Travar a concorrência ilegal

Baixou à co­missão, sem vo­tação, para apre­ci­ação na es­pe­ci­a­li­dade, o pro­jecto de lei do PCP que prevê o re­forço de «me­didas dis­su­a­soras da ac­ti­vi­dade ilegal no trans­porte em táxi».

Há quem exerça a ac­ti­vi­dade à margem da lei e com total im­pu­ni­dade

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O di­ploma es­teve em de­bate na pas­sada se­mana, dia 25, em agen­da­mento sus­ci­tado pela ban­cada co­mu­nista que desta forma quis dar um con­tri­buto para uma dis­cussão séria, com res­postas con­cretas, em torno da grave si­tu­ação hoje exis­tente no sector do táxi.

As pro­postas vão no sen­tido de al­terar o quadro legal que rege o exer­cício desta ac­ti­vi­dade (D.L. 251/​98, de 11 de Agosto), agra­vando as coimas pre­vistas nos ar­tigos re­la­tivos às contra-or­de­na­ções, ao exer­cício da ac­ti­vi­dade sem al­vará e ao exer­cício ir­re­gular da ac­ti­vi­dade. Trata-se, no fundo, de au­mentar as coimas sobre con­cor­rentes ile­gais dos táxis, como por exemplo a mul­ti­na­ci­onal Uber, que desde Ou­tubro de 2014 têm vindo a ins­talar-se em Por­tugal, como nou­tros países, re­cor­rendo a apli­ca­ções por te­le­móvel para re­a­lizar o trans­porte co­mer­cial de pas­sa­geiros.

Mos­trando total aber­tura da sua ban­cada para que este pro­cesso le­gis­la­tivo possa contar com a co­la­bo­ração de todas as ban­cadas, o de­pu­tado co­mu­nista Bruno Dias lem­brou no de­bate, a que as­sis­tiram das ga­le­rias vá­rias de­zenas de ta­xistas, que este é um sector que en­frenta di­fi­cul­dades há muito tempo, que já se apre­sen­tava des­ca­pi­ta­li­zado quando apa­receu a con­cor­rência des­leal e ilegal das mul­ti­na­ci­o­nais, de­ba­tendo-se com pro­blemas reais, desde a fis­ca­li­dade até à questão do trans­porte de cri­anças ou do­entes não ur­gentes, pas­sando pela re­gu­la­men­tação da for­mação.

 À margem da lei

 Pro­blemas que não foram de­ba­tidos e re­sol­vidos no mo­mento pró­prio, não obs­tante o PCP ter cha­mado a atenção para eles em vá­rias oca­siões na AR. Ao invés, o que se as­sistiu foi à pas­si­vi­dade pe­rante o pro­blema e ao seu con­se­quente agra­va­mento du­rante a go­ver­nação do PSD e do CDS, anotou Bruno Dias, lem­brando que quando a si­tu­ação já era grave – muitos pe­quenos in­dus­triais ou mo­to­ristas por conta pró­pria já em si­tu­ação afli­tiva, muitos a de­volver al­varás e a en­cerrar a ac­ti­vi­dade –, o sector foi con­fron­tado com a con­cor­rência ilegal da mul­ti­na­ci­onal norte-ame­ri­cana Uber, que «chegou a Por­tugal como se de­sem­bar­casse em terra de nin­guém e en­trou em ac­ti­vi­dade à margem da lei, con­ti­nu­ando tran­qui­la­mente como se nada fosse».

Foi essa si­tu­ação de im­pu­ni­dade, ge­ra­dora de justa in­dig­nação e re­volta no seio do sector do táxi, que foi co­lo­cada em pri­meiro plano do de­bate, com o PCP a de­fender a ur­gência de uma res­posta con­creta e de um «ponto final» no pro­blema por parte do Es­tado e das au­to­ri­dades.

Evi­den­ciada pela ban­cada co­mu­nista foi ainda a di­fe­rença de tra­ta­mento dada aos que de­sen­volvem esta ac­ti­vi­dade, pondo em xeque o prin­cípio cons­ti­tu­ci­onal da igual­dade dos ci­da­dãos pe­rante a lei. Bruno Dias, a este res­peito, lem­brou as exi­gên­cias que são co­lo­cadas ao sector do táxi, um sector re­gu­lado, com re­gras de li­cen­ci­a­mento e de acesso à ac­ti­vi­dade. Re­gu­la­men­tação que de­ter­mina as «ca­rac­te­rís­ticas dos veí­culos, con­tin­gentes, for­mação, ap­tidão e cer­ti­fi­cação dos mo­to­ristas, re­gime de preços», es­pe­ci­ficou o de­pu­tado do PCP, ob­ser­vando que tudo isto se aplica e exige ao sector do táxi, ao mesmo tempo que há quem «não cumpra ne­nhuma destas re­gras e se apre­sente como es­tando acima de lei».

 O crime com­pensa?

 Pela voz de Hugo Costa, o PS mos­trou-se dis­po­nível para o de­bate, de­fen­dendo que «não po­demos ter leis que não sejam cum­pridas», mas res­salvou que qual­quer ini­ci­a­tiva le­gis­la­tiva deve es­perar pelas con­clu­sões do grupo de tra­balho criado pelo Go­verno para ana­lisar esta ma­téria. Do lado do PSD e do CDS as­sistiu-se a um dis­curso dúbio, com ambos a dis­cor­rerem sobre a ne­ces­si­dade de que se cumpra a lei, di­zendo si­mul­ta­ne­a­mente que «não se pode re­jeitar a ino­vação» e que a «Uber tem cli­entes e a sua quota de mer­cado cresce» (Carlos Silva, PSD), «era o que fal­tava não aceitar novas formas de ne­gócio» (Hélder Amaral, CDS).

Já trans­pa­rente e sem am­bi­gui­dades emergiu do de­bate a po­sição do PCP re­cla­mando pela adopção de me­didas – e este é o grande ob­jec­tivo da sua ini­ci­a­tiva le­gis­la­tiva – que ga­rantam que a «lei é igual para todos e para que não per­ma­neça essa ideia de que o crime com­pensa». É que, como foi dito por Bruno Dias, este não foi um de­bate sobre «tec­no­lo­gias, nem pla­ta­formas, nem apli­ca­ções, nem ino­vação». Foi, sim, sobre o re­forço de me­didas dis­su­a­soras e sobre a «efi­cácia dos me­ca­nismos pro­ces­suais na fis­ca­li­zação e no com­bate à ac­ti­vi­dade ilegal no trans­porte de táxi».

Só acordar agora...

Bruno Dias chamou-lhe «ex­tra­or­di­nária co­re­o­grafia», mas talvez mais apro­pri­a­da­mente se pu­desse chamar ver­da­deiros exer­cício de tra­pézio às in­ter­ven­ções das ban­cadas da di­reita, di­zendo «tudo e o seu con­trário». Ale­garam que a pro­posta do PCP não re­solve os pro­blemas do sector ao mesmo tempo, cri­ti­cando si­mul­ta­ne­a­mente o Go­verno pela au­sência de me­didas. «Por que é que o PS não impõe o cum­pri­mento da lei?», in­quiriu, por exemplo, Fá­tima Ramos (PSD).

O de­pu­tado do PCP fez um apelo à me­mória dos de­pu­tados para lem­brar que du­rante os úl­timos quatro anos quem es­teve no Go­verno foi o PSD e o CDS e nada fi­zeram – «ri­go­ro­sa­mente nada», in­sistiu – para re­solver os pro­blemas do sector.

E acusou o PSD de an­te­ri­or­mente ter es­tado pa­ra­li­sado à es­pera de ori­en­ta­ções vindas de Bru­xelas e de só agora apa­recer a falar do pro­blema «quando fi­nal­mente apa­recem so­lu­ções».

E sobre a ten­ta­tiva de des­va­lo­rizar a pro­posta do PCP, con­si­de­rando-a ir­re­le­vante – «a pro­posta é para mais multas e não re­solve nada», disse o de­pu­tado la­ranja Paulo Rios de Oli­veira –, indo ao fundo da questão, Bruno Dias es­cla­receu que não é de so­menos en­con­trar com ur­gência uma me­dida es­pe­cí­fica, os «me­ca­nismos de pro­ce­di­mento, de fis­ca­li­zação e res­pec­tivas con­sequên­cias» para res­ponder a quem, sen­tindo-se acima da lei – como é o poder eco­nó­mico das mul­ti­na­ci­o­nais – «re­corre à li­ti­gância de má fé, aos re­cursos, nem se im­porta de pagar coimas desde que isso per­mita manter a má­quina a andar e con­ti­nuar a es­magar de forma des­leal e ilegal a con­cor­rência».

E por isso, di­ri­gindo a per­gunta a todas as ban­cadas, ques­ti­onou se acaso têm medo de que se cumpra a lei. «Têm medo de que a lei seja igual para todos? Que seja efec­ti­va­mente fis­ca­li­zada e seja ga­ran­tido o cum­pri­mento da le­gis­lação?», in­quiriu.

Pre­ca­ri­e­dade à solta

Le­vadas ao de­bate pela ban­cada co­mu­nista foram também as con­di­ções de tra­balho di­fí­ceis e por vezes de grande pre­ca­ri­e­dade a que estão su­jeitos os pró­prios mo­to­ristas de táxi.

Con­di­ções que exigem atenção e res­posta e que são elas pró­prias con­sequência da pre­ca­ri­e­dade em que o sector do táxi se en­contra no seu todo, se­gundo Bruno Dias.

E a questão que em sua opi­nião se co­loca é a se­guinte: se os tra­ba­lha­dores mo­to­ristas estão hoje con­fron­tados com essas di­fi­cul­dades, que dis­cussão terá de fazer-se re­la­ti­va­mente ao facto de essas mul­ti­na­ci­o­nais – que não têm ne­nhum dos re­qui­sitos que são exi­gidos aos táxis – apre­sen­tarem ní­veis de pre­ca­ri­e­dade e ex­plo­ração muito mais graves, como se tem ve­ri­fi­cado em inú­meros países.

Daí o PCP querer ir mais longe na dis­cussão dos pro­blemas do sector, tendo até pre­sente que já há de­ci­sões ju­di­ciais e pa­re­ceres do Ins­ti­tuto da Mo­bi­li­dade e dos Trans­portes no sen­tido de con­si­derar ile­gais as ope­ra­ções dessas mul­ti­na­ci­o­nais, apre­sen­tadas por al­guns como o «supra-sumo da mo­der­ni­dade».

O pro­blema é de le­ga­li­dade

«Ino­vação» e «de­sen­vol­vi­mento tec­no­ló­gico» foram vo­cá­bulos re­pe­ti­da­mente uti­li­zados no lé­xico das ban­cadas à di­reita, apa­ren­te­mente des­lum­bradas pela mo­der­ni­dade que as en­forma. «O de­sen­vol­vi­mento tec­no­ló­gico não apa­receu agora. Nem se­quer apa­receu em 2014. E as novas tec­no­lo­gias que dei­xaram os se­nhores de­pu­tados bo­qui­a­bertos é coisa que já acon­tecia no sector do táxi, vejam bem», iro­nizou Bruno Dias, di­ri­gindo-se às ban­cadas do PSD e do CDS, a quem lem­brou que há muito que o sector do táxi uti­liza pla­ta­formas tec­no­ló­gicas e que estas já exis­tiam antes de as mul­ti­na­ci­o­nais che­garem ao nosso País.

«E uti­liza-as cum­prindo a lei, têm cor­rido bem, estão li­gadas para o sector do táxi, não estão li­gadas para ser­viços de trans­portes que estão à margem da lei, como é o caso da Uber», su­bli­nhou.

Daí con­si­derar que o pro­blema não é de tec­no­logia, é de le­ga­li­dade. É saber se se aceita que haja al­guém que pode em vi­o­lação da lei as­sumir uma po­sição do­mi­nante no mer­cado para impor a sua lei, es­magar a con­cor­rência e su­jeitar os pas­sa­geiros e utentes a con­di­ções to­tal­mente abu­sivas, como já acon­tece em vá­rios países na Eu­ropa e no resto do mundo.

E en­ten­dendo que o pro­blema é também de con­cor­rência, con­si­derou que aquilo que PSD e CDS vêem como «ino­vação» mais não é afinal do que a porta aberta para que a Uber pra­tique os preços que quiser e que os au­mente quando quiser, como por exemplo acon­teceu em Lon­dres no ano pas­sado em que au­mentou 300 por cento a ta­rifa porque na­quele dia não havia me­tro­po­li­tano.

«Ou ino­vação é não haver mo­to­rista com cer­ti­fi­cação pro­fis­si­onal ou se­guro para pro­tecção es­pe­cí­fica dos pas­sa­geiros porque não é pre­ciso, en­quanto que para a con­cor­rência é pre­ciso?», ques­ti­onou Bruno Dias.

 



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