Violências e direitos das mulheres na lei e na vida

Alma Rivera

É ne­ces­sária uma po­lí­tica al­ter­na­tiva que con­cre­tize a igual­dade

Lusa


Os tempos que vi­vemos, com as dra­má­ticas con­sequên­cias so­ciais e eco­nó­micas da COVID-19, não es­condem ou se­cun­da­rizam, antes am­pliam, a ur­gência de im­pedir o agra­va­mento da ex­plo­ração la­boral, das de­si­gual­dades, dis­cri­mi­na­ções e vi­o­lên­cias sobre as mu­lheres.

Para lá da lei, a re­a­li­dade

Sendo da maior im­por­tância a con­sa­gração dos di­reitos das mu­lheres na lei em todos os do­mí­nios, tal não é con­dição su­fi­ci­ente para que eles façam parte da vida quo­ti­diana. Bas­tará ins­crever que todos são iguais pe­rante a lei para o serem? Bas­tará proibir a dis­cri­mi­nação e cri­mi­na­lizar a vi­o­lência sobre as mu­lheres para que ela se dis­sipe? Sa­bemos que não. O com­bate à de­si­gual­dade, vi­o­lência e ex­plo­ração sobre as mu­lheres faz-se no cum­pri­mento dos seus di­reitos na vida.

O fe­nó­meno da vi­o­lência do­més­tica fala por si. Apesar das múl­ti­plas abor­da­gens que do­minam a dis­cussão pú­blica es­tarem fo­cadas nas al­te­ra­ções le­gis­la­tivas e nas penas, a re­a­li­dade é bem mais com­plexa. Desde logo porque este crime é re­sul­tado de inú­meros fac­tores de ordem eco­nó­mica, so­cial, cul­tural, entre ou­tros.

Cumpre su­bli­nhar que não nos fur­tamos a aper­fei­çoar o edi­fício le­gis­la­tivo e, a bem da ver­dade, o PCP tem dado desde sempre um im­por­tante con­tri­buto como deu re­cen­te­mente com a apro­vação da pos­si­bi­li­dade de omissão da mo­rada da ví­tima de vi­o­lência do­més­tica nas no­ti­fi­ca­ções des­ti­nadas ao ar­guido, com tudo o que isso sig­ni­fica.

A vi­o­lência do­més­tica é aliás um exemplo pa­ra­dig­má­tico de como só se pode falar de eman­ci­pação e au­to­de­ter­mi­nação das mu­lheres, com um acesso efec­tivo a todos os di­reitos so­ciais e eco­nó­micos que lhes per­mitam con­cre­tizar os seus pro­jectos de vida, in­cluindo o de se li­bertar de con­textos fa­mi­li­ares vi­o­lentos.

No que às vi­o­lên­cias con­cerne, tanto na pre­venção e com­bate à vi­o­lência do­més­tica, como a que re­sulta da ex­plo­ração na pros­ti­tuição im­porta ava­liar as causas e adoptar os me­ca­nismos de res­posta.

Os ins­tru­mentos de com­bate

É ne­ces­sário dotar o Es­tado de uma res­posta pú­blica, des­cen­tra­li­zada, ar­ti­cu­lada com meios ma­te­riais e hu­manos ade­quados à in­ter­venção em todos os mo­mentos da pro­tecção às mu­lheres ví­timas de vi­o­lência do­més­tica (de­núncia, afas­ta­mento do agressor, pro­cesso crime, re­or­ga­ni­zação fa­mi­liar…). Mas, igual­mente nas me­didas de pre­venção da rein­ci­dência da vi­o­lência do­més­tica. O PCP tem in­sis­tido no as­sunto e, no âm­bito da au­dição à Di­recção Geral de Rein­serção So­cial e Es­ta­be­le­ci­mentos Pri­si­o­nais sobre pro­gramas di­ri­gidos a agres­sores para com­bate à rein­ci­dência, fi­camos a saber que estão em falta 50 psi­có­logos nas pri­sões, como es­tarão em falta mi­lhares de pro­fis­si­o­nais nas po­lí­cias, na jus­tiça, na se­gu­rança so­cial ou na saúde.

No que à pros­ti­tuição con­cerne, não há ins­tru­mentos de in­ter­venção que a con­si­dere uma grave forma de vi­o­lência sobre as mu­lheres pros­ti­tuídas, nem tão pouco a adopção de pro­gramas de saída.

En­quanto o Go­verno mantém um si­lêncio total, os que de­fendem a le­ga­li­zação da pros­ti­tuição, ocultam as ver­da­deiras causas da si­tu­ação criada em tempo de pan­demia sobre as mu­lheres pros­ti­tuídas, quanto à sua saúde e às si­tu­a­ções de po­breza que afectam muitas mu­lheres para pro­curar impor o ca­minho de sub­versão do ac­tual quadro legal, le­gi­ti­mando um ne­gócio sór­dido.

Para lá das al­te­ra­ções le­gis­la­tivas e das de­cla­ra­ções so­lenes, mais do que nunca, são ne­ces­sá­rias ro­bustas res­postas pú­blicas para as mu­lheres. E so­bre­tudo, para que não seja pre­ciso ajudar as ví­timas, é pre­ciso que não exista vi­o­lência e para isso é ne­ces­sária uma po­lí­tica al­ter­na­tiva que con­cre­tize a igual­dade.




Mais artigos de: Argumentos

Pelo direito a ser criança e a ser feliz

Assinalou-se no dia 1 de Junho o Dia Mundial da Criança – um dia para lembrar que todas as crianças, independentemente das suas características, da sua origem, das suas condições económicas ou sociais, têm direito a um desenvolvimento harmonioso e integral. Mas um dia que não pode deixar cair...

O joelho e o pescoço

Se, como se diz muitas vezes, uma imagem pode valer mais que mil palavras, aquela imagem que a televisão nos trouxe de Mineápolis, USA, confirma a fórmula. Muitos de nós, designadamente boa parte dos telespectadores do serão do passado domingo, sabemos do que se trata: a imagem mostrava um joelho decerto robusto a...