Concerto Sinfónico

«Tenho tanto orgulho no nosso partido!»

Pedro Tadeu

Maria, Te­resa e Joana en­tram, sexta-feira à noite, no largo cír­culo rel­vado que serve de pla­teia ao Palco 25 de Abril, meia-hora antes de co­meçar o con­certo sin­fó­nico «Do Ro­man­tismo ao Mo­der­nismo».

Joana car­rega umas ca­deiras brancas, de plás­tico, «rou­badas» não sei onde. Te­resa traz uma pe­quena mo­chila e dá o braço es­querdo a Maria que, na outra mão, se apoia numa ben­gala.

Topo-as a cruzar, len­ta­mente, o re­cinto e in­vento-lhes aqueles nomes. Pa­recem avó, mãe e neta. Idades, talvez, dos 30 aos 80 anos. Não trazem ban­deiras, não exibem cra­chás, não vestem t-shirts com pa­la­vras de ordem.

Ca­mi­nham, len­ta­mente, até uma zona mais en­qua­drada com o palco, mas, talvez por ti­midez, não ex­ces­si­va­mente cen­tral. Joana poisa as ca­deiras e, com Te­resa, ajuda Maria a sentar-se.

Às 21h53 co­meça a soar na apa­re­lhagem mais po­tente da Festa do Avante! a nota pedal com que se inicia a versão da Car­va­lhesa, ar­ran­jada por Fausto: aquela que serve de in­di­ca­tivo para o início e fim dos es­pec­tá­culos. De todos os lados acorrem ao cha­ma­mento, pu­lando ao ritmo sal­ti­tante da mú­sica, mi­lhares de pes­soas.

Cân­dido Mota apre­senta e ex­plica a obra de Men­delsson, que abre a sessão: a Aber­tura para Or­questra Ruy Blas «com­posta no ano se­guinte ao sur­gi­mento do drama que lhe serve de epó­nimo: a per­so­nagem Ruy Blas, criada em 1838 pelo dra­ma­turgo francês Victor Hugo, dando corpo à ideia do plebeu que cor­teja uma dama da aris­to­cracia».

É a luta de classes? Po­demos, por graça, dizer que sim, mas no gé­nero ro­mân­tico, como con­clui o apre­sen­tador: «O plebeu Ruy Blas en­ga­nará a corte até se tornar pri­meiro-mi­nistro! Sendo de­pois de­nun­ciado... sui­cida-se!».

A Or­questra Sin­fo­ni­etta de Lisboa, di­ri­gida pelo ma­estro Vasco Pe­arce de Aze­vedo, enche o palco, toca esta peça e a parte mais bri­lhante da sin­fonia Re­nana, de Ro­bert Schuman.

Os mé­ritos do ma­estro e da or­questra são evi­dentes, mas este ano são ainda mais be­ne­fi­ci­ados por um in­ves­ti­mento na me­lhoria da am­pli­fi­cação so­nora que fa­vo­rece, em re­lação a con­certos an­te­ri­ores, quem está a ouvir numa zona mais re­cuada da pla­teia.

Cân­dido Mota apre­senta, a se­guir, o Trio Ada­mastor, so­lista da peça que se segue: o Triplo Con­certo de Be­ethoven.

Meu Deus, os três jo­vens deste «Ada­mastor», ao longe, pa­recem umas cri­anças!... Mas como tocam bem – por al­guma razão, como ex­plicou o apre­sen­tador, ga­nharam o Prémio Jo­vens Mú­sicos de 2017 da An­tena 2.

A maior ve­deta deste con­certo é, porém, An­tónio Ro­sado, um dos mais im­por­tantes pi­a­nistas por­tu­gueses que «ataca» a fase «mo­der­nista» do con­certo com uma in­ter­pre­tação so­berba de um con­junto de va­ri­a­ções com­postas por Sergei Ra­ch­ma­ni­noff. O pú­blico fica si­de­rado.

Mau­rice Ravel é ex­ci­tante – e a au­di­ência trans­mite essa ex­ci­tação quando a Or­questra Sin­fo­ni­etta de Lisboa fi­na­liza o es­pec­tá­culo com a in­ter­pre­tação de A Valsa.

Ma­estro e so­listas re­cebem cravos, que são também ati­rados sobre a or­questra. Exige-se o en­core.

Sur­presa: o ma­estro Vasco Pe­arce de Aze­vedo pre­parou, para o agra­de­ci­mento ao pú­blico, um tra­balho de An­tónio Vic­to­rino de Al­meida sobre a Car­va­lhesa, em re­gisto de or­questra sin­fó­nica.

O pú­blico de­lira aos pri­meiros acordes mas, se­gundos de­pois, acalma-se para ouvir a peça. Nos ins­tru­mentos e nas es­tantes das pautas des­pontam cravos ver­me­lhos. A ilu­mi­nação do palco também se ajusta ao tom carnal. A emoção é evi­dente.

De re­pente, num mo­mento em que a di­nâ­mica da mú­sica su­a­viza, os ecrãs de vídeo mos­tram uma frase: «A Festa do Avante! mantém (há) dé­cadas a sua iden­ti­dade única porque na raiz da sua cons­trução está o povo que não apenas a cons­trói, mas a faz». A mul­tidão aplaude e grita.

O texto sobre o cariz da Festa de­sen­volve-se nos ecrãs. A Sin­fo­ni­etta avança mais uns com­passos. De re­pente o texto pára, num úl­timo pa­rá­grafo, onde se lê: «Uma Festa que a nada obriga além do hu­mano e torna fa­mi­liar tudo o que de hu­mano há. Onde se come, se fala, se ri, se compra, se pas­seia, se vê, se ouve, se en­contra, se des­cobre que a fe­li­ci­dade é, de facto, pos­sível.» E, de­pois, a as­si­na­tura: «Ruben de Car­valho (1944-2019)».

Eu, e al­guns ou­tros, não con­se­guimos evitar uma lá­grima, es­con­dida de­baixo de uma tre­menda ovação do pú­blico. Temos tantas sau­dades deste cons­trutor da Festa...

Mas a mú­sica já está, outra vez, em tom alegre, sal­ti­tante, e a festa está mesmo a acon­tecer. A or­questra, o ma­estro, os so­listas, o pú­blico, todos se des­pedem, con­tentes por todos terem para contar uma noite bem pas­sada na Ata­laia.

Pro­curo, à saída, a Maria, a Te­resa e a Joana. Lá as vejo, sor­ri­dentes, a car­regar as ca­deiras de volta, lentas, passo a passo, no meio de uma mul­tidão feliz. A dada al­tura, já junto a mim, oiço Maria, a mais velha, a dizer: «Tenho tanto or­gulho no nosso par­tido!»...




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