A crise do capitalismo, o euro e a União Europeia

Sair do círculo vicioso, abrir novos caminhos

Carlos Nabais texto
Inês Seixas fotos

A crise eco­nó­mica e so­cial em que Por­tugal e ou­tros países da União Eu­ro­peia estão mer­gu­lhados não pode ser des­li­gada das po­lí­ticas ditas «co­mu­ni­tá­rias» e em par­ti­cular da «moeda única». Em vez da pro­me­tida «con­ver­gência» das eco­no­mias, o euro e os seus cons­tran­gi­mentos acen­tu­aram as as­si­me­trias entre países, fe­chando o cír­culo vi­cioso de que urge sair.

«O euro foi e é uma au­tên­tica de­cla­ração de guerra aos tra­ba­lha­dores»

Os im­pactos da in­te­gração ca­pi­ta­lista e da in­tro­dução da moeda única es­ti­veram em foco no se­mi­nário pro­mo­vido, dia 20, pelo PCP e Grupo Uni­tário de Es­querda/​Es­querda Verde Nór­dica, como se no­ti­ciou na edição an­te­rior do Avante!.

A abrir o de­bate, João Fer­reira, de­pu­tado do PCP no PE, lem­brou que «já lá vão quase 17 anos» desde que, em Maio de 1998, foi apro­vada a lista dos 11 países fun­da­dores da zona euro.

Con­fron­tando as pro­messas então apre­go­adas com a re­a­li­dade ac­tual, re­cordou que na Es­tra­tégia de Lisboa se apon­tava para «taxas de cres­ci­mento de três por cento ao ano. Na re­a­li­dade, o cres­ci­mento médio anual não foi além de um por cento, entre 2001 e 2010».

Também se pro­metia «um forte cres­ci­mento do em­prego», porém, no mesmo pe­ríodo, a taxa de de­sem­prego média subiu acima dos dez por cento e o nú­mero de de­sem­pre­gados al­cançou quase 16 mi­lhões na zona euro.

Pro­metia-se igual­mente «a con­ver­gência das eco­no­mias», mas «os de­se­qui­lí­brios ma­cro­e­co­nó­micos agra­varam-se», acen­tu­ando-se a di­visão entre «países “im­por­ta­dores lí­quidos” e, por isso de­ve­dores, com um nível de dí­vida cres­cente, e países “ex­por­ta­dores lí­quidos” e, por isso cre­dores».

No en­tanto, acres­centou João Fer­reira, «o euro não fa­lhou, cum­priu o papel para o qual foi criado». E citou al­guns nú­meros re­ve­la­dores desse papel:

«Entre 2001 e 2013, os lu­cros cres­ceram quase 26 vezes mais do que os sa­lá­rios em Por­tugal, quase 16 vezes mais em Es­panha, mais de cinco vezes mais na Ale­manha e na zona euro, mais de três vezes mais na Itália e duas vezes mais na Ir­landa. O caso grego é ainda mais pe­na­li­zador para os tra­ba­lha­dores, uma vez que para igual pe­ríodo os lu­cros acu­mu­lados cres­ceram 60,7 por cento e os sa­lá­rios reais ti­veram uma re­dução acu­mu­lada de 7,1 por cento.»

Nesse in­ter­valo de tempo «o nú­mero de de­sem­pre­gados cresceu 49 por cento na zona euro, 147% em Por­tugal, 131% em Es­panha, 101% na Grécia, 174% na Ir­landa e 29% na Itália».

Assim, con­cluiu o de­pu­tado, «o euro foi e é uma au­tên­tica de­cla­ração de guerra aos tra­ba­lha­dores». «Uma dé­cada e meia de des­va­lo­ri­zação so­cial e de de­sem­prego cres­cente assim o de­monstra».

Con­sequên­cias ine­gá­veis

As in­ter­ven­ções dos três con­vi­dados es­tran­geiros que par­ti­ci­param no se­mi­nário tes­te­mu­nharam o brutal agra­va­mento da si­tu­ação so­cial e eco­nó­mica nos seus países.

Sta­vros Eva­gorou, membro do Bu­reau Po­lí­tico do AKEL e de­pu­tado no par­la­mento ci­priota, afirmou que o Chipre atra­vessa a crise mais pro­funda da sua his­tória.

Após o novo go­verno de di­reita ter as­si­nado o me­mo­rando com a troika e co­lo­cado o país à mercê dos cre­dores, o Pro­duto In­terno Bruto, que havia cres­cido 3,8 por cento em 2008, caiu para -2,3 por cento em 2014.

Só nos úl­timos dois anos en­cer­raram cinco mil em­presas, o poder de compra re­grediu para ní­veis de 2000 e quase um em cada três ci­pri­otas (28%) vivem abaixo do li­miar da po­breza, num país que tem uma po­pu­lação de 1,2 mi­lhões de ha­bi­tantes.

Apesar da si­tu­ação de ca­tás­trofe, as ex­pec­ta­tivas são de uma de­te­ri­o­ração ainda maior. Por isso, o AKEL en­tende que para sair da crise deve-se pre­parar uma saída or­de­nada da zona euro, o rom­pi­mento com o me­mo­rando e a re­es­tru­tu­ração da dí­vida.

No quadro de po­si­ções di­fe­ren­ci­adas re­la­ti­va­mente aos ca­mi­nhos a se­guir, as in­ter­ven­ções da Es­querda Unida e do Sinn Fein con­vergem na crí­tica ao papel do euro e da União Eu­ro­peia en­quanto obs­tá­culos ao de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico.

Pa­loma Lopez Ber­mejo, de­pu­tada no PE da Es­querda Unida/​Es­querda Plural (Es­panha), con­cordou em que a união mo­ne­tária «exa­cerba as di­fi­cul­dades para sair do quadro ne­o­li­beral», que tem de­ter­mi­nado as po­lí­ticas dos su­ces­sivos go­vernos.

No en­tanto, a Es­querda Unida «não é fa­vo­rável a uma rup­tura com o euro», con­si­de­rando que, no caso con­creto de Es­panha, tal não se tra­du­ziria «num avanço ime­diato» re­la­ti­va­mente «às exi­gên­cias e in­te­resses das classes po­pu­lares», disse a de­pu­tada.

Por sua vez, David Cul­li­nane, se­nador do Sinn Fein (Ir­landa), sa­li­entou que a re­a­li­dade con­firmou a jus­teza das ra­zões que le­varam o seu par­tido a opor-se à en­trada no euro.

Mas apesar dos cons­tran­gi­mentos da moeda única e das pe­sadas re­per­cus­sões so­ciais, Cul­li­nane re­feriu que o Sinn Fein não apoia a saída da Ir­landa do euro, re­ce­ando con­sequên­cias ainda mais graves para os tra­ba­lha­dores e ao nível do de­sem­prego.

«A des­peito das po­si­ções di­fe­rentes sobre o euro, pre­ci­samos de tra­ba­lhar pela causa comum de der­rotar a aus­te­ri­dade, pro­mover o cres­ci­mento e cons­truir a Eu­ropa so­cial, com em­prego e sa­lá­rios dignos, cres­ci­mento sus­ten­tável, de­mo­cracia e igual­dade», con­cluiu o se­nador.

As ra­zões do voto contra

A 2 de Maio de 1998 os de­pu­tados do PCP no Par­la­mento Eu­ropeu vo­taram contra a cri­ação da moeda única e do BCE. Como lem­brou Sérgio Ri­beiro, eco­no­mista e na al­tura de­pu­tado no PE, «não foi um voto contra a es­ta­bi­li­dade de preços, o equi­lí­brio or­ça­mental, o con­trolo da dí­vida; foi, sim, um voto contra a fu­tura uti­li­zação de ins­tru­mentos e ins­ti­tui­ções para impor es­tra­té­gias que pros­se­gui­riam e agra­va­riam a con­cen­tração de ri­queza, au­men­ta­riam e tor­na­riam es­tru­tural o de­sem­prego, agu­di­za­riam as­si­me­trias e de­si­gual­dades, cri­a­riam maior e nova po­breza e ex­clusão so­ciais, di­mi­nui­riam as so­be­ra­nias na­ci­o­nais e acres­ce­riam dé­fices de­mo­crá­ticos».

Não foi a pri­meira vez que os prog­nós­ticos do PCP sobre a in­te­gração eu­ro­peia se re­ve­laram cer­teiros. Logo aquando da adesão, os co­mu­nistas pre­viram com rigor os efeitos da en­trada na então CEE.

A in­dús­tria foi um dos sec­tores sa­cri­fi­cados pelas po­lí­ticas im­postas. Como re­feriu Fer­nando Se­queira, membro da Co­missão de As­suntos Eco­nó­micos junto do CC, à data da adesão «o peso do pro­duto in­dus­trial era de cerca de 30 por cento do PIB, hoje cons­titui so­mente de 12 a 13 por cento do PIB».

Igual de­clínio ve­ri­ficou-se na agri­cul­tura, sector abor­dado por Pedro Santos, en­ge­nheiro agró­nomo e membro do exe­cu­tivo da CNA, ou nas pescas, de que falou João Del­gado, pes­cador e di­ri­gente da Mútua dos Pes­ca­dores.

Porém, a in­te­gração eu­ro­peia tem tido ou­tros re­flexos ne­ga­tivos, no­me­a­da­mente no plano dos di­reitos la­bo­rais e em­prego, re­fe­ridos por Ar­mando Fa­rias, membro da Co­missão Exe­cu­tiva da CGTP-IN, dos di­reitos so­ciais e fun­ções so­ciais do Es­tado, abor­dados por Maria do Carmo Ta­vares, membro da Co­missão para os As­suntos So­ciais junto do CC, ou na ju­ven­tude, tema tra­tado por Le­onel André, da Di­recção Na­ci­onal da JCP.

Antes do en­cer­ra­mento, que es­teve a cargo de Ângelo Alves, membro da Co­missão Po­lí­tica, in­ter­vi­eram ainda Rita Rato, de­pu­tada do PCP na As­sem­bleia da Re­pú­blica, que se de­bruçou sobre a so­be­rania e a de­mo­cracia, Gui­lherme da Fon­seca Statter, membro da Co­missão de As­suntos Eco­nó­micos junto do CC, sobre a fi­nan­cei­ri­zação da eco­nomia, e ainda Mi­guel Vi­egas, de­pu­tado do PCP no PE, que ana­lisou os ins­tru­mentos de do­mínio e o apro­fun­da­mento da UEM.


Uma crise do ca­pi­ta­lismo

Con­cluindo os tra­ba­lhos do se­mi­nário, Ângelo Alves, membro da Co­missão Po­lí­tica, con­si­derou que a «crise que se vive na União Eu­ro­peia é uma ex­pressão da crise do ca­pi­ta­lismo na Eu­ropa e si­mul­ta­ne­a­mente uma crise da pró­pria União Eu­ro­peia e do Euro».

«Uma crise à qual o grande ca­pital, a di­reita e a so­cial-de­mo­cracia estão a res­ponder com ainda mais ex­plo­ração e com um apro­fun­da­mento ainda maior dos três pi­lares do pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista».

A prová-lo está a «fi­lo­sofia dos me­mo­randos de en­ten­di­mento, ou dos pactos de agressão como lhe cha­mamos», que con­sistiu em, «num curto es­paço de tempo, con­cen­trar, forçar e in­ten­si­ficar, de forma par­ti­cu­lar­mente vi­o­lenta, po­lí­ticas e me­didas de con­cen­tração e cen­tra­li­zação de ca­pital, de em­po­bre­ci­mento das po­pu­la­ções, de au­mento da ex­plo­ração e de re­ti­rada de so­be­rania aos es­tados. Mas estas são po­lí­ticas e ori­en­ta­ções que há muito vi­nham pau­la­ti­na­mente sendo im­postas no quadro do pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista».

Por ou­tras pa­la­vras, «a po­lí­tica dos me­mo­randos é a mesma da da União Eu­ro­peia e do euro e vice-versa», ex­plicou mais adi­ante o di­ri­gente co­mu­nista aler­tando que face ao agra­va­mento da crise, há novas ten­ta­tivas em curso para «um apro­fun­da­mento ainda maior dos pi­lares do ne­o­li­be­ra­lismo e do fe­de­ra­lismo».

Porém, tal como a in­tro­dução do euro teve im­pactos di­fe­ren­ci­ados em países com si­tu­a­ções eco­nó­micas muito di­fe­rentes, o apro­fun­da­mento das mesmas po­lí­ticas acen­tu­aria as ac­tuais as­si­me­trias, con­de­nando «vá­rios países a um es­ta­tuto de re­gião pobre e sub­de­sen­vol­vida» sob o do­mínio de um «super-es­tado im­pe­ri­a­lista».

«É ba­seado nesta aná­lise que o PCP con­si­dera ne­ces­sário pôr fim a esse ciclo vi­cioso que o pro­cesso da CEE/​UE ali­menta e o euro am­plia» e «abrir ca­mi­nhos que possam dar lugar a ver­da­deiros pro­cessos de co­o­pe­ração na Eu­ropa», disse Ângelo Alves, re­fe­rindo três vec­tores de acção po­lí­tica para a saída de Por­tugal da si­tu­ação de emer­gência, a saber: «a pre­pa­ração do País para a saída do euro»; «a re­ne­go­ci­ação da dí­vida de acordo com as ne­ces­si­dades do País»; «a re­cu­pe­ração do apa­relho pro­du­tivo na­ci­onal e a re­cu­pe­ração de con­di­ções de vida e aqui­si­tivas dos por­tu­gueses».




Mais artigos de: Europa

Desfile festivo por justiça social

Apesar do frio, do vento e da chuva, cerca de 20 mil pes­soas par­ti­ci­param, dia 29, na marcha de pro­testo, con­vo­cada pelos mo­vi­mentos belgas Tout autre Chose e Hart boven Hard.

Marcha contra Renzi

De­zenas de mi­lhares de pes­soas ma­ni­fes­taram-se, no sá­bado, 28, no centro Roma, em pro­testo contra a re­forma la­boral, co­nhe­cida por «jobs act».

Contra a ingerência, pelo progresso dos povos

Deputados progressistas e de esquerda da América Latina e de países europeus aprovaram uma declaração conjunta, no âmbito dos encontros das comissões permanentes da Assembleia Euro-Latino-Americana, realizados entre 16 e 19 de Março, na cidade do Panamá. O...

Franceses penalizam Hollande

O Partido Socialista, do presidente em funções François Hollande, foi duramente castigado pelos eleitores na segunda volta das eleições departamentais, realizada no domingo, 29, em França. A coligação de direita (UMP-UDI), liderada por Nicolas Sarkozy,...

Estudantes visitam parlamento

Um grupo de estudantes do ensino superior, de estabelecimentos de Tomar e Portimão, esteve na semana passada no Parlamento Europeu a convite dos deputados do PCP. Os visitantes tiveram oportunidade de conhecer as instalações do Parlamento Europeu em Bruxelas, onde...

O golpismo e a desestabilização

A maioria de direita e da social-democracia do Parlamento Europeu (PE) deu luz verde a que a UE conceda à Ucrânia «assistência macrofinanceira» para implementar o acordo com o FMI e o chamado Acordo de Associação UE-Ucrânia. Visando o apoio aos oligarcas ucranianos e a...