Questão nacional é indissociável da questão de classe

Gustavo Carneiro

EN­TRE­VISTA Ade­lina Es­can­dell e Alba Blanco, res­pec­ti­va­mente membro da Co­missão Exe­cu­tiva e res­pon­sável pelas re­la­ções in­ter­na­ci­o­nais dos Co­mu­nistas da Ca­ta­lunha, ex­pli­caram ao Avante! a com­plexa si­tu­ação que se vive na Ca­ta­lunha e as pers­pec­tivas e ta­refas dos co­mu­nistas.

A po­la­ri­zação da so­ci­e­dade ca­talã serve ob­jec­tivos po­lí­ticos

A si­tu­ação da Ca­ta­lunha tem pre­en­chido nos úl­timos anos pá­ginas de jor­nais e tempo de an­tena nos no­ti­ciá­rios. Numa so­ci­e­dade cres­cen­te­mente po­la­ri­zada, os co­mu­nistas es­forçam-se por manter a uni­dade e a de­fesa dos di­reitos so­ciais.

Avante! – Como ava­liam o de­sen­vol­vi­mento da si­tu­ação na Ca­ta­lunha na sequência da mu­dança de go­verno em Es­panha?

Alba Blanco (AB) – Com es­pe­rança. Es­tá­vamos a viver uma si­tu­ação de re­tro­cesso nos di­reitos so­ciais e de­mo­crá­ticos com o an­te­rior go­verno do Par­tido Po­pular, que rei­te­ra­da­mente e por ra­zões elei­to­ra­listas boi­co­tava os di­reitos do povo a de­cidir, a ma­ni­festar-se e a ex­pressar as suas as­pi­ra­ções.

Ade­lina Es­can­dell (AE) – In­clu­si­va­mente ne­gava o di­reito ao diá­logo ins­ti­tu­ci­onal entre o go­verno re­gi­onal e o go­verno cen­tral...

AB – … e com ati­tudes ir­res­pon­sá­veis, por exemplo em ma­téria de se­gu­rança. O go­verno do PP não au­to­rizou con­tactos entre os ser­viços de se­gu­rança ca­ta­lães e as po­lí­cias fe­de­rais. E ti­vemos o aten­tado nas Ram­blas de Bar­ce­lona... Se­gundo pa­rece, os ser­viços se­cretos do Es­tado Es­pa­nhol sa­biam que havia uma cé­lula ter­ro­rista na Ca­ta­lunha e que esta iria atacar, mas não in­for­maram. Es­pe­ramos que as coisas mudem com o go­verno do PSOE.

Como se po­si­ci­onam os Co­mu­nistas da Ca­ta­lunha em re­lação à questão na­ci­onal?

AE
– Os co­mu­nistas sempre se ba­teram pelo di­reito dos povos à au­to­de­ter­mi­nação. Rei­vin­di­camos a ce­le­bração de um re­fe­rendo sobre a in­de­pen­dência. Não es­tamos pela in­de­pen­dência e não a vamos de­fender, mas temos muito clara a ideia de que o povo ca­talão é um su­jeito po­lí­tico que deve poder de­cidir do seu des­tino. Que­remos um Es­tado mais con­fe­deral, onde pos­samos de­cidir do nosso fu­turo de igual para igual com o go­verno cen­tral e não como su­bor­di­nados.

Mas a causa da in­de­pen­dência tem vindo a ga­nhar ex­pressão...

AB – Em 2006, o Par­la­mento da Ca­ta­lunha aprovou o Es­ta­tuto de Au­to­nomia, que foi re­fe­ren­dado e en­viado às Cortes (par­la­mento fe­deral), que o re­jei­taram. A jus­ti­fi­cação foi a con­sa­gração, no Es­ta­tuto, da Ca­ta­lunha como nação dentro do Es­tado es­pa­nhol. Este é um pro­blema his­tó­rico, que vem do fran­quismo, cuja tese cen­tral era a de que a Es­panha era «una, grande e livre».

A tensão agu­dizou-se a partir daí?

AB – O apoio ao in­de­pen­den­tismo na Ca­ta­lunha situa-se his­to­ri­ca­mente nos 12 por cento e, em mo­mentos mais in­tensos, atingia 20 por cento. Ou seja, era re­la­ti­va­mente baixo. Mas a re­jeição do Es­ta­tuto, a de­gra­dação dos di­reitos na­ci­o­nais e a es­tra­tégia do PP de po­la­rizar as ques­tões na­ci­o­nais para daí re­tirar di­vi­dendos elei­to­rais (como antes tinha sido feito com o País Basco) fez crescer como es­puma o apoio ao in­de­pen­den­tismo, que está hoje nos 48 por cento.

AE – O pacto de Es­tado pós-tran­sição de­mo­crá­tica as­sen­tava num de­ter­mi­nado fun­ci­o­na­mento: o Par­la­mento da Ca­ta­lunha apro­vava o seu Es­ta­tuto, havia um re­fe­rendo e as Cortes apro­vavam-no. Ora, este pacto que­brou-se e muita gente que não era in­de­pen­den­tista passou a olhar para a in­de­pen­dência como forma de de­fender os di­reitos na­ci­o­nais do povo ca­talão. Há pes­soas presas por «re­be­lião», quando não houve qual­quer tipo de vi­o­lência. Nem se­quer um cai­xote do lixo foi quei­mado... Houve, sim, ma­ni­fes­ta­ções imensas, com rei­vin­di­cação e festa. O in­de­pen­den­tismo tem vindo a crescer por todas estas ra­zões. A so­ci­e­dade está muito po­la­ri­zada.

Numa so­ci­e­dade tão po­la­ri­zada, qual o es­paço po­lí­tico dos co­mu­nistas?

AB – O povo está di­vi­dido: em todas as fa­mí­lias há cons­ti­tu­ci­o­na­listas e in­de­pen­den­tistas. Pen­samos que um dos pa­péis dos co­mu­nistas é con­se­guir que os ca­ta­lães con­ti­nuem a ser um único povo e ga­rantir que os di­reitos na­ci­o­nais e os di­reitos de classe es­tejam sempre re­la­ci­o­nados. Não po­demos per­mitir que se di­vida os tra­ba­lha­dores pela sua po­sição face à questão na­ci­onal.

AE – A favor da in­de­pen­dência há bur­gueses e tra­ba­lha­dores e o mesmo su­cede entre os cons­ti­tu­ci­o­na­listas.

AB – A de­fesa dos va­lores de­mo­crá­ticos é outra das nossas ban­deiras. Por mais que não acom­pa­nhemos a rei­vin­di­cação de in­de­pen­dência, re­co­nhe­cemos o di­reito aos in­de­pen­den­tistas de o serem. Temos uma pos­tura de ra­di­ca­li­dade de­mo­crá­tica. Não temos ne­nhum di­ri­gente preso, mas seria pouco res­pon­sável fingir que não víamos o que se está a passar.

AE – O nosso Se­cre­tário-geral está a braços com um pro­cesso ju­di­cial por ter de­fen­dido, en­quanto de­pu­tado, que se dis­cu­tisse no Par­la­mento a questão da in­de­pen­dência. E, como já dis­semos, nós não somos in­de­pen­den­tistas, mas como não dis­cutir no Par­la­mento o que se de­bate na rua, o que pre­o­cupa as pes­soas?

Como ava­liam a União Eu­ro­peia?

AB – No nosso con­gresso, a dis­cussão sobre a Eu­ropa, a UE e as al­ter­na­tivas ocupou grande parte do de­bate. En­ten­demos que a UE não cor­res­ponde aos in­te­resses dos tra­ba­lha­dores e dos povos, pois só dá res­posta aos in­te­resses do grande ca­pital e dos fluxos fi­nan­ceiros. Que­remos ex­plorar al­ter­na­tivas que con­duzam à cons­trução de outro mo­delo de co­o­pe­ração no marco eu­ropeu mais con­forme aos in­te­resses dos povos.

Qual será o po­si­ci­o­na­mento dos Co­mu­nistas da Ca­ta­lunha nas elei­ções do pró­ximo ano para o Par­la­mento Eu­ropeu?

AB – Como par­tido não con­cor­remos a elei­ções, mas in­te­gramos a pla­ta­forma elei­toral Es­querda Unida e Al­ter­na­tiva. Neste mo­mento pro­cu­ramos cons­truir a uni­dade entre forças de es­querda ca­talãs, ex­pressa na pla­ta­forma Ca­ta­lunha em Comum, além de termos uma ali­ança elei­toral com o Po­demos. Ainda não fa­lamos em can­di­datos e lu­gares, mas em am­pliar ao má­ximo as bases so­ciais do mo­vi­mento.




Mais artigos de: Temas

«O PCE aposta na máxima unidade da esquerda transformadora»

EN­TRE­VISTA Pre­sente na Festa do Avante! em re­pre­sen­tação do Par­tido Co­mu­nista de Es­panha (PCE), Yo­landa Ro­dri­guez Gon­zalez, do se­cre­ta­riado do PCE e res­pon­sável pela área da con­ver­gência e uni­dade po­pular, con­cedeu ao Avante! uma en­tre­vista em que ex­plica ob­jec­tivos e prin­cí­pios do par­tido no ac­tual con­texto po­lí­tico-so­cial.

PCB participa activamente na política bielorrussa

EN­TRE­VISTA An­drei Kra­sil­nikov e Ilona Bakun, chefe e vice-chefe do De­par­ta­mento In­ter­na­ci­onal do Par­tido Co­mu­nista da Bi­e­lor­rússia, es­ti­veram na Festa do Avante! e deram a co­nhecer ao Avante! as­pectos re­le­vantes da si­tu­ação na­quele país e da ac­ti­vi­dade e or­ga­ni­zação do seu par­tido.

PCdoB quer recolocar o Brasil no caminho do progresso

EN­TRE­VISTA Ni­valdo San­tana, Se­cre­tário Sin­dical do Par­tido Co­mu­nista do Brasil (PCdoB), adi­antou ao Avante! as ex­pec­ta­tivas para as elei­ções do pró­ximo dia 7 de Ou­tubro, as mais ra­di­ca­li­zadas dos úl­timos anos no grande país sul-ame­ri­cano.