Problema de classe

Manuel Rodrigues

«Agri­cul­tura perdeu cem mil mu­lheres desde che­gada da troika», ti­tu­lava o DN na sua edição de 2 de Abril. Em seis anos de­sa­pa­receu dos campos me­tade da força de tra­balho fe­mi­nina, 101,4 mil mu­lheres.

Há quem con­si­dere esta si­tu­ação um sinal de pro­gresso, em re­sul­tado da me­ca­ni­zação da agri­cul­tura e do sur­gi­mento em grande força de ou­tras opor­tu­ni­dades de em­prego. Mas como bem lem­brou a CNA, o factor de­ter­mi­nante e que estes es­tudos quase sempre des­va­lo­rizam ou ig­noram é o de­sa­pa­re­ci­mento de mi­lhares de pe­quenas ex­plo­ra­ções agrí­colas, é a con­ti­nuada as­fixia da agri­cul­tura fa­mi­liar que se re­per­cute em par­ti­cular sobre quem nela mais tra­balha – as mu­lheres –, si­tu­ação agra­vada em 2017 por fe­nó­menos como a seca e os in­cên­dios.

Seja como for, são nú­meros que também des­mentem ve­lhas e novas te­o­rias que pre­tendem so­brepor a de­si­gual­dade de gé­nero à de­si­gual­dade de classe. É que, em quatro destes seis anos, a res­pon­sável di­recta pela pasta da agri­cul­tura no go­verno PSD/​CDS era mu­lher e ficou cé­lebre, entre ou­tros per­ga­mi­nhos, pela eu­ca­lip­ti­zação de­sen­freada, por uma nova lei vol­tada para a rou­ba­lheira dos bal­dios, por novos passos no des­man­te­la­mento de es­tru­turas de apoio à agri­cul­tura e aos pe­quenos e mé­dios agri­cul­tores (como é o caso da Casa do Douro), pela acen­tuada queda dos ren­di­mentos dos pe­quenos e mé­dios pro­du­tores e por um ataque des­pu­do­rado à agri­cul­tura fa­mi­liar e à sua es­tru­tura as­so­ci­a­tiva de apoio, rumo esse que o mi­nistro Ca­poulas Santos, no es­sen­cial, in­siste em pros­se­guir.

Razão tem o PCP ao re­clamar fi­nan­ci­a­mento, or­de­na­mento, es­tru­turas, me­didas efec­tivas de apoio, para ga­rantir ren­di­mento, pre­sença hu­mana, mundo rural vivo e flo­resta de uso múl­tiplo e or­de­nada.

Este não é, de facto, um pro­blema de gé­nero, mas de classe e de so­be­rania ali­mentar.

E maior pro­blema ainda: sem so­lução para ele não há fu­turo.




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