Bela Mandil é fonte de inspiração e ensinamentos para a luta da juventude

EVOCAÇÃO O PCP as­si­nalou, em Olhão, os 70 anos do Fes­tival da Ju­ven­tude de Bela Mandil, pro­mo­vido pelo MUD Ju­venil e re­pri­mido pelo fas­cismo. A jor­nada é exemplo para a luta das novas ge­ra­ções.

Em 1947, a ju­ven­tude batia-se co­ra­jo­sa­mente contra o fas­cismo

A evo­cação dos acon­te­ci­mentos de 23 de Março de 1947 constou de duas ini­ci­a­tivas re­a­li­zadas no con­celho de Olhão: a inau­gu­ração de uma ex­po­sição na bi­bli­o­teca mu­ni­cipal e uma sessão pú­blica no salão nobre da Junta de Fre­guesia de Pe­chão, onde se situa a mata de Bela Mandil. Em ambas, evocou-se um acon­te­ci­mento his­tó­rico de ine­gável im­por­tância no qual os co­mu­nistas es­ti­veram pro­fun­da­mente en­vol­vidos, ao mesmo tempo que pro­cu­raram re­tirar dele os en­si­na­mentos ne­ces­sá­rios para, com­pre­en­dendo o pas­sado, me­lhor pro­jec­tarem a luta no pre­sente e no fu­turo.

Foi o que fez Vasco Car­doso, da Co­missão Po­lí­tica, na inau­gu­ração da ex­po­sição «Dando Asas aos Me­lhores So­nhos da Ju­ven­tude», que reuniu perto de 40 pes­soas na bi­bli­o­teca mu­ni­cipal de Olhão. Na in­ter­venção que aí pro­feriu, o di­ri­gente co­mu­nista de­nun­ciou os grandes in­te­resses eco­nó­micos que pro­mo­veram a as­censão e con­so­li­dação do fas­cismo em Por­tugal, sob a in­fluência ide­o­ló­gica das cor­rentes mais re­ac­ci­o­ná­rias da Eu­ropa de então. O fas­cismo, acres­centou, foi a «brutal re­acção dos grandes in­te­resses eco­nó­micos contra a Re­pú­blica ins­tau­rada em 1910 e contra o mo­vi­mento ope­rário».

Pela sua na­tu­reza – que o PCP ca­rac­te­rizou como sendo a de uma «di­ta­dura ter­ro­rista dos mo­no­pó­lios as­so­ci­ados ao im­pe­ri­a­lismo es­tran­geiro e dos la­ti­fun­diá­rios» –, o fas­cismo in­ter­veio para ace­lerar a con­cen­tração ca­pi­ta­lista e a ex­plo­ração das co­ló­nias, ao mesmo tempo que prendeu, tor­turou e as­sas­sinou os que se lhe opu­nham e se ba­tiam pela de­mo­cracia, o pro­gresso so­cial e a paz. A re­pressão em Bela Mandil (ver caixa) in­sere-se nesta ló­gica.

Para lá das li­ções que a pró­pria his­tória deixa, desde logo quanto à na­tu­reza de classe do fas­cismo e ao valor da luta para con­quistar di­reitos e em­pre­ender pro­fundas trans­for­ma­ções so­ciais, Vasco Car­doso pro­jectou a com­ba­ti­vi­dade dos jo­vens reu­nidos há 70 anos em Bela Mandil para as lutas que são hoje tra­vadas no Al­garve pelo di­reito a viver e a pro­duzir na Ria For­mosa, contra o de­sem­prego e a pre­ca­ri­e­dade, pela re­cu­pe­ração dos sec­tores pro­du­tivos, em de­fesa dos ser­viços pú­blicos e pela abo­lição das por­ta­gens na A25.

Luta con­tinua

A sessão pú­blica, à qual com­pa­re­ceram mais de 70 pes­soas, foi di­ri­gida por Se­bas­tião Co­elho, ve­re­ador na Câ­mara de Olhão e membro da Co­missão Con­ce­lhia do PCP. Com ele na mesa es­tavam também o pre­si­dente da Junta de Fre­guesia de Pe­chão (que saudou a ini­ci­a­tiva), a an­tiga di­ri­gente do MUD Ju­venil Maria da Pi­e­dade Mor­ga­dinho, a his­to­ri­a­dora Maria João Ra­mi­nhos Du­arte e ainda Kaoê Ro­dri­gues, da JCP.

Co­me­çando por re­jeitar qual­quer sau­do­sismo na evo­cação dos acon­te­ci­mentos de Bela Mandil, Maria da Pi­e­dade Mor­ga­dinho su­bli­nhou a ne­ces­si­dade de as novas ge­ra­ções sa­berem «quanto custou a li­ber­dade e que os di­reitos de que hoje usu­fruímos não nos foram ofe­re­cidos numa ban­deja; foram, sim, o fruto da luta con­se­quente de muitas ge­ra­ções». Para a an­tiga ac­ti­vista e di­ri­gente do MUD Ju­venil, Bela Mandil é um sím­bolo de todos quantos «não se con­for­maram com a si­tu­ação em que se en­con­travam, não ca­pi­tu­laram pe­rante as di­fi­cul­dades, não cru­zaram os braços e foram à luta, com de­ter­mi­nação, co­ragem, ale­gria, con­fi­ança e uma enorme von­tade de vencer». Daí cons­ti­tuir também uma «fonte de ins­pi­ração, de en­si­na­mentos e ex­pe­ri­ência para a luta que a ju­ven­tude trava hoje», em con­di­ções to­tal­mente di­fe­rentes mas nem por isso menos exi­gentes e com­plexas.

Destas con­di­ções e res­pec­tivas exi­gên­cias falou Kaoê Ro­dri­gues, da JCP, que apontou as prin­ci­pais ra­zões da luta da ju­ven­tude em Por­tugal, de entre as quais so­bressai a de­fesa da es­cola pú­blica e do tra­balho com di­reitos. As pri­o­ri­dades de acção da JCP também foram su­bli­nhadas na in­ter­venção do jovem co­mu­nista, que des­tacou a re­a­li­zação este ano, em Sotchi, na Rússia, do XIX Fes­tival Mun­dial da Ju­ven­tude e dos Es­tu­dantes, re­a­li­zado 70 anos após o pri­meiro, em Praga. Muito em­bora as con­di­ções te­nham mu­dado, as ban­deiras de luta – paz, pro­gresso, jus­tiça so­cial – são as mesmas, des­tacou o jovem di­ri­gente co­mu­nista.

His­tória viva

Maria João Ra­mi­nhos Du­arte en­qua­drou o Fes­tival de Bela Mandil na acção mais geral do MUD Ju­venil na re­gião, re­ve­lando quais os seus prin­ci­pais nú­cleos no Al­garve e as ra­zões para a es­colha desse local para a re­a­li­zação do fes­tival. O fun­ci­o­na­mento da ini­ci­a­tiva, a re­pressão que se abateu sobre os par­ti­ci­pantes, o papel dos mais des­ta­cados di­ri­gentes do MUD Ju­venil e qua­dros do PCP na re­gião foram também as­pectos fo­cados pela au­tora de uma obra sobre a re­sis­tência ao fas­cismo em Silves e no Al­garve.

Das vá­rias in­ter­ven­ções pro­fe­ridas pelo pú­blico pre­sente, in­cluíram-se as de al­guns re­sis­tentes an­ti­fas­cistas al­gar­vios, que dei­xaram o seu tes­te­munho acerca da luta que também ali se travou du­rante os 48 anos de fas­cismo. Na as­sis­tência en­con­trava-se Fran­cisco Ca­la­fate, que aos 14 anos par­ti­cipou no fes­tival, jun­ta­mente com o seu pai. Hoje com 84 anos, o «Xico Ca­la­fate» de­sen­volve a sua mi­li­tância em Vila Real de Santo An­tónio, par­ti­cu­lar­mente em ta­refas re­la­ci­o­nadas com a dis­tri­buição do Avante!.

A sessão ter­minou com po­esia, de­cla­mada por Luís Vi­cente, actor, en­ce­nador e di­rector da Com­pa­nhia de Te­atro do Al­garve. Longe de cons­ti­tuir um mero apon­ta­mento cul­tural, o mo­mento poé­tico fez jus ao pró­prio MUD Ju­venil, que foi à data um im­por­tante es­paço de pro­moção da cul­tura junto da ju­ven­tude. 

  
Es­cola de ci­vismo e de­mo­cracia

A 23 de Março de 1947 perto de mil jo­vens, na sua mai­oria do Al­garve, reu­niram-se na mata de Bela Mandil para par­ti­ci­parem num fes­tival pro­mo­vido pelo MUD Ju­venil, com um rico pro­grama de pa­les­tras, can­ções, re­ci­tais de po­esia e dança. Esta acção in­seriu-se na Se­mana da Ju­ven­tude que, por todo o País, deu o mote a múl­ti­plas ini­ci­a­tivas como reu­niões pú­blicas, fes­ti­vais, ses­sões cul­tu­rais e des­por­tivas, pas­seios e acam­pa­mentos, que ti­nham os pro­blemas e as­pi­ra­ções da ju­ven­tude e a de­manda de li­ber­dade como ques­tões cen­trais.

Muito em­bora ti­vesse um ca­rácter legal, o fes­tival de Bela Mandil foi cer­cado por um forte con­tin­gente po­li­cial, numa acção con­cer­tada entre a PIDE, a PSP e a GNR. In­ti­mados pelas forças re­pres­sivas a aban­do­narem o local, os jo­vens se­guiram sob es­colta até à es­tação de com­boios, nunca dei­xando de ma­ni­festar o seu apego à li­ber­dade e o seu re­púdio pela re­pressão e, no caso con­creto, pela proi­bição do fes­tival. O hino na­ci­onal foi uma vez mais uma canção de pro­testo contra os que ven­diam a pá­tria ao im­pe­ri­a­lismo e rou­bavam ao seu povo a li­ber­dade e os di­reitos. Co­ro­nhadas e ra­jadas de me­tra­lha­dora foi a res­posta do fas­cismo.

Des­ba­ra­tado o fes­tival, a luta da ju­ven­tude não só não des­fa­leceu como se re­forçou, à me­dida que o MUD Ju­venil – que o fas­cismo só con­se­guiu ile­ga­lizar em 1957 – se afir­mava como a van­guarda da luta ju­venil pela li­ber­dade. Cons­truído com grande par­ti­ci­pação do PCP, o MUD Ju­venil teve uma exis­tência di­fícil, mas exal­tante. Como su­bli­nhou na sessão Maria da Pi­e­dade Mor­ga­dinho, ele «co­nheceu per­se­gui­ções, pri­sões, hu­mi­lha­ções, con­de­na­ções e até as­sas­si­natos», o que não o im­pediu de de­sen­volver uma «con­si­de­rável ac­ti­vi­dade em de­fesa dos di­reitos e das as­pi­ra­ções mais pro­fundas da nossa ju­ven­tude»: pelo di­reito ao tra­balho e ao en­sino; contra o obs­cu­ran­tismo e pela de­mo­cra­ti­zação da ins­trução, da cul­tura e do des­porto; pela paz e pela li­ber­tação dos presos po­lí­ticos; pela ami­zade com os povos das co­ló­nias por­tu­guesas e pela so­li­da­ri­e­dade com a sua luta pela in­de­pen­dência; pela co­o­pe­ração com or­ga­ni­za­ções de­mo­crá­ticas ju­venis de ou­tros países.

Ponto de en­contro de «mi­lhares de ra­pazes e ra­pa­rigas que fi­zeram dele um es­paço de con­vívio, de in­ter­venção cí­vica, po­lí­tica, cul­tural, uma arma de luta contra a opressão», o MUD Ju­venil cons­ti­tuiu ainda uma «es­cola de ci­vismo e de­mo­cracia que des­pertou a cons­ci­ência e ar­rancou do imo­bi­lismo e do con­for­mismo im­por­tantes ca­madas ju­venis», con­cluiu Maria da Pi­e­dade Mor­ga­dinho.




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