Sair do grande armário

António Santos

A Ama-Zen é uma caixa do ta­manho de uma casa de banho por­tátil onde cabe um ser hu­mano. Lá dentro, pode ler-se no co­mu­ni­cado de im­prensa, «os em­pre­gados podem ver ví­deos com dicas de bem-estar sobre ali­men­tação sau­dável, me­di­ta­ções gui­adas e afir­ma­ções po­si­tivas».

Como as pa­redes da Ama-Zen são to­tal­mente in­so­no­ri­zadas, nin­guém ouve os tra­ba­lha­dores que vão lá para dentro a gritar e a chorar. Os claus­tro­fó­bicos cai­xões, a que os tra­ba­lha­dores se re­ferem como «ar­má­rios de de­ses­pero» e que a em­presa pre­fere chamar «qui­os­ques in­te­rac­tivos», fazem parte de um in­ves­ti­mento de 300 mi­lhões de euros num pro­grama de «well­ness» que in­clui aulas de yoga por te­le­con­fe­rência, audio-li­vros de auto-ajuda, mini-con­sultas de psi­co­logia via Zoom e muitas, muitas re­fe­rên­cias shanti-shanti a «re­si­li­ência». Só não in­clui uma re­dução dos ho­rá­rios de tra­balho de 10 horas a ritmos alu­ci­nantes, mais pausas, mais folgas ou au­mentos sa­la­riais.

Esta é a res­posta do maior ven­dedor on­line do mundo às crí­ticas dos tra­ba­lha­dores obri­gados a urinar em gar­rafas, im­pe­didos de formar sin­di­catos e ví­timas da maior taxa de aci­dentes la­bo­rais dos EUA: caixas de iso­la­mento ins­ta­ladas no meio dos ar­ma­zéns onde se pode gritar. Mais do que isso é im­pos­sível porque as poucas pausas a que os tra­ba­lha­dores têm di­reito são pre­en­chidas com «ta­refas de off-time» que, in­com­pletas, se trans­formam au­to­ma­ti­ca­mente em cortes sa­la­riais.

Os ritmos de tra­balho são tão in­tensos que a Amazon tem de re­correr a um al­go­ritmo que mede a tensão acu­mu­lada em cada mús­culo dos tra­ba­lha­dores para os obrigar a trocar de ta­refa antes de um aci­dente acon­tecer. Apro­pri­a­da­mente, a em­presa diz que os novos ar­má­rios servem para «re­car­regar as ba­te­rias in­ternas» dos seres hu­manos que, não tendo ba­te­rias como os robôs, têm apenas a sua força de tra­balho.

Só nos EUA, são cerca de 4000 os tra­ba­lha­dores da Amazon que só con­se­guem so­bre­viver graças à ajuda ali­mentar do Es­tado. Em 2020, esses tra­ba­lha­dores ge­raram lu­cros de 21 mil mi­lhões de dó­lares. O que dirão eles quando um dia, em vez de gri­tarem iso­lados dentro de caixas in­so­no­ri­zadas, de­ci­direm gritar juntos, na rua, num par­la­mento, ou num go­verno?




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