Toalhinhas e muita caca

Manuel Gouveia

Quando a caca no bebé é muita, tira-se a fralda e limpa-se com uma toalhinha. Quem já foi pai ou avô sabe bem o valor da toalhinha: limpar o rabo de um fedelho todo cagado, sem esforço, sem nos sujarmos, com rapidez e deixando-o a cheirar a rosas.

Lembrei-me eu da ditosa toalhinha devido ao imenso fedor que se liberta da situação política que vivemos. É que na política há uma palavra que, se correctamente aplicada, é como a toalhinha. É a palavra «todos», mesmo quando ela apenas se infere da utilização abusiva do artigo definido «os».

É assim que ouvimos Marques Mendes dizer que é tempo de «os» políticos penalizarem o enriquecimento ilícito. E Rui Rio afirmar perentório a necessidade de coragem para «o» poder político reformar uma justiça que não funciona. E nas caixas de comentários das redes sociais assegura-se que «os» políticos são «todos» iguais, e são «todos» corruptos.

É que o que me fez lembrar das toalhinhas foi mesmo ouvir Marques Mendes e Rui Rio, limpinhos, bem cheirosos, fugirem às suas responsabilidades próprias e partidárias com a cumplicidade de jornalistas bem amestrados que nunca os confrontam, por exemplo, com o facto de terem impedido a aprovação das propostas do PCP de combate ao enriquecimento ilícito. Ou ouvir falar de corrupção um tipo que tinha como profissão ajudar empresas a fugir ao fisco usando os alçapões colocados na lei por deputados do, então seu, PSD, em fraterna alternância com o PS e estreita colaboração com o CDS.

Noutras situações, veríamos os comentadeiros do PS e do PSD passarem culpas um ao outro por um conjunto de leis que, no essencial, aprovaram conjuntamente. Mas aqui não. A coisa é mais fina e mais funda. A culpa é de «todos». Daqui a não muito tempo, com imenso estardalhaço, algo será aprovado por «todos» para fingir que se resolveu «o» problema. E felizes promoverão a absolvição das causas e das responsabilidades na generalização de uma culpa assim confessada e perdoada. E felizes continuarão a tentar silenciar o PCP. E felizes continuarão a privatizar e liberalizar, a criar o caldo de cultura que alimenta a corrupção e as leis que dificultam proteger o interesse público. E a realidade não os atrapalhará até lhes cair em cima.




Mais artigos de: Opinião

Orçamento de Guerra

A ideia, mil vezes repetida pelos media dominantes, que a Administração Biden significaria uma mudança (de fundo, diziam alguns) face à política externa da Administração Trump, assente no diálogo e diplomacia, está a desmoronar-se a cada dia que passa. Isso é evidente nos discursos de Biden e de outros responsáveis, nos...

Muito mais do que Sócrates

O anúncio da decisão instrutória sobre a Operação Marquês - com direito a transmissão em directo nas rádios e tv’s - realizado a 9 de Abril centrou todas as atenções, assumindo uma centralidade que, sendo compreensível neste contexto, é desproporcionada face a outras dimensões da vida nacional que não desapareceram...

A ordem

Reconheça-se ao menos isto: o imperialismo é hábil com as palavras. Na mais recente edição das Lisbon Speed Talks, promovida pelo Clube de Lisboa, um académico norte-americano de nome Daniel Dexon defendeu que a emergência de novas potências no cenário internacional, a par de outros fenómenos, ameaça a «ordem mundial...

Democratas e patriotas, diálogo e convergência

O trabalho político unitário é uma linha de sempre da intervenção do Partido. Está muito ligado à influência política e social do Partido e à sua ligação às massas. Tem uma expressão notável na intervenção dos comunistas eleitos no movimento sindical unitário, no movimento das comissões de trabalhadores ou no movimento associativo popular. Tem expressão importante igualmente na CDU, quer no trabalho com os nossos aliados do PEV e da ID, quer na intervenção dos milhares de independentes que participam nas listas para as autarquias locais – cerca de 12 mil nas eleições autárquicas de 2013.

Teias

Vivemos tempos perigosos, de potencial catástrofe desencadeada pelo imperialismo. Mas o jornal online do BE decidiu divulgar um texto com o polido título «O “anti-imperialismo” dos imbecis». Tenta-nos convencer que, se anteriores guerras dos EUA eram más, na Síria há uma genuína revolta popular. A sério? Segundo o...