Não se queixem

Henrique Custódio

Há coisas que não se per­cebem, no cor­rupio pelas au­di­ên­cias te­le­vi­sivas e nas apre­sen­ta­ções de gre­lhas, como por exemplo a de­cisão da SIC em ex­tin­guir o pro­grama de co­men­tário po­lí­tico Qua­dra­tura do Cír­culo, que man­tinha há 14 anos e é ra­zo­a­vel­mente con­cei­tuado entre con­gé­neres – que, valha a ver­dade, são todos também ra­zo­a­vel­mente me­dío­cres. Ao que diz o Pú­blico, a RTP e a TVI já se de­su­nham em se­gredo para con­ti­nuar o pro­grama, o que le­vanta uma in­ter­r­ro­gação: será que os te­les­pec­ta­dores vão ga­nhar al­guma coisa com esta ba­gunça?

En­tre­tanto, agora que está pa­ci­fi­cada (até ver) a ge­rin­gonça do PPD/​PSD, as aten­ções te­le­vi­sivas con­cen­tram-se na «pro­ble­má­tica do Brexit», as­sunto que ocupa a pan­talha di­a­ri­a­mente.

In­to­xi­cados de in­for­mação, os por­tu­gueses ficam, em regra, mais con­fusos, mas as te­le­vi­sões en­car­regam-se de tanger as no­tí­cias para o redil das com­pre­en­sões ins­tan­tâ­neas. E há vá­rias, neste as­sunto do Brexit: pri­meiro, «os in­gleses não se en­tendem», se­gundo, a União Eu­ro­peia «não pode ceder mais» e ter­ceiro, tudo se há-de ar­ranjar, desde que o Reino Unido con­tinue «na Eu­ropa». É claro que nada disto é ex­presso, mas a se­lecção de no­tí­cias, co­men­tá­rios, ava­li­a­ções e pre­vi­sões en­ca­mi­nham a coisa.

O que nin­guém diz nada (ou não se ouve, o que vai dar no mesmo) é sobre o pe­cado ori­ginal da União Eu­ro­peia, que está na base do des­con­ten­ta­mento de vá­rios povos eu­ro­peus: o de fun­ci­onar em função dos grandes in­te­resses ca­pi­ta­listas, in­cluindo os do Reino Unido, que aplicam a di­ta­dura fi­nan­ceira dos dé­fices para sub­meter, todos, aos di­tames da es­pe­cu­lação fi­nan­ceira e bol­sista das eco­no­mias, es­que­cendo por com­pleto os ideiais de so­li­da­ri­e­dade e en­tre­a­juda que ser­viram de ce­noura para atrair novos mem­bros ao con­clave dos po­de­rosos, que foi no que se tornou a União Eu­ro­peia.

As no­tí­cias, co­men­tá­rios e es­pe­cu­la­ções que os ca­nais nos trans­mitem sobre o Brexit partem de um prin­cípio as­su­mido como ina­mo­vível: a UE sob a ba­tuta da Ale­manha e cor­re­la­tivos, tan­gida pelos dé­fices e suas de­cor­rên­cias di­ta­to­riais, é a re­a­li­dade in­dis­cu­tível em que se move tudo e é o único pano de fundo para a ne­go­ci­ação de um Brexit.

A UE, re­gida pelo grande ca­pital, quis mos­trar que nin­guém pode ousar sair desta União ao fus­tigar a Grécia com im­po­si­ções eco­nó­micas ca­tas­tró­ficas. Com o Brexit in­siste na mesma tecla, afron­tando o Reino Unido e ar­vo­rando-se em dona da mansão que não ad­mite um risco no so­alho, quando o edi­fício, a co­lapsar, ca­rece de obras pro­fundas.

É claro que os donos da UE não farão as obras, pro­fundas ou não, pois está na na­tu­reza do ca­pi­ta­lismo não re­cuar um mi­lí­metro na sua vo­ra­ci­dade ra­pace. Mas de­pois não se queixem...




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