma resolução apresentada pelo Brasil e pela Alemanha em que se condena a vigilância massiva e se apela ao estabelecimento de garantias de privacidade.

Nas últimas semanas, soube-se que a NSA adoptou 41 medidas para que casos como o de Edward Snowden não se repitam, bem como a promover uma série de entrevistas de um dos seus altos responsáveis, por exemplo à Reuters e à CBS, com o objectivo de «reconquistar a confiança» e projectar «transparência».




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