Os condenados

Correia da Fonseca

Ao contrário do que sucedia há uns largos meses, a televisão pouco nos fala agora da Grécia. Aconteceu, porém, na passada segunda-feira: pelo menos a SIC informou-nos da grande subida de suicídios entre os gregos e da sua directa relação com as medidas da chamada austeridade impostas pelo grupo (alguns chamam-lhe bando) capitaneado pelo dr. Schauble que, como bem se sabe, tem devotados e obedientes seguidores em diversos lugares da Europa. Embora breve e nada desenvolvida, a notícia suscita várias reflexões. Talvez antes de quaisquer outras, a de que o binómio Economia-Finanças pode ter consequências letais, isto é, mata. Porventura logo a seguir, a de que a chamada política de austeridade também por cá andou graças às obedientes mãos do dr. Passos Coelho e seus colaboradores por sinal também passíveis de serem chamados colaboracionistas, e contudo nada se sabe acerca da sua provável incidência sobre a taxa de suicídios entre a população portuguesa. Sabe-se, isso sim, que os portugueses são feitos da mesma massa dos gregos, isto é, que são humanos e vulneráveis. Sabe-se que, entre eles, houve milhares que muito sofreram. Quantos, depois disso, morreram em condições que os brasileiros designam por «morte matada», isto é, quantos foram de facto assassinados ainda que a morte tenha acontecido pelas suas próprias mãos, não se sabe, nada foi divulgado. Talvez para evitar o que é designado por «efeito de contágio». Talvez por outros motivos.

Uma última forma

Contudo, escusado seria dizê-lo, esse seria um dado importante porque isto da morte e da vida ou, dizendo-o de outro modo, da morte e da sobrevivência, não é assunto menor, e até pode parecer um pouco estranho que as diversas operadoras de televisão, que tanto apreciam falar de desgraças, mortes e assuntos correlativos, nunca se tenham aplicado a investigar o assunto. É claro que se trata de um tema melindroso, mas há temas melindrosos que são para abordar em função do seu relevo social ou outro. De alguns governantes, situados ou não no topo de estruturas tirânicas, diz-se que têm as mãos manchadas de sangue ainda que em sentido figurado. De que estarão manchadas as mãos de quem, por decisões de governo porventura inspiradas pelas mais santas intenções e baseadas nos mais volumosos tratados de economia neoliberal, empurrou para o suicídio concidadãos que sucessivamente perderam o emprego, o tecto, os meios para alimentarem adequadamente os filhos, a esperança, até o enleio perante uma esmola recebida? Sabe-se vagamente ou apenas se adivinha que são muitos, mas é saber pouco. Em verdade, seria quase um último dever nacional de solidariedade sabermos quantos foram, afinal, condenados à morte, à peculiar forma de morte que é o suicídio. Nem se fala em tirar consequências, bem se sabe que há formas de agressão mortal que escapam aos tratados de Direito e até se sabe que tem de ser assim. Mas saber deles, dos condenados, de quantos foram, é como uma última forma de os lembrarmos com a comoção a que eles têm direito. Eles, que terão terminado convencidos de que já não tinham direito a nada.




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