O Mundo ao contrário

Ângelo Alves

Há um mês que um es­pião bri­tâ­nico e a sua filha foram ata­cados em con­di­ções ainda por cla­ri­ficar e en­voltas em con­tro­vérsia. As in­ter­ro­ga­ções sobre a quem in­te­res­saria este epi­sódio e sobre quem o teria or­de­nado e con­cre­ti­zado adensam-se cada vez mais. Apesar de o Go­verno russo negar a acu­sação do en­vol­vi­mento no caso; apesar de não haver até agora quais­quer provas dessa acu­sação; e apesar de o Go­verno russo ter sido im­pe­dido de par­ti­cipar numa in­ves­ti­gação in­ter­na­ci­onal sobre o ataque, a «co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal», de­vi­da­mente ori­en­tada por Lon­dres, Berlim e Washington, mo­bi­liza-se na ex­pulsão de di­plo­matas russos, ameaça com mais san­ções e é de de­sen­ca­deada uma imensa cam­panha me­diá­tica contra «os russos» e em de­fesa do «di­reito in­ter­na­ci­onal».

No pas­sada Sexta Feira Santa, o exér­cito is­ra­e­lita de­sen­ca­deou uma cri­mi­nosa ope­ração contra os pa­les­ti­ni­anos que pa­ci­fi­ca­mente se ma­ni­fes­tavam, em ter­ri­tório pa­les­ti­niano, as­si­na­lando o Dia da Terra. Usando tan­ques, aviões de com­bate, drones e mais de uma cen­tena de franco-ati­ra­dores a má­quina de guerra si­o­nista as­sas­sinou 16 ma­ni­fes­tantes e feriu ou­tros 1000. A au­toria do ataque é inequí­voca e as­su­mida pelos seus au­tores – o go­verno si­o­nista de Is­rael e o seu exér­cito – os mesmos que re­cusam ter­mi­nan­te­mente qual­quer in­ves­ti­gação in­ter­na­ci­onal sobre o su­ce­dido.

Ora, até ao mo­mento não se co­nhece que um único di­plo­mata is­ra­e­lita tenha sido ex­pulso de onde quer que seja. Não há ci­meiras me­diá­ticas que de­clarem uni­dade em de­fesa do povo pa­les­ti­niano e do di­reito in­ter­na­ci­onal e os dis­cursos in­fla­mados de in­dig­nação não en­chem pá­ginas de jor­nais do cha­mado «mundo oci­dental». Que se saiba nin­guém quer ouvir falar de san­ções a Is­rael. O Se­cre­tário Geral da ONU diz-se «pre­o­cu­pado» e a co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nante apre­senta o crime como um «con­flito».

Como dizem as cri­anças, é o Mundo ao con­trário. Di­zemos nós: é o Mundo da men­tira, da hi­po­crisia e dos crimes do im­pe­ri­a­lismo. Mas também dos que re­sistem e não de­sistem.

 



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