Comentário

O que lá vai, lá vem

João Ferreira

1. O en­ce­nado op­ti­mismo de há meses deu lugar à in­dis­far­çável apre­ensão: pairam nu­vens sobre a Zona Euro – re­co­nhecem-no jor­nais, think tanks e ou­tros que tais. Fala-se em abran­da­mento eco­nó­mico e aventa-se um «pro­cesso de­fla­ci­o­nista ao jeito ja­ponês». De­pois de cortar os juros para quase zero e de lançar um novo pro­grama de «con­cessão de li­quidez», em­prés­timos a longo prazo aos bancos – mas não aos es­tados!, – o Banco Cen­tral Eu­ropeu avança para mais dois pro­gramas, desta feita de compra de dí­vida ti­tu­la­ri­zada («co­vered bonds» e «asset backed se­cu­ri­ties»). Um bi­lião de euros estão dis­po­ní­veis para «ali­viar os ba­lanços dos bancos». Como? Com­prando-lhes dí­vida. Dí­vida que re­sulta de em­prés­timos dos bancos e que estes ti­tu­la­rizam, cri­ando novos pro­dutos fi­nan­ceiros que o BCE se pre­dispõe a com­prar. Tudo para «re­lançar a Eu­ropa». Os es­tados, em es­pe­cial os sobre-en­di­vi­dados e que estão to­tal­mente de­pen­dentes dos mer­cados fi­nan­ceiros para o seu fi­nan­ci­a­mento, esses, con­ti­nu­arão a fi­nan­ciar-se à taxa de juro que os bancos aos quais o BCE cede li­quidez de múl­ti­plas formas (em todo o caso, sempre ba­ratas) de­cidam co­brar-lhes. Mas mesmo a inau­dita «ge­ne­ro­si­dade» da po­lí­tica mo­ne­tária do BCE pa­rece ser in­su­fi­ci­ente. Apela-se por isso também à «po­lí­tica or­ça­mental» e ao que, por esse lado, vem pro­me­tendo a nova Co­missão Eu­ro­peia e o seu pre­si­dente. O sis­tema con­fronta-se ina­pe­la­vel­mente com os seus li­mites.

2. Uma in­ves­ti­gação jor­na­lís­tica des­co­briu a exis­tência de acordos fis­cais se­cretos du­rante oito anos entre o go­verno lu­xem­bur­guês – che­fiado à época pelo ac­tual pre­si­dente da Co­missão Eu­ro­peia, Jean-Claude Juncker – e 340 em­presas mul­ti­na­ci­o­nais, num es­quema de evasão fiscal que sig­ni­ficou um gi­gan­tesco roubo de re­ceita fiscal a vá­rios es­tados. Juncker é um dos rostos mais em­ble­má­ticos da União Eu­ro­peia. A so­cial-de­mo­cracia louva-lhe a «cons­ci­ência so­cial-cristã», ga­rantia, juram, de um afas­ta­mento da «cor­rente ne­o­li­beral». Por isso o ele­geram também para o ac­tual cargo. Des­ta­cado ar­qui­tecto de Ma­as­tricht e da União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária, pre­si­dente do Eu­ro­grupo du­rante vá­rios anos, o seu en­vol­vi­mento neste lo­daçal re­vela muito sobre a real na­tu­reza não apenas do cri­ador mas também da cri­a­tura. Re­vela muito sobre a hi­po­crisia do dis­curso ofi­cial da UE em torno da «res­pon­sa­bi­li­dade e rigor» no que às contas pú­blicas diz res­peito; re­vela muito sobre a hi­po­crisia do dis­curso do «res­ta­be­le­ci­mento da con­fi­ança», in­vo­cado à sa­ci­e­dade para fazer aprovar a União Ban­cária ou para impor as me­didas de aus­te­ri­dade contra os tra­ba­lha­dores e os povos; ou ainda sobre a «har­mo­ni­zação fiscal» como forma de com­bate à evasão fiscal. O roubo as­sume múl­ti­plas formas e fei­tios – já o sa­bíamos. Co­nheceu-se agora apenas mais uma.

3. Pas­saram dez anos com Durão Bar­roso à frente da Co­missão Eu­ro­peia. Ca­vaco de­cidiu con­de­corar o seu ex-mi­nistro com o Grande-colar da Ordem do In­fante D. Hen­rique. Uma con­de­co­ração que se des­tina a chefes de Es­tado – coisa que Durão Bar­roso não é, nem foi, mas que mesmo assim re­cebeu, a tí­tulo ex­cep­ci­onal, se­gundo pa­rece por ter de­sem­pe­nhado «ser­viços de ex­tra­or­di­nária re­le­vância para Por­tugal». A des­fa­çatez do gesto não es­conde que nestes dez anos Por­tugal perdeu e perdeu em toda a linha.

O Tra­tado de Lisboa re­duziu o poder de es­tados como Por­tugal, re­duziu a sua margem de ma­nobra para de­fender os seus in­te­resses, e con­cen­trou poder nos grandes países. A Ale­manha, por exemplo, à mesa do Con­selho, tem hoje mais de sete vezes o poder de voto de Por­tugal. Foram ig­no­rados os im­pactos que o alar­ga­mento teria e teve pre­ci­sa­mente sobre as eco­no­mias mais dé­beis como a por­tu­guesa. As po­lí­ticas co­muns – agri­cul­tura, co­mércio, pescas e as ou­tras – con­ti­nu­aram a ser de­fi­nidas em função dos in­te­resses dos grandes países. Quanto aos or­ça­mentos, no pri­meiro Quadro Fi­nan­ceiro Plu­ri­a­nual de­ci­dido com Bar­roso na Co­missão (2007-2013) Por­tugal perdeu 14 por cento dos fundos co­mu­ni­tá­rios. No se­gundo (2014-2020) per­demos ainda dez por cento em cima do corte an­te­rior. Apesar disso, Bar­roso veio há tempos dizer que Por­tugal ia re­ceber uma «pipa de massa» da UE: 26 mil mi­lhões de euros até 2020. Contou me­tade da his­tória… Nesse mesmo pe­ríodo, Por­tugal pa­gará só em juros da dí­vida qual­quer coisa como 60 mil mi­lhões de euros – contas da pró­pria Co­missão Eu­ro­peia. Eis, muito su­ma­ri­a­mente, um pouco destes dez anos em que o por­tu­guês Durão Bar­roso andou pela Co­missão Eu­ro­peia, se­gundo afirma agora Ca­vaco Silva, «a abrir portas»…




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