A urgência da alternativa política

O mo­mento é o da as­sumpção de uma po­lí­tica de re­cu­pe­ração da so­be­rania po­lí­tica e eco­nó­mica, co­lo­cando o sis­tema fi­nan­ceiro como ins­tru­mento dessa po­lí­tica. É ina­cei­tável que o es­forço co­lec­tivo e o pre­juízo que o País e os tra­ba­lha­dores re­a­lizam e so­frem seja para be­ne­fício pri­vado de um con­junto re­du­zido de in­di­ví­duos.

Face ao con­junto de factos e tes­te­mu­nhos que esta Co­missão foi capaz de reunir, ne­nhum re­la­tório pode omitir os reais res­pon­sá­veis pela si­tu­ação a que chegou o BES e o GES. Os ver­da­deiros res­pon­sá­veis são aqueles que ao longo de muitos anos foram os seus prin­ci­pais ac­ci­o­nistas e os seus ges­tores. Mas igual­mente res­pon­sá­veis são aqueles que, ao longo de dé­cadas, pro­te­geram e ele­varam o Grupo a co­losso eco­nó­mico e fi­nan­ceiro, bem como os que ao longo de dé­cadas sus­ten­taram as op­ções po­lí­ticas de di­reita que ali­men­taram a ilusão de que a banca pri­vada pode ser dis­ci­pli­nada, apesar de serem vi­sí­veis os com­por­ta­mentos le­sivos do in­te­resse co­lec­tivo no in­te­rior de vá­rias ins­ti­tui­ções ban­cá­rias. O sim­ples re­co­nhe­ci­mento de que há vá­rias formas de es­capar ao con­trolo de su­per­visão deve res­pon­sa­bi­lizar aqueles que, nos su­ces­sivos go­vernos, foram ten­tando con­vencer os por­tu­gueses de que a Banca – apesar de não terem os ele­mentos que fun­da­mentem essa po­sição, antes pelo con­trário, sa­berem que os não ti­nham – pode ser fiável e ao mesmo tempo cons­ti­tuir pro­pri­e­dade pri­vada, ge­rida ao sabor dos in­te­resses pri­vados dos ac­ci­o­nistas e dos grupos que esses ac­ci­o­nistas in­flu­en­ciam. Desse grupos, atentas as re­la­ções múl­ti­plas com o poder po­lí­tico, não se ex­cluem par­tidos po­lí­ticos com res­pon­sa­bi­li­dades go­ver­na­tivas, nem go­vernos pro­pri­a­mente ditos, di­ri­gidos por PS e PSD, com ou sem o CDS.

Da mesma forma, o con­texto da União Eu­ro­peia, par­ti­cu­lar­mente o que re­sulta do de­sen­vol­vi­mento do pro­cesso de li­be­ra­li­zação fi­nan­ceira, ins­crito na Agenda de Lisboa e in­ti­ma­mente as­so­ciado à moeda única, en­qua­dram um sis­tema fi­nan­ceiro que fun­ciona em pa­ra­lelo com um sis­tema de «banca-sombra», como no caso BES/​GES se ve­ri­ficou. A au­sência de tu­tela e fis­ca­li­zação está in­trin­se­ca­mente li­gada aos graus de li­ber­dade com que a banca actua, sem li­mi­ta­ções, muitas vezes sem qual­quer es­pécie de es­cru­tínio e com múl­ti­plas formas de lhe não estar su­jeita. O re­la­tório des­creve bem esses ex­pe­di­entes e pro­ce­di­mentos mas falha na res­pon­sa­bi­li­zação po­lí­tica da União Eu­ro­peia e dos go­vernos da Re­pú­blica que com essa po­lí­tica ali­nham sem de­fender a so­be­rania na­ci­onal nos seus di­versos planos.

Mais do que me­lhorar o de­sem­penho dos agentes de su­per­visão, é pre­ciso acabar com a farsa da su­per­visão ca­tiva do pró­prio sis­tema fi­nan­ceiro. Mais do que agravar as penas para a pre­va­ri­cação ou para a má-gestão, im­porta acabar com a pos­si­bi­li­dade de esses com­por­ta­mentos se ve­ri­fi­carem. Mais do que acres­centar ca­madas de verniz a um sis­tema fi­nan­ceiro podre, para me­lhor en­co­brir as suas prá­ticas de acu­mu­lação, ou para criar a ilusão de que são le­gí­timas, im­porta afirmar com au­dácia que ne­nhuma ex­torsão é le­gí­tima, que ne­nhuma es­pe­cu­lação sobre o tra­balho e o in­te­resse na­ci­onal é le­gí­tima, e que é nesse sen­tido que deve ser cons­truída a le­gis­lação e a prá­tica po­lí­tica.

A cons­trução de uma al­ter­na­tiva po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda con­voca os por­tu­gueses para a con­cre­ti­zação de ob­jec­tivos ime­di­atos: a re­ne­go­ci­ação da dí­vida, o con­trolo pú­blico das ala­vancas fun­da­men­tais da eco­nomia, a di­na­mi­zação do apa­relho pro­du­tivo, a va­lo­ri­zação dos sa­lá­rios e pen­sões, a dig­ni­fi­cação dos ser­viços pú­blicos e a afir­mação da so­be­rania. Esses ob­jec­tivos têm uma re­lação de in­ter­de­pen­dência entre si.

A ne­ces­si­dade do con­trolo pú­blico dos sec­tores es­tra­té­gicos da eco­nomia, no­me­a­da­mente o fi­nan­ceiro, vai, pois, além de uma con­clusão da Co­missão de Inqué­rito, ainda que seja va­li­o­sís­sima essa con­clusão, sendo uma con­dição fun­da­mental para a pró­pria con­cre­ti­zação da al­ter­na­tiva po­lí­tica que os por­tu­gueses an­seiam. Só com o cum­pri­mento desses ob­jec­tivos será pos­sível pro­jectar os va­lores de Abril no fu­turo de Por­tugal e só com os va­lores de Abril Por­tugal terá fu­turo.

 

 



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