Os silêncios vis
Sob a calada da noite, um camião fretado por uma empresa de segurança privada entra pelas traseiras na Refinaria Tesoro em Anacortes, no Texas. Homens armados vigiam a operação logística, meticulosamente planeada para se executar simultaneamente em doze refinarias dos EUA. A cláusula de secretismo é tal, que nem os carregadores conhecem o improvável recheio das pesadas caixas que transportam para o interior da fábrica. Já para os directores da Tesoro que há duas semanas desesperam pela preciosa encomenda, nada disto é misterioso. Desde dia 1 de Fevereiro que não entram nem saem da refinaria. Estão cansados, nervosos e sozinhos. Impacientes, assinam o recibo de entrega da Shell e retiram das enormes caixas o donativo dos patrões: centenas de colchões, fogões eléctricos, roupeiros, cómodas, toalhas de banho... É que os trabalhadores das refinarias estado-unidenses estão em greve, a maior desde 1980, e só ficaram os chefes para trabalhar. E sobre isto, nada disse a comunicação social dos EUA.
São cerca de 5000 os operários que domingo passado completaram a terceira semana da greve nacional decretada pelo sindicato metalúrgico United Steelworkers Union – USW. A USW, que representa 30 000 trabalhadores do sector petroquímico, exige aumentos salariais e uma maior comparticipação da empresa no custo dos seguros de saúde. Mas sobretudo, o sindicato reivindica à Shell, à Exxon, à Chevron e à BP melhores condições de segurança no trabalho. Nos EUA, os operários das refinarias têm oito vezes mais probabilidade de sofrer um acidente de trabalho do que os trabalhadores de qualquer outra indústria: só entre 2003 e 2010, 823 operários petroquímicos foram vítimas mortais de um tipo de terrorismo de classe conhecido como «acidentes laborais». E também sobre isto, nada disse a comunicação social dos EUA.
Acidente laboral ou terrorismo patronal
Na refinaria de Anacortes, no Texas, estas estatísticas são amigos e familiares que já não regressam. No ano 2010, a falta de manutenção causou uma explosão que ceifou a vida de sete operários. O mais novo tinha dezoito anos. A administração foi considerada criminalmente responsável, mas, dizem os trabalhadores, pagou uma multa e tudo continuou igual. E sempre foi assim em todas as refinarias americanas: em São Francisco, em 2012, 15 000 ficaram feridos; no Golfo do México, em 2010, morreram 11; na Cidade do Texas, em 2007, morreram outros 15; em Romeoville, Illinois, em 1984, morreram 19... e a lista necrológica prossegue voraz até aos primogénitos poços de petróleo do Indiana. E tão-pouco isto se disse na comunicação social dos EUA.
Segundo a USW, ao recusar-se a contratar novos trabalhadores, o patronato está a subscrever novos acidentes. Mesmo os operários que levam a cabo as operações mais perigosas estão a ser obrigados a completar turnos de 12 a 18 horas diárias. E apesar do valor das acções das refinarias estado-unidenses ter duplicado desde 2012, sobretudo à custa de perigosíssimos novos métodos de extracção como o fracturamento hidráulico, ou «fracking», os patrões da Shell, em representação da Exxon, da BP e da Chevron, recusam-se a ceder um milímetro na sua política de desvalorização do trabalho. E nem isto se disse na comunicação social dos EUA.
Eles precisam de nós como nós não precisamos deles
Porém, não demorou até que os efeitos da greve se fizessem sentir: segundo a Bloomberg, 64% da produção de combustíveis dos EUA pode estar comprometida. Mais ainda, se os grevistas conseguirem paralisar as 12 refinarias, perder-se-ão, diariamente, 1.82 milhões de barris. Foi então que os donos da indústria petrolífera mundial tomaram uma decisão arrojada: as refinarias continuariam a trabalhar, operadas por «crostas» (o apodo estado-unidense para os fura-greves) e pelos engenheiros, directores e supervisores das respectivas fábricas. Incapazes de enfrentar os piquetes de greve, não restava outra solução a estes operários improvisados que passar a dormir nas refinarias. Ainda assim, a BP veio dizer ao Washington Post que a greve não afectaria a produção. Afinal tudo estava bem: isso sim, disse-o a comunicação social dos EUA.
Só ao fim de três semanas de greve é que os jornais admitiram a previsão de mau-tempo para os patrões. Na segunda-feira, começaram a surgir relatos de situações de grande perigo nas refinarias operadas pelos supervisores. Um pouco por todos os noticiários, os comentadores de turno lamentavam a ausência dos operários especializados. À CNN, a Shell dizia mesmo querer voltar «imediatamente» às negociações. Já na terça, a Reuters avisava que «os trabalhadores podem atirar a administração ao tapete». Isto porque, segundo a agência noticiosa, «ainda não se encontrou forma de fazer as refinarias a trabalhar sem trabalhadores». Mas como cantava Bob Dylan, não precisamos de um meteorologista para saber em que direcção o vento sopra.