Comentário

O golpismo e a desestabilização

Maurício Miguel

A mai­oria de di­reita e da so­cial-de­mo­cracia do Par­la­mento Eu­ropeu (PE) deu luz verde a que a UE con­ceda à Ucrânia «as­sis­tência ma­cro­fi­nan­ceira» para im­ple­mentar o acordo com o FMI e o cha­mado Acordo de As­so­ci­ação UE-Ucrânia. Vi­sando o apoio aos oli­garcas ucra­ni­anos e a des­truição do que resta de di­reitos so­ciais deste povo, este acordo é mais um em­purrão para a guerra civil e para uma cada vez mais evi­dente con­fron­tação com a Rússia. O voto da mai­oria do PE cons­titui mais uma etapa na de­ses­ta­bi­li­zação da Ucrânia de­sen­ca­deada no quadro da pressão para a as­si­na­tura do Acordo de As­so­ci­ação com a UE em 2013. A «ou­sadia» em re­cusar tal acordo custou cara ao povo ucra­niano. So­cor­rendo-se de par­tidos e or­ga­ni­za­ções aber­ta­mente fas­cistas e ne­o­nazis com raízes his­tó­ricas na Ucrânia e com es­treitas li­ga­ções à oli­gar­quia local, a in­ge­rência dos EUA, da UE e da NATO de­sen­ca­deou ac­ções vi­o­lentas de que os as­sas­si­natos da praça Maidan foram um exemplo, con­du­zindo ao golpe de Es­tado. Convém lem­brar o cor­rupio de di­ri­gentes dos EUA e da UE, mi­nis­tros e de­pu­tados ao PE, tanto da di­reita como da so­cial-de­mo­cracia, que se aco­to­ve­lavam para aci­ca­tarem o des­fecho gol­pista à praça Maidan. Com o apoio do im­pe­ri­a­lismo, o go­verno gol­pista ali­mentou, ou de­sen­ca­deou ele mesmo, ac­ções de per­se­guição e re­pressão sobre de­mo­cratas e em par­ti­cular sobre os co­mu­nistas e o Par­tido Co­mu­nista da Ucrânia, sobre o qual pende a ten­ta­tiva de ile­ga­li­zação. Na re­gião do Don­bass os gol­pistas lan­çaram uma guerra de agressão contra aqueles que se re­cu­saram a re­co­nhecer-lhe le­gi­ti­mi­dade e a acatar as suas im­po­si­ções. À guerra de­sen­ca­deada pelo poder fas­cista de Kiev opôs-se uma forte re­sis­tência do povo, o que não im­pediu mi­lhares de mortos e des­lo­cados e a des­truição de parte sig­ni­fi­ca­tiva da infra-es­tru­tura da re­gião. Pe­rante a re­sis­tência e a in­ca­pa­ci­dade do exér­cito e dos mer­ce­ná­rios fas­cistas a soldo da oli­gar­quia de ven­cerem a re­sis­tência po­pular, os gol­pistas foram obri­gados a aceitar tem­po­ra­ri­a­mente um cessar-fogo. Mas na re­a­li­dade os seus planos visam pro­longar a guerra. A com­pe­tição entre a oli­gar­quia in­ten­si­fica-se, entre os sec­tores no poder e os que per­ma­necem fora dele pre­param-se planos para um pos­sível con­fronto. Pro­li­feram os grupos fas­cistas e ne­o­nazis ar­mados que ame­açam e agridem e sobre os quais pendem acu­sa­ções de graves crimes de guerra no Don­bass ou o mas­sacre de Odessa. Grupos que acen­tuam os planos de im­po­sição fas­cista, re­cru­tando na Ucrânia e em ou­tros países da Eu­ropa. A Câ­mara dos Re­pre­sen­tantes dos EUA aprovou uma re­so­lução pe­dindo a Obama que pro­vi­dencie armas ao exér­cito ucra­niano. Ini­ci­ando-se no Bál­tico e pas­sando pela Po­lónia e Re­pú­blica Checa, a NATO faz um des­file pro­vo­ca­tório à Rússia.
En­quanto parte in­te­grante do sis­tema, a so­cial-de­mo­cracia da UE de­monstra as suas con­cep­ções de de­mo­cracia pro­mo­vendo o gol­pismo e a de­ses­ta­bi­li­zação, ali­ando-se a forças aber­ta­mente fas­cistas. Fe­lipe Gon­zalez, an­tigo se­cre­tário-geral do PSOE (Par­tido So­ci­a­lista Obrero Es­pa­nhol) e homem in­flu­ente da In­ter­na­ci­onal So­ci­a­lista, foi anun­ciado como ad­vo­gado de Le­o­poldo Lopez e An­tonio Le­dezma, ambos presos e acu­sados de es­tarem a pre­parar um golpe de Es­tado na Ve­ne­zuela, pre­pa­rado e apoiado pelos EUA, o qual, entre os meios so­ci­a­listas da UE, foi con­si­de­rado como acto de per­se­guição po­lí­tica. Estes dois presos são os mesmos que, junto com María Co­rina Ma­chado, pro­mo­veram aber­ta­mente ac­ções que pro­vo­caram a morte de de­zenas de ve­ne­zu­e­lanos. O papel que Fe­lipe Gon­zález se propõe de­sem­pe­nhar na Ve­ne­zuela alerta para os pe­rigos que per­sistem não apenas sobre este país mas igual­mente sobre os pro­cessos de afir­mação so­be­rana e anti-im­pe­ri­a­lista que se vêm de­sen­vol­vendo na Amé­rica La­tina. Este en­vol­vi­mento vem su­bli­nhar o ca­rácter cada vez mais hi­pó­crita da so­cial-de­mo­cracia e o seu papel na agenda im­pe­ri­a­lista dos EUA e da UE. Se o his­to­rial de apoios e li­ga­ções entre os go­vernos do PSOE pre­si­didos por Fe­lipe Gon­zález e di­ta­duras la­tino-ame­ri­canas, no­me­a­da­mente com Pi­no­chet, não deixam dú­vidas sobre os seus es­crú­pulos, é certo que não é caso iso­lado entre as hostes so­ci­a­listas. À so­cial-de­mo­cracia da UE de nada serve que mi­lhões de ve­ne­zu­e­lanos te­nham de­ci­dido re­pe­ti­da­mente apoiar o pro­cesso Bo­li­va­riano e que o façam tendo por base a sig­ni­fi­ca­tiva me­lhoria das suas con­di­ções de vida, o acesso a di­reitos que não ti­nham e o di­reito a de­cidir so­be­ra­na­mente e sem in­ge­rên­cias ex­ternas sobre o seu des­tino.




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