Não ficou tudo mal

João Frazão

Um jornal dia 5 de Ja­neiro de 2021, dizia, em cha­mada de capa, que «Só Porshe, Fer­rari e Aston Martin vendem». Num outro, também na capa, afir­mava-se que «Carros – Marcas de luxo re­sistem bem à crise».

Nem é pre­ciso ver os con­teúdos destas no­tí­cias para se per­ceber que, in­fe­liz­mente, se con­firma o que dis­semos em de­vido tempo.

Quando nos ten­taram vender a te­oria de que es­tá­vamos todos no mesmo barco, que es­tá­vamos todos a so­frer por igual, que o vírus era muito de­mo­crá­tico pois atingia todos sem ex­cepção, e que, se acei­tás­semos as me­didas que nos que­riam impor, iria ficar tudo bem, houve quem dis­sesse que tal não era ver­dade.

Houve quem dis­sesse, não por ne­nhum es­pí­rito mi­li­tante de con­tra­dição, mas por per­ceber que as con­sequên­cias da epi­demia, as eco­nó­micas, as so­ciais, mas mesmo os im­pactos na saúde, se­riam muito di­fe­rentes me­di­ante as con­di­ções de cada um.

E houve quem aler­tasse, desde a pri­meira hora, que, por isso, era ne­ces­sário tomar me­didas di­ri­gidas para pro­teger os mais vul­ne­rá­veis, sejam os tra­ba­lha­dores ou os idosos.

O que estas no­tí­cias vêm con­firmar é que se não ficou tudo bem, também não ficou tudo mal.

Sabe-se agora que, a essas marcas de au­to­mó­veis de luxo, não há bicho que lhes toque. Se­gu­ra­mente porque os seus cli­entes não estão no mesmo barco que os mi­lhares de pe­quenos e mé­dios em­pre­sá­rios a braços com o en­cer­ra­mento das suas em­presas e muito menos na mesma bar­caça em que na­vegam à de­riva mi­lhões de tra­ba­lha­dores que foram des­pe­didos na sequência da epi­demia.

Já muitas vezes dis­semos que a eclosão da COVID-19 teve o condão não apenas de expor pro­blemas es­tru­tu­rais de que pa­dece a so­ci­e­dade por­tu­guesa, nas suas di­versas di­men­sões, de­cor­rentes de dé­cadas de po­lí­tica de di­reita ao ser­viço do grande ca­pital e dos grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros, mas também de pôr a nu a na­tu­reza in­justa e pre­da­dora do ca­pi­ta­lismo.

Num mo­mento em que tantos gritam tantas di­fi­cul­dades, fi­camos a saber que, para al­guns, este con­tinua a ser, ale­gre­mente, um mo­mento para bons ne­gó­cios.



Mais artigos de: Opinião

Para onde vão os EUA?

A sequência dos acontecimentos ocorridos no Capitólio, em que avulta a invasão da sede do poder legislativo dos EUA, no dia 6 de Janeiro, constitue uma expressão mais das profundas contradições e multifacetada crise que percorrem a sociedade norte-americana. A par de outros aspectos, é digna de nota a incredulidade com...

Teias

Como se não bastasse quatro anos de mandato pautados por revoltas populares sem precedentes e o trágico recorde de quase 380 000 mortes por COVID-19 desde o início da pandemia, só para citar dois aspectos paradigmáticos, a administração Trump brindou os EUA e o mundo com uma nunca vista invasão do Capitólio, que se...

Votar João Ferreira pelos direitos, pelo futuro

En­trámos num novo ano sob a pressão da epi­demia e da cam­panha que em torno dela é ur­dida. Mul­ti­plicam-se con­di­ci­o­na­mentos, in­cluindo das elei­ções para Pre­si­dente da Re­pú­blica. Em tempo de epi­demia, não pode valer tudo.

Nos escombros do templo

Para os que veem nos EUA o «templo da democracia» as coisas não correm de feição. Não que o desmoronamento esteja iminente, mas as rachas e infiltrações no «monumento» deixa-os em estado de alerta. Compreende-se o rebuliço entre os guardiões. É grande o corropio que por ali grassa entre o convocar de arquitectos e...

Intrujice contra a campanha

O tratamento sistemático de intrujices da campanha eleitoral daria um livro, mas do que aqui se trata é tão só de uma das muitas tramoias do anticomunismo contra a candidatura de João Ferreira. Neste caso o ataque é ao orçamento apresentado pela nossa candidatura, mas os danos colaterais ferem a deontologia do jornalismo...