Direitos, salários, emprego e serviços públicos

Ataque agravado no Estado

Com a Lei Geral do Tra­balho em Fun­ções Pú­blicas, pro­mul­gada na se­mana pas­sada, e com o pro­jecto de rein­tro­dução dos cortes sa­la­riais, a par da ta­bela re­mu­ne­ra­tória única e da ta­bela dos su­ple­mentos, o Go­verno apro­funda o ataque aos tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica e pro­cura avançar na en­trega de ser­viços pú­blicos ao grande ca­pital.

A luta dos tra­ba­lha­dores vai travar o passo ao Go­verno

Para amanhã, dia 20, as or­ga­ni­za­ções sin­di­cais da Ad­mi­nis­tração Pú­blica foram con­vo­cadas pelo Go­verno para dis­cutir uma pro­posta de lei apro­vada no Con­selho de Mi­nis­tros de dia 12, que prevê:

- rein­tro­duzir os cortes sa­la­riais (de 3,5 a 10 por cento, nos sa­lá­rios acima de 1500 euros) que vi­go­raram de 2011 a 2013, como res­posta à re­pro­vação cons­ti­tu­ci­onal da re­dução sa­la­rial ins­crita no Or­ça­mento do Es­tado de 2014 (de 2,5 a 10 por cento, nos sa­lá­rios su­pe­ri­ores a 675 euros);

- con­cluir a in­te­gração na ta­bela re­mu­ne­ra­tória única das car­reiras es­pe­cí­ficas e das car­reiras sub­sis­tentes.

A Frente Comum de Sin­di­catos da Ad­mi­nis­tração Pú­blica con­denou pron­ta­mente «mais esta ma­nobra do Go­verno, de roubo aos tra­ba­lha­dores, de ataque à Cons­ti­tuição e de in­sis­tência na men­tira». «PSD e CDS-PP querem tornar os cortes sa­la­riais em cortes de­fi­ni­tivos, em­po­bre­cendo ainda mais os tra­ba­lha­dores e des­truindo os ser­viços pú­blicos», acusou a es­tru­tura que in­tegra mais de três de­zenas de or­ga­ni­za­ções da CGTP-IN ou sem fi­li­ação, numa nota que emitiu dia 12.

Re­tomar os cortes sa­la­riais «é uma pro­vo­cação aos tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica e uma afronta ao Tri­bunal Cons­ti­tu­ci­onal», co­mentou Ar­ménio Carlos. Em de­cla­ra­ções aos jor­na­listas, no dia 12, o Se­cre­tário-geral da CGTP-IN alertou que se trata de «uma his­tória mal con­tada», pois estes cortes «con­ti­nuam a ser in­cons­ti­tu­ci­o­nais» e já não podem ser ex­pli­cados como efeito do me­mo­rando da troika.

Na se­gunda-feira, dia 16, a Fe­de­ração Na­ci­onal dos Sin­di­catos dos Tra­ba­lha­dores em Fun­ções Pú­blicas e So­ciais con­si­derou o do­cu­mento do Go­verno como «mais uma ten­ta­tiva de ins­tru­men­ta­li­zação e de con­di­ci­o­na­mento do Tri­bunal Cons­ti­tu­ci­onal, para impor, no Or­ça­mento do Es­tado de 2015, as suas po­lí­ticas».

A fe­de­ração ob­serva que as so­lu­ções apon­tadas pelo Go­verno con­ti­nuam a as­sentar na su­jeição aos di­tames da União Eu­ro­peia (como o Pacto Or­ça­mental), «no­me­a­da­mente, no que se re­fere à con­tenção da des­pesa pú­blica e à re­dução do dé­fice, sempre numa pers­pec­tiva de des­truição das fun­ções so­ciais do Es­tado, de uma Ad­mi­nis­tração Pú­blica sub­su­mida às fun­ções ins­ti­tu­ci­o­nais e de um in­ves­ti­mento pú­blico mí­nimo».

Na pro­posta de lei, faltam me­didas ob­jec­tivas que con­cre­tizem as de­cla­radas in­ten­ções de «va­lo­ri­zação do mé­rito e com­pe­tência» ou «res­ti­tuir com­pe­ti­ti­vi­dade po­ten­cial» aos tra­ba­lha­dores.

A in­te­gração das car­reiras sub­sis­tentes e es­pe­cí­ficas na ta­bela re­mu­ne­ra­tória única (em vigor desde 1 de Ja­neiro de 2009, no se­gui­mento da Lei 12-A/​2008 e de uma por­taria do Go­verno PS/​Só­crates) pode pôr em causa as es­pe­ci­fi­ci­dades da­quelas car­reiras e até a sua exis­tência. Para a fe­de­ração, que in­tegra a Frente Comum, é ina­cei­tável tratar da in­te­gração na ta­bela sem ne­go­ciar, em si­mul­tâneo, a sua es­tru­tura e o res­pec­tivo en­qua­dra­mento.

O Go­verno deixa para de­pois uma «de­fi­nição e alar­ga­mento de po­si­ci­o­na­mentos re­mu­ne­ra­tó­rios», que de­ci­dirá por de­creto re­gu­la­mentar. Isto re­pre­senta fuga à ne­go­ci­ação com os sin­di­catos, e a fe­de­ração ad­mite que o Go­verno pre­tenda des­truir o sis­tema de car­reiras pro­fis­si­o­nais, pas­sando a vi­gorar uma per­ma­nência in­de­fi­nida num dado po­si­ci­o­na­mento sa­la­rial. É que na pro­posta não se re­fere a ne­ces­si­dade de re­es­tru­tu­ração das car­reiras e de al­te­ração dos cri­té­rios de pro­moção e pro­gressão. Desta forma, tal in­te­gração na ta­bela re­mu­ne­ra­tória única «pode ser o passo se­guinte para re­duzir a questão re­mu­ne­ra­tória ao po­si­ci­o­na­mento sa­la­rial dos tra­ba­lha­dores».

No apelo à par­ti­ci­pação na ma­ni­fes­tação da CGTP-IN, no pró­ximo sá­bado, em Lisboa, a fe­de­ração lembra ainda outra peça de vulto na re­con­fi­gu­ração do Es­tado contra os traços que lhe são con­fe­ridos pela Cons­ti­tuição: o «do­cu­mento de es­tra­tégia or­ça­mental», que aponta para uma drás­tica re­dução da des­pesa com pes­soal na Ad­mi­nis­tração Pú­blica, o que pas­sará por des­pe­di­mentos em massa.

Ao mesmo tempo é posta em marcha a adopção de uma ta­bela de su­ple­mentos vi­sando uma nova linha de cortes nas re­mu­ne­ra­ções.

 

A Lei Geral da sub­versão

Sem re­fe­rência a quais­quer dú­vidas sobre a cons­ti­tu­ci­o­na­li­dade, co­lo­cada em causa re­la­ti­va­mente a di­versas ma­té­rias, na se­mana pas­sada o Pre­si­dente da Re­pú­blica pro­mulgou a Lei Geral do Tra­balho em Fun­ções Pú­blicas.
Como o PCP de­nun­ciou, quando do de­bate na AR, o di­ploma cons­titui um novo ataque aos tra­ba­lha­dores e a im­por­tantes ser­viços pú­blicos, como os da saúde e da edu­cação, com o ob­jec­tivo de os en­tregar ao sector pri­vado, que os en­cara como áreas de ne­gócio. O Go­verno alega agora a falta de ca­pa­ci­dade fi­nan­ceira do Es­tado, para re­duzir as suas fun­ções ao mí­nimo (Forças Ar­madas e po­li­ciais, tri­bu­nais e pouco mais). De se­guida, o di­nheiro dos im­postos dei­xaria de estar com­pro­me­tido com ser­viços pú­blicos de qua­li­dade e de acesso uni­versal, como se exige desde a re­vo­lução de Abril e como está ins­crito na Cons­ti­tuição, e fi­caria re­ser­vado para cho­rudos pa­ga­mentos a pres­ta­dores pri­vados, in­te­res­sados no lucro e não em servir a po­pu­lação.

Em vez do vín­culo pú­blico de no­me­ação, que ga­rante es­ta­bi­li­dade e in­de­pen­dência aos tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica, a regra será o con­trato de tra­balho em fun­ções pú­blicas, um vín­culo mais frágil criado pelo PS, com a Lei 12-A/​2008.

A re­qua­li­fi­cação, que su­cedeu à mo­bi­li­dade es­pe­cial dos go­vernos do PS, abre ca­minho a bru­tais re­du­ções de fun­ções e de sa­lá­rios e, no fim de contas, à saída de mi­lhares de tra­ba­lha­dores, es­ti­mu­lada também por um pro­grama de res­ci­sões.

O ho­rário de tra­balho é au­men­tado para 40 horas se­ma­nais (li­mite mí­nimo), ad­mi­tindo «bancos» de horas de adesão in­di­vi­dual e ou­tras adap­ta­bi­li­dades. É re­du­zido o valor do tra­balho su­ple­mentar e são di­mi­nuídos três dias de fé­rias e li­qui­dados os acrés­cimos nestas em função da idade.

Os con­tratos a termo podem ter três re­no­va­ções su­ces­sivas (em vez de duas, como até agora) e fica im­pe­dida a sua con­versão em con­tratos sem termo (ao con­trário do que su­cede nas em­presas pri­vadas).

É di­mi­nuído o nú­mero de di­ri­gentes e de­le­gados sin­di­cais, passa a ser ad­mi­tida a de­cla­ração de greve por as­sem­bleias de tra­ba­lha­dores e é aberta a pos­si­bi­li­dade de adesão in­di­vi­dual a acordos co­lec­tivos por parte de não sin­di­ca­li­zados.

O di­ploma con­sagra a in­ge­rência do Go­verno na ce­le­bração de acordos co­lec­tivos de en­ti­dade em­pre­ga­dora pú­blica com au­tar­quias lo­cais, im­pondo a par­ti­ci­pação do poder cen­tral.

A Frente Comum de Sin­di­catos, no seu pa­recer, co­locou a in­cons­ti­tu­ci­o­na­li­dade formal como questão prévia na ela­bo­ração da Lei Geral, porque o Go­verno não ad­mitiu qual­quer ne­go­ci­ação de vá­rias ma­té­rias, como a re­qua­li­fi­cação (após a de­cla­ração de in­cons­ti­tu­ci­o­na­li­dade da lei pró­pria que a veio ins­ti­tuir, chegou a ser apre­sen­tada em branco nas ne­go­ci­a­ções).
Na al­tura, a Frente Comum in­seriu a pro­posta da Lei Geral do Tra­balho em Fun­ções Pú­blicas na con­ti­nui­dade do «me­mo­rando» e na con­cre­ti­zação do ob­jec­tivo cen­tral de su­ces­sivos go­vernos: a re­con­fi­gu­ração do Es­tado e a des­truição das suas fun­ções so­ciais, através de lei or­di­nária e al­te­ra­ções exe­cu­tivas, es­ca­pando a um pro­cesso de re­visão cons­ti­tu­ci­onal que é da com­pe­tência da As­sem­bleia da Re­pú­blica.




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