Já não é dia de Natal

João Frazão

Está che­gado ao fim o «dia de ser bom». O «dia de passar a mão pelo rosto das cri­anças, de falar e de ouvir com ma­vioso tom, de abraçar toda a gente e de ofe­recer lem­branças».

Não foi se­gu­ra­mente a pensar nas in­con­tá­veis ma­ni­fes­ta­ções de ca­ri­da­de­zinha que Ge­deão es­creveu as sá­bias pa­la­vras com que inicia o seu poema.

Nem terá sido para des­crever o ac­ti­vismo de quem faz modo de vida o estar em tudo, sempre a con­solar os «ou­tros – coi­ta­di­nhos – os que pa­decem», para lhes dar «co­ragem para po­derem con­ti­nuar a aceitar a sua mi­séria», que o autor da Pedra Fi­lo­sofal nos brindou com tão ac­tuais pen­sa­mentos.

Mas lem­bramo-nos deles quando vemos al­guns a pedir para que se res­ponda, nestes dias, aos pro­blemas das pes­soas, en­quanto re­clamam que a po­lí­tica não saia das baias que nos prendem a com­pro­missos in­ter­na­ci­o­nais, e que, de­sig­na­da­mente, se ponha pri­meiro que tudo a «cor­recta tra­jec­tória de re­dução do dé­fice or­ça­mental» ou que não se avance de forma tão cé­lere na re­po­sição de roubos per­pe­trados pelo go­verno an­te­rior, porque se há coisa des­car­tável são os di­reitos dos tra­ba­lha­dores da ad­mi­nis­tração pú­blica.

Sa­bemos bem que os afectos não são coisa apenas deste Natal, até porque a cor­rida de quem os dá, como a vida bem mostra, é de fundo e não se presta a pre­ci­pi­ta­ções.

Mas também sa­bemos que os pro­jectos e ob­jec­tivos, pes­soais e po­lí­ticos, por trás desta acção, pro­curam as­se­gurar as con­di­ções seja para a tal «sen­satez or­ça­mental e li­ber­dade de es­colha nas elei­ções par­la­men­tares que de­fi­nirão o go­verno na pró­xima le­gis­la­tura», como se pode ler na men­sagem pre­si­den­cial que este ano acom­panha a pro­mul­gação do Or­ça­mento do Es­tado, even­tu­al­mente a so­nhar com blocos cen­trais de má me­mória e no re­tomar con­teúdos es­sen­ciais da po­lí­tica de di­reita, seja para manter a margem de ma­nobra para que sua pa­lavra seja ainda e sempre in­con­tes­tada.

Mesmo que para isso o fre­nesim leve a que se tente plantar a ár­vore ainda dentro do vaso que lhe prende as raízes.




Mais artigos de: Opinião

Lutar pela Paz!

A apresentação na Assembleia-geral das Nações Unidas de uma resolução que se demarca, mesmo que sem explicitação directa, da decisão dos EUA de reconhecerem Jerusalém como capital de Israel, assim como o resultado da sua votação –...

Travar a Altice e o seu paradigma

Em linha com o que o Par­tido con­cluiu no XX Con­gresso, a si­tu­ação na co­mu­ni­cação so­cial é mar­cada pela in­ten­si­fi­cação do pro­cesso de con­cen­tração e con­trolo do grande ca­pital, fi­nan­ceiro e mul­ti­na­ci­onal, nos grupos eco­nó­mico-me­diá­ticos, com as con­sequên­cias à vista.

Cacarejando

O movimento social-democrata «Portugal Não Pode Esperar», dinamizado pelo ex-líder da Juventude Social Democrata Pedro Rodrigues, apresentava-se há um ano na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa como um grupo «sério mas sereno», vocacionado para fazer a ponte...

Este país não é para bebés

Os dados não estão completamente fechados porque o ano ainda não acabou, mas tudo indica que o número de nascimentos vai diminuir em 2017. Esta descida interromperá três anos de ligeira recuperação, depois da enorme quebra verificada entre 2010 e 2013, em que...

A Bolsa ou a vida

Este não é um texto natalício. Os EUA vão vender aos fascistas que instalaram no poder na Ucrânia mais de 41,7 milhões de dólares em armamento (Washington Post, 20.12). Em Junho Trump, o caixeiro-viajante da indústria armamentista dos EUA, fora à Arábia...