Comentário

Até quando?

João Ferreira

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A notícia espalhou-se por vários órgãos de comunicação social. No passado dia 20 de Fevereiro, no relatório da décima avaliação ao programa da troika, a Comissão Europeia considerou serem necessários mais cortes nos salários dos portugueses. Pelo menos, um corte próximo dos cinco por cento – avisa.

Depois dos sucessivos roubos salariais dos últimos anos; depois de uma quebra nos rendimentos dos portugueses que, em termos médios, se situou bem acima da quebra acumulada no produto – já de si histórica, atingindo cerca de seis por cento nos últimos três anos (a quebra nos rendimentos foi mais do dobro) – o que evidencia não apenas que o país empobreceu, mas que, em termos relativos, aqueles que vivem do seu trabalho, assim como aqueles que tendo trabalhado uma vida inteira (sobre)vivem das suas pensões e reformas, empobreceram ainda muito mais; depois de tudo isto, a Comissão Europeia vem dizer: não chega, é preciso roubar mais. Para além disso, a Comissão Europeia acrescenta que são necessárias «mais reformas», designadamente ao nível da flexibilidade laboral – o que concorre para o mesmo objectivo de redução dos custos do trabalho.

Perguntar-se-á: mas qual a consequência prática de mais esta afronta bolsada no relatório da troika pelo bando de Barroso? Não têm Passos e Portas alardeado que, a partir de Maio, veremos a troika pelas costas e, portanto, também os salteadores de Bruxelas, que dela fazem parte? Não será exactamente assim... A resposta mais correcta à primeira questão será: depende... Mais do que uma afronta, as palavras da Comissão Europeia deverão ser encaradas como um aviso. Um aviso a ter em conta nos próximos meses.

Os mecanismos aprovados por PS, PSD e CDS no Parlamento Europeu – e também no Conselho, onde estão representados os governos dos 28 da União Europeia, logo por onde passaram nos últimos cinco anos estes mesmos três partidos – têm algumas consequências práticas. A saber: o Semestre Europeu, a Governação Económica e o Tratado Orçamental – instrumentos aprovados nas costas dos povos, fugindo ao debate e ao escrutínio público (Durão Barroso chamou-lhes uma «revolução silenciosa»...) – atribuem à Comissão Europeia poderes que esta não tinha.

Resumidamente, a Comissão Europeia passa a propor, todos os anos, orientações políticas gerais a ter em conta pelos estados-membros. Os estados-membros deverão pegar nessas orientações e, antes mesmo de qualquer discussão nos respectivos parlamentos nacionais, incluí-las nos seus planos orçamentais e nos planos de «reformas estruturais» que se propõem fazer. A Comissão Europeia avalia esses planos e pode voltar a elaborar orientações específicas por país, que devem ser incluídas nos respectivos documentos. Quem não cumprir as orientações passa a estar sujeito a sanções.

Por outro lado, há «mecanismos de correcção» para os países que se desviem da linha que lhes foi traçada. Mecanismos que visam voltar a meter na linha o prevaricador. O conteúdo desses mecanismos de correcção e o escalonamento no tempo das medidas que deles constem são estipulados, adivinhe-se... pela Comissão Europeia!

Ou seja, na prática, os mecanismos aprovados por PS, PSD e CDS visam prolongar a situação de ingerência a que hoje Portugal se encontra submetido, por via do programa da troika, muito para além do período de vigência desse programa... Ou seja, no que depender de PS, PSD e CDS, a troika (ou pelo menos parte dela) pode muito bem continuar a agredir o povo e o País nos próximos anos.

Cabe perguntar: que farão PS, PSD e CDS se, no decurso do normal funcionamento dos mecanismos que aprovaram, a Comissão Europeia vier estabelecer como orientação para o orçamento nacional aquilo que agora bolsou no relatório da décima avaliação? Não restam grandes dúvidas...

Entretanto, há um caminho seguro para impedir mais este roubo e libertar o país da submissão a instrumentos contrários ao seu interesse. Esse caminho é o do reforço da CDU nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, dando mais força à política alternativa, patriótica e de esquerda, que, no ano em que celebramos os 40 anos da Revolução de Abril, pode voltar a fixar os seus valores no presente e no futuro de Portugal.

P.S.: Bem a propósito, num gesto clarificador, o PS acaba de anunciar o primeiro candidato da sua lista às eleições para o Parlamento Europeu, Francisco Assis, um conhecido defensor de entendimentos com o PSD, a quem já elogiou a «postura responsável»...




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