Embuste repetido em cada nova lei

A cassete laboral

Nos anos de res­tau­ração do ca­pi­ta­lismo mo­no­po­lista, os go­vernos e os par­tidos da po­lí­tica de di­reita pro­curam re­cu­perar nas leis do tra­balho a re­lação de forças que es­tava a impor-se nos ór­gãos do poder cen­tral, mas não de­claram o ob­jec­tivo de des­truir o que foi con­quis­tado pelos tra­ba­lha­dores e pelo povo com a re­vo­lução de Abril e que ficou con­sa­grado na Cons­ti­tuição pro­mul­gada a 2 de Abril de 1976.

Os efeitos com­provam que mudar a lei fa­vo­receu a ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores

O agra­va­mento da ex­plo­ração do tra­balho, para be­ne­fício do ca­pital, é um pro­pó­sito que tem sido re­pe­ti­da­mente dis­far­çado em su­ces­sivas al­te­ra­ções da le­gis­lação la­boral, re­cor­rendo a vo­cá­bulos como ino­vação, ac­tu­a­li­zação, mo­der­ni­zação, sim­pli­fi­cação, cres­ci­mento, com­pe­ti­ti­vi­dade, cri­ação de em­prego, fle­xi­bi­li­dade. Os ar­gu­mentos que fun­da­mentam as al­te­ra­ções da le­gis­lação la­boral re­petem-se como uma es­ta­fada cas­sete. 

O Có­digo

Após a der­rota do PS nas elei­ções de De­zembro de 2001, para os ór­gãos das au­tar­quias lo­cais, An­tónio Gu­terres de­mitiu-se e o PSD saiu em pri­meiro lugar nas le­gis­la­tivas de 17 de Março de 2002. O Go­verno PSD/​CDS de Durão Bar­roso, Paulo Portas e Bagão Félix (mi­nistro do Tra­balho) apre­sentou na AR, em No­vembro de 2002, uma pro­posta de lei para apro­vação do Có­digo do Tra­balho, com vista a «pro­ceder à re­visão e à uni­fi­cação de múl­ti­plas leis que re­gulam a pres­tação do tra­balho su­bor­di­nado».
Uma Co­missão de Aná­lise e Sis­te­ma­ti­zação da Le­gis­lação La­boral tinha sido cons­ti­tuída em Março de 2000 e apre­sentou pro­postas em Se­tembro de 2001 e em Maio de 2002.
No pro­grama do Go­verno PSD/​CDS eram in­di­cadas, como me­didas pri­o­ri­tá­rias: «sis­te­ma­tizar, sin­te­tizar e sim­pli­ficar a le­gis­lação la­boral», «pro­mover a adap­ta­bi­li­dade e a fle­xi­bi­li­dade da or­ga­ni­zação do tra­balho, por forma a au­mentar a com­pe­ti­ti­vi­dade da eco­nomia e das em­presas», «criar as con­di­ções que per­mitam fle­xi­bi­lizar os ho­rá­rios de tra­balho» e «adoptar as me­didas ne­ces­sá­rias com vista a per­mitir um au­mento da mo­bi­li­dade dos tra­ba­lha­dores, por forma a as­se­gurar uma maior con­ver­gência re­gi­onal e uma eco­nomia mais com­pe­ti­tiva».
Na ex­po­sição de mo­tivos da Pro­posta de Lei 29/​IX de­cla­rava-se que «é ob­jec­tivo es­tru­tu­rante do Có­digo in­verter a si­tu­ação de es­tag­nação da con­tra­tação co­lec­tiva, di­na­mi­zando-a».

À subs­ti­tuição de Durão Bar­roso por San­tana Lopes se­guiram-se as elei­ções de 20 de Fe­ve­reiro de 2005, a mai­oria ab­so­luta do PS e a acção de Vi­eira da Silva, como mi­nistro do Tra­balho de José Só­crates, a des­dizer o que afir­mara en­quanto de­pu­tado na opo­sição. Mas isso não se de­clara na jus­ti­fi­cação da Pro­posta de Lei 35/​X (Se­tembro de 2005). Há que mudar ma­té­rias da ne­go­ci­ação e con­tra­tação co­lec­tiva porque «é im­pe­rioso criar, desde já, as me­lhores con­di­ções pos­sí­veis para que quer os em­pre­ga­dores e as suas as­so­ci­a­ções, quer os sin­di­catos, sejam mo­ti­vados pelo quadro legal vi­gente a ne­go­ciar entre si as trans­for­ma­ções para que a com­pe­ti­ti­vi­dade eco­nó­mica das em­presas e os di­reitos so­ciais dos tra­ba­lha­dores se ar­ti­culem de modo a re­criar um ciclo vir­tuoso de cres­ci­mento eco­nó­mico, de pro­moção do em­prego e de me­lhoria da equi­dade so­cial». 

A «fle­xi­gu­rança» 

Uma re­visão do Có­digo do Tra­balho é de­sen­ca­deada em 2006, de­pois de a Co­missão Eu­ro­peia ter lan­çado a ideia da «fle­xi­gu­rança» no Livro Verde sobre as re­la­ções de tra­balho. Já com Ca­vaco Silva em Belém, o Go­verno do PS criou as co­mis­sões do Livro Verde e do Livro Branco. Um pa­cote de pro­postas foi di­vul­gado em Julho de 2007.
A Pro­posta de Lei 216/​X dá en­trada na AR um ano de­pois, in­vo­cando que seria ne­ces­sário in­tervir para «sis­te­ma­ti­zação do acervo le­gis­la­tivo», «pro­moção da fle­xi­bi­li­dade in­terna das em­presas», «me­lhoria das pos­si­bi­li­dades de con­ci­li­ação da vida pro­fis­si­onal com a vida pes­soal e fa­mi­liar», «me­lhoria da ar­ti­cu­lação entre a lei, as con­ven­ções co­lec­tivas de tra­balho e os con­tratos de tra­balho», «des­bu­ro­cra­ti­zação e sim­pli­fi­cação do re­la­ci­o­na­mento entre as em­presas e os tra­ba­lha­dores, e de uns e de ou­tros com a Ad­mi­nis­tração Pú­blica».
A re­visão do Có­digo de 2003 – que mais uma vez não tocou as­pectos que o PS na opo­sição tão ve­e­mente cri­ti­cara – foi apre­sen­tada como parte de «uma es­tra­tégia de re­forma mais ampla, que prevê a cri­ação de ou­tros ins­tru­mentos in­dis­pen­sá­veis ao efec­tivo cres­ci­mento eco­nó­mico, à me­lhoria da com­pe­ti­ti­vi­dade em­pre­sa­rial, ao au­mento da pro­du­ti­vi­dade, à me­lhoria da em­pre­ga­bi­li­dade dos ci­da­dãos e da qua­li­dade do em­prego, uma es­tra­tégia nor­teada, também no sen­tido do com­bate às de­si­gual­dades e da pro­moção da par­tilha mais equi­ta­tiva dos re­sul­tados do pro­gresso eco­nó­mico». A Lei 7/​2009 foi pu­bli­cada a 12 de Fe­ve­reiro.

A sua se­gunda al­te­ração (Lei 53/​2011, de 14 de Ou­tubro) co­meçou a ser de­se­nhada no úl­timo tri­mestre de 2010, com a «ini­ci­a­tiva para a com­pe­ti­ti­vi­dade e o em­prego», por um Go­verno PS/​Só­crates que já não tinha mai­oria ab­so­luta na AR.
A Pro­posta de Lei 2/​XII foi já apre­sen­tada pelo Go­verno do PSD/​CDS, saído das elei­ções de 5 de Junho de 2011, e re­tomou sem res­salvas o «acordo tri­par­tido» (Go­verno, pa­trões e UGT) de 22 de Março desse ano, acres­cen­tando-lhe o me­mo­rando en­tre­tanto as­si­nado com o FMI, o BCE e a UE. O pro­pó­sito da al­te­ração le­gis­la­tiva foi re­duzir as in­dem­ni­za­ções por des­pe­di­mento, mas surgiu tem­pe­rado com os con­di­mentos do cos­tume.
Do pro­grama do Go­verno, foram evo­cadas «me­didas di­ri­gidas ao bem-estar das pes­soas e à com­pe­ti­ti­vi­dade das em­presas e da eco­nomia», exi­gindo «uma le­gis­lação la­boral fle­xível, con­cen­trada na pro­tecção do tra­ba­lhador, e não do posto de tra­balho, no quadro de um mo­delo de fle­xi­se­gu­rança, que fo­mente a eco­nomia e a cri­ação de em­prego e que vise com­bater a seg­men­tação cres­cente do mer­cado de tra­balho».
Do pacto de agressão, veio a obri­gação de «im­ple­mentar re­formas ten­dentes à pro­tecção e à cri­ação de em­prego, em es­pe­cial para os jo­vens».
 

Com­pro­misso a três 

A ter­ceira al­te­ração (Lei 23/​2012, de 25 de Junho) ga­nhou im­pulso no «Com­pro­misso para o Cres­ci­mento, Com­pe­ti­ti­vi­dade e Em­prego», que os três par­ceiros ha­bi­tuais (Go­verno, pa­trões e UGT) fir­maram em Ja­neiro de 2012, pro­me­tendo «be­ne­fí­cios para a di­na­mi­zação do mer­cado la­boral e a com­pe­ti­ti­vi­dade das em­presas».
A nova lei iria «em­pre­ender a mo­der­ni­zação do mer­cado de tra­balho e das re­la­ções la­bo­rais» e con­tri­buir «de facto, para o au­mento da pro­du­ti­vi­dade e da com­pe­ti­ti­vi­dade da eco­nomia na­ci­onal». Era apre­sen­tada como um di­ploma «pri­mor­dial para pro­por­ci­onar aos tra­ba­lha­dores, prin­ci­pais des­ti­na­tá­rios da le­gis­lação la­boral, um mer­cado de tra­balho com mais e di­ver­si­fi­cadas opor­tu­ni­dades».

A Lei 47/​2012, de 29 de Agosto, des­tinou-se apenas a ade­quar o Có­digo a uma lei sobre es­co­la­ri­dade obri­ga­tória e uni­ver­sa­li­dade da edu­cação pré-es­colar, que já tinha três anos.

A com­pen­sação de­vida ao tra­ba­lhador em caso de ces­sação do con­trato de tra­balho volta a ser ata­cada na quinta al­te­ração (Lei 69/​2013, de 30 de Agosto). Mais uma vez, em­ba­ra­tecer o des­pe­di­mento mostra-se «uma me­dida im­por­tante para um mer­cado de tra­balho que pre­tende pro­por­ci­onar mais e me­lhores opor­tu­ni­dades para todos os tra­ba­lha­dores e em par­ti­cular para os que se en­con­tram em si­tu­ação de de­sem­prego».

A sexta al­te­ração (Lei 27/​2014, de 8 de Maio), foi a res­posta do Go­verno à de­cla­ração de in­cons­ti­tu­ci­o­na­li­dade de normas da Lei 23/​2012, sobre des­pe­di­mentos por ex­tinção do posto de tra­balho e por ina­dap­tação . Apre­sen­tando um car­dápio de cri­té­rios para uso e abuso do pa­tro­nato, o Go­verno in­sistiu que se trata de «me­didas fun­da­men­tais para a pro­moção de uma le­gis­lação la­boral fle­xível, que se tra­duza na mo­der­ni­zação do mer­cado de tra­balho e das re­la­ções la­bo­rais».

Não seria agora di­fícil prever o que terá sido apre­sen­tado como jus­ti­fi­cação da sé­tima al­te­ração. Para que não haja dú­vidas, con­tudo, cita-se a «ex­po­sição de mo­tivos» da Pro­posta de Lei 230/​XII.
Ao lem­brar que tudo re­monta ao «com­pro­misso» de Ja­neiro de 2012, o Go­verno des­taca «uma clara aposta na di­na­mi­zação da ne­go­ci­ação co­lec­tiva». Porque «cumpre as­se­gurar que se en­con­tram reu­nidas as con­di­ções ne­ces­sá­rias ao fo­mento e de­sen­vol­vi­mento de novos pro­cessos ne­go­ciais no âm­bito da con­tra­tação co­lec­tiva», «pro­cede-se à con­ju­gação da pos­si­bi­li­dade de sus­pensão do pe­ríodo de ne­go­ci­ação com a re­dução dos prazos de so­bre­vi­gência e ca­du­ci­dade das con­ven­ções co­lec­tivas».




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