O capitalismo não é, nem será, verde… Mesmo sem carne de vaca e atribuindo preço às baleias

Vladimiro Vale

AM­BI­ENTE A mo­bi­li­zação em torno da de­fesa do am­bi­ente é im­por­tante. Nos úl­timos anos temos as­sis­tido a uma maior sen­si­bi­li­dade para as ques­tões am­bi­en­tais, pelo que se torna im­por­tante tra­ba­lhar junto dos jo­vens (e não só) no sen­tido de de­nun­ciar e com­bater os planos do ca­pital nesta área, mas também com­bater ilu­sões.

Não se pode le­gi­timar me­ca­nismos de mer­can­ti­li­zação na Na­tu­reza

Num de­bate re­a­li­zado na Festa do Avante! sobre o tema O capi­ta­lismo não é verde, o ca­ma­rada do Par­tido Co­mu­nista Suíço ci­tava o ac­ti­vista Chico Mendes e afir­mava que «am­bi­en­ta­lismo sem luta de classes é jar­di­nagem».

A ofen­siva ide­o­ló­gica tem sido brutal nesta área, pro­cu­rando afirmar a ideia de que estas ques­tões estão acima da po­lí­tica, acima da luta de classes, pelo que é fun­da­mental po­li­tizar a luta am­bi­ental tra­zendo à evi­dência de que só uma trans­for­mação pro­funda do modo de pro­dução ca­pi­ta­lista pode ga­rantir o equi­lí­brio am­bi­ental. Isto co­loca a ne­ces­si­dade de tra­ba­lhar com quem olha para os pro­blemas am­bi­en­tais com le­gí­timas pre­o­cu­pa­ções, o que re­quer uma linha de tra­balho de massas que des­monte a pro­pa­ganda dos cen­tros de de­cisão ca­pi­ta­lista, ou seja, que vá para além desta ou da­quela moda.

Torna-se por isso fun­da­mental in­tro­duzir pa­la­vras de ordem que re­metam para ob­jectvos a curto e médio prazo, como a re­dução dos passes so­ciais, apon­tando para o ob­jec­tivo da gra­tui­ti­dade dos trans­portes pú­blicos ou a rei­vin­di­cação de aposta no trans­porte fer­ro­viário, fu­gindo aos slo­gans que visam pro­mover o ve­ge­ta­ri­a­nismo, o es­tilo de vida mo­de­rado, onde os ricos podem con­ti­nuar a usu­fruir do mesmo es­tilo de vida e aos tra­ba­lha­dores fica re­ser­vada a fru­ga­li­dade e o em­po­bre­ci­mento.

Torna-se fun­da­mental alargar a com­pre­ensão de que é ne­ces­sário e ur­gente ir além das so­lu­ções éticas e in­di­vi­du­a­listas, que con­duzem à ilusão que os pro­blemas am­bi­en­tais se re­solvem com con­sumo de pro­dutos verdes ou que se re­solvem não con­su­mindo de­ter­mi­nados pro­dutos in­de­pen­den­te­mente do sis­tema de pro­dução uti­li­zado.

Re­cen­te­mente vi­eram a pú­blico no­tí­cias que davam nota da de­cisão de não servir re­fei­ções de carne de vaca nas can­tinas da Uni­ver­si­dade de Coimbra. Para lá do efeito que terá no po­ten­ciar das dis­cri­mi­na­ções com base no nível de ren­di­mento dos es­tu­dantes, para lá da falta de fun­da­men­tação ci­en­tí­fica da me­dida, há as­pectos po­lí­tico-ide­o­ló­gicos que é ne­ces­sário abordar.

É uma me­dida que não pode deixar de ser lida pela co­lagem de­ma­gó­gica ao tema do mo­mento, cujo im­pacto maior é o da cri­ação de um quadro de ilu­sões sobre as me­didas ne­ces­sá­rias para abordar os pro­blemas am­bi­en­tais, exac­ta­mente in­ci­dindo so­bre­tudo nos com­por­ta­mentos e há­bitos in­di­vi­duais.

Ao di­a­bo­lizar o con­sumo de carne tenta es­conder-se que os ver­da­deiros im­pactos am­bi­en­tais de­correm do sis­tema de pro­dução e dos im­pactos das longas ca­deias de dis­tri­buição que ali­mentam um sis­tema ba­seado na di­visão in­ter­na­ci­onal do tra­balho. Ao co­locar em pé de igual­dade a carne pro­du­zida em sis­temas in­ten­sivos do outro lado do mundo e a carne pro­du­zida em sis­temas ex­ten­sivos, ou em agri­cul­tura fa­mi­liar, foge-se à cons­ta­tação de que é a de­fesa da pro­dução local que ga­rante o equi­lí­brio am­bi­ental, pois con­traria a li­be­ra­li­zação do co­mércio mun­dial e en­curta ci­clos de pro­dução–con­sumo.

Ca­pi­ta­lismo é a causa,
nunca a sal­vação

Ao mesmo tempo que nos querem con­vencer que o am­bi­ente se pro­tege não co­mendo carne de vaca, os ca­pi­ta­listas pros­se­guem a sua ofen­siva para provar que só eles podem salvar a hu­ma­ni­dade.

O site ofi­cial do FMI tem re­flec­tido com bas­tante cla­reza os ob­jec­tivos do ca­pital para a mer­can­ti­li­zação da na­tu­reza. A 15 de Se­tembro pas­sado foi pu­bli­cado mais um pod­cast desta vez sobre o «valor» das ba­leias. Um «am­bi­en­ta­lista» e um eco­no­mista ex­plicam o po­ten­cial de cap­tura de car­bono das ba­leias, e dis­sertam sobre a van­tagem de atri­buir preço em dó­lares à função das ba­leias para me­lhor ex­plicar à in­dús­tria da ne­ces­si­dade de as pro­teger. Mais um exemplo, entre muitos, em que há um ob­jec­tivo claro de mer­can­ti­li­zação da na­tu­reza, em que os ca­pi­ta­listas de­mons­tram mais uma vez que con­fundem valor com preço, e nos querem con­vencer que a na­tu­reza fun­ciona como o modo de pro­dução que eles ve­neram.

Ig­noram ou fazem por ig­norar a con­tra­dição de­cor­rente da ne­ces­si­dade de cons­tante re­pro­dução do ca­pital, que o sis­tema apenas con­si­dera e pri­vi­legia, seja face à na­tu­reza, como à so­ci­e­dade, o ob­jec­tivo do lucro, o que im­pede que se veja mais além.

São exem­plos como estes que tornam ur­gente trazer ao co­nhe­ci­mento de todos que a luta por me­lhores con­di­ções am­bi­en­tais é in­se­pa­rável da luta por me­lhores con­di­ções so­ciais e de tra­balho, pelo que é ne­ces­sário co­locar em cima da mesa a luta pela trans­for­mação da so­ci­e­dade.

São exem­plos como estes que podem ajudar a com­pre­ender a ne­ces­si­dade de pla­ni­fi­cação da dis­tri­buição har­mo­niosa das forças pro­du­tivas no ter­ri­tório e que isso não é pos­sível fazer sem um modo de pro­dução que olhe para lá dos ob­jec­tivos ime­di­atos de acu­mu­lação de lu­cros, um nodo de pro­dução que ra­ci­o­na­lize a re­lação da hu­ma­ni­dade com o seu meio.

É, por­tanto, ne­ces­sário de­mons­trar que luta pela de­fesa do am­bi­ente é po­lí­tica, anti-im­pe­ri­a­lista e tem que estar sempre as­so­ciada à luta pela paz. A guerra, o mi­li­ta­rismo e a in­dús­tria do ar­ma­mento são dos fe­nó­menos mais po­lu­entes no nosso mundo.

Sem a ne­ces­sária de­núncia e luta ide­o­ló­gica todas estas li­nhas de ar­gu­men­tação podem de­sem­bocar na de­fesa de apli­cação de me­ca­nismos de mer­cado para abordar os pro­blemas am­bi­en­tais.

Em suma, tal como o PCP tem afir­mado, é fun­da­mental que face aos pro­blemas am­bi­en­tais cri­ados pelo modo de pro­dução ca­pi­ta­lista não se le­gi­timem me­ca­nismos de mer­can­ti­li­zação da Na­tu­reza, não se apa­guem as res­pon­sa­bi­li­dades do ca­pi­ta­lismo na de­gra­dação da Na­tu­reza, não se fa­vo­reçam pro­cessos de na­tu­reza co­lo­nial e não se trans­fe­riram custos para as ca­madas em­po­bre­cidas e para os povos do mundo.




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